terça-feira, 15 de novembro de 2011

(Ainda) os sonhos de Jung


"O sonho recorrente é um fenómeno digno de apreciação. Há casos em que as pessoas sonham o mesmo sonho, desde a infância até à idade adulta. Este tipo de sonho é em geral uma tentativa de compensação para algum defeito particular que existe na atitude do sonhador em relação à vida; ou pode datar de um traumatismo que tenha deixado alguma marca. Pode também ser a antecipação de algum acontecimento importante que está para acontecer.

Sonhei durante muitos anos com um mesmo motivo, no qual eu “descobria” uma parte da minha casa que até então me era desconhecida. Algumas vezes, apareciam os aposentos onde os meus pais, há muito falecidos, viviam e onde o meu pai, para grande surpresa minha, montara um laboratório de estudo de anatomia comparada dos peixes e onde a minha mãe dirigia um hotel para hóspedes fantasmas. Habitualmente, esta ala desconhecida surgia como um edifício histórico, há muito esquecido, mas de que eu era proprietário. Continha interessantes mobílias antigas e, lá para o fim desta série de sonhos, descobri também uma velha biblioteca, com livros que não conhecia.

Por fim, no último sonho, abri um dos livros e encontrei nele uma série de gravuras simbólicas maravilhosas. Quando acordei, o meu coração pulsava de emoção. Algum tempo antes de ter este último sonho, havia encomendado a um vendedor de livros antigos uma colecção clássica de alquimistas medievais. Encontrara, numa obra, uma citação que me parecia relacionada com a antiga alquimia bizantina e queria verificar este facto. Algumas semanas depois de ter tido o sonho com o livro que me era desconhecido, chegou um pacote do livreiro. Dentro, havia um volume em pergaminho, datado do século dezasseis. Era ilustrado com fascinantes gravuras simbólicas, que logo me lembraram as que vira no meu sonho.

Como a redescoberta dos princípios da alquimia se tornou parte importante do meu trabalho pioneiro na psicologia, o motivo do meu sonho recorrente é de fácil compreensão. A casa, certamente, era o símbolo da minha personalidade e do seu campo consciente de interesses; e a ala desconhecida da residência representava a antecipação de um novo campo de interesse e pesquisa de que, na época, a minha consciência não se apercebera. Desde aquele momento, há trinta anos, o sonho não se repetiu."


Carl Jung in O Homem e os seus símbolos

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