sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Coisas Boas

Henri Matisse - Flowers

Cannabis e Cocaína


Em jeito de manual académico, sistematizemos algumas características das duas das substâncias mais consumidas em Portugal (segundo conclusões do Instituto da Droga e da Toxicodependência), a cannabis e a cocaína.

No que respeita à cannabis, como principais efeitos físicos associados ao consumo destaca-se o aumento da frequência cardíaca, congestão dos vasos conjuntivais (olhos vermelhos), dilatação dos brônquios, diminuição da pressão intra-ocular, foto-fobia e tosse. Como sintomas psíquicos verifica-se a euforia mas, além disso, relaxamento e sonolência. Os pensamentos fragmentam-se e podem surgir ideias paranóides. Há intensificação da consciência sensorial e maior sensibilidade aos estímulos externos. Há lentificação nas reacções e um défice na aptidão motora, bem como diminuição da memória imediata e da capacidade para a realização de tarefas que impliquem operações múltiplas. O seu potencial de dependência é diferente de outras drogas, contudo, provoca uma síndrome de abstinência leve (ansiedade, irritação, transpiração, tremores, dores musculares). O THC (componente activo) exacerba ainda a depressão e intensifica psicoses pré-existentes, estando também associado a problemas sociais e de relacionamento pessoal.

A cocaína, por sua vez, é uma substância associada à imagem de êxito social pois produz euforia, diminuição da fadiga e do sono, possível aumento do desejo sexual, redução do apetite, aumento da energia, maior auto-confiança (ou mesmo prepotência). Fisicamente, há tremores nas mãos, agitação, aumento da frequência cardíaca, aumento da tensão arterial, aumento da temperatura corporal e da sudação. À sensação de bem-estar inicial segue-se, geralmente, uma decaída caracterizada por cansaço, apatia, irritabilidade e comportamentos mais impulsivos. É a droga com maior potencial de dependência, provocando maior percentagem de adictos para um menor número de consumos. Chamam-lhe também a gulosa, pois devido à curta duração dos seus efeitos psicoactivos e ao rápido aparecimento de sintomas de abstinência, provoca um estilo de consumo compulsivo. É difícil falar em síndrome de abstinência com dores ou sintomas físicos (como na heroína), mas algumas alterações psicológicas são notáveis: hiper-sonolência, apatia, depressão, ideias suicidas, ansiedade, irritabilidade, intenso desejo de consumo. O mais grave no quadro de abstinência da cocaína é a enorme dificuldade em suportar a perda dessa euforia. É uma dependência psicológica que se reflecte numa ânsia compulsiva por sentir novamente o efeito (na língua inglesa encontramos a melhor expressão para este fenómeno, craving). Em qualquer um dos casos, na presença de situações de abuso destas substâncias (ou outras, note-se!), o mais importante será perceber o motivo que leva o indivíduo ao comportamento aditivo.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pedrinha (Das escolhas)


Todas as escolhas têm perda. Quem não estiver preparado para perder o irrelevante, não estará apto para conquistar o fundamental.

Augusto Cury

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

What if ?


“E se, algum dia ou alguma noite, um demónio fosse atrás de ti até a tua solidão mais solitária e dissesse: Esta vida, como agora a vives e tens vivido, vais ter de a viver mais uma e inúmeras vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada alegria, cada pensamento e cada suspiro, do mais pequenino pormenor aos momentos mais grandiosos, terão de regressar a ti na exacta mesma sucessão e sequência. E perante isto, o que sentiríamos? Seria uma maldição ou uma bênção?”
Irvin Yalom

domingo, 18 de dezembro de 2011

Os enigmas da psique


A nossa psique faz parte da natureza e o seu enigma é, igualmente, sem limites. Assim, não podemos definir a psique nem a natureza. Podemos, simplesmente, constatar o que acreditamos que elas sejam e descrever, da melhor maneira possível, como funcionam. No entanto, fora das observações acumuladas em pesquisas médicas, temos argumentos lógicos de bastante peso para rejeitarmos afirmações como “não existe inconsciente”, etc. Aqueles que fazem este tipo de declaração estão a expressar um velho misoneísmo – o medo do que é novo e desconhecido.

Carl G. Jung

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Quem (não) sai aos seus



Todos os pais têm sonhos para os seus filhos. Quando um bebé desejado começa a crescer na barriga da mãe, infinitos planos e projectos ganham forma na mente dos seus pais. Nasce um nome e, associado a esse nome, uma fantasia. Sonham que ele seja feliz, saudável, sonham que ele seja bem-sucedido e que constitua um dia uma família. Sonham, de certa maneira, que esse filho reúna em si aquilo que pensam ser o melhor deles próprios.

Fantasiar é bom e natural. Sonhar uma boa vida para um filho é sinal de amor. Sonhar que um filho se torne um adulto com valores adequados, orientando-o nesse sentido, também. A criança cresce, torna-se jovem e, por fim, adulto. Cresce enriquecida pelas suas ideias, crenças, gostos, opiniões e escolhas. Vai-se definindo, num processo dinâmico e intersubjectivo com o meio envolvente. E, naquilo que é tão seu, torna-se um ser único e insubstituível.

Acontece, contudo, que nem sempre os sonhos dos pais correspondem aos sonhos dos filhos. Seja no seu carácter, na sua personalidade ou nas suas variadíssimas opções de vida, nem sempre os filhos se tornam aquilo que os pais imaginaram um dia. E nem sempre os pais encaram com bons olhos a diferença. Alguns necessitam de um clone deles próprios como condição para seu amor, um filho que seja um prolongamento do que eles são ou que não conseguiram ser. Onde fica o espaço para o indivíduo se permitir a conhecer-se, avançar e retroceder, crescer, sem medo de perder o afecto dos outros?

Nem todos têm capacidade para avaliar que estão a viver não os seus sonhos mas os sonhos de outro alguém. Não raras vezes, este falso Self (um Eu postiço) manifesta-se apenas como um vazio imenso, sem nome, que habita dentro de nós, indivíduos. É algo que se instala muito precocemente e torna-se um padrão de funcionamento. Viver para agradar aos outros é um teatro, ou mais precisamente, uma prisão. É uma prisão depressígena, que nos deprime e nos engole por não permitir ser-se amado por aquilo que realmente se é. Viver com medo de desiludir (para desiludir é preciso que alguém esteja iludido) e consequentemente perder o amor dos outros significativos, é definhar dentro de um corpo sem existência própria.

            No nosso quotidiano, dizer “sai à mãe” ou “sai ao pai” é a expressão mais genuína e evidente de que há uma tendência generalizada, quiçá de inscrição genética, para procurar desde cedo traços de semelhança com os progenitores. Apesar disso, o mais importante é permitir que a criança saia a ela própria. E, incondicionalmente (não é o amor dos pais o único amor verdadeiramente incondicional?) poder amar os filhos nas suas semelhanças e diferenças, respeitando a sua individualidade e o seu caminho.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Pedrinha (Da televisão)


A violência na televisão não transforma uma criança saudável num menino mau. E não acho que sejamos sérios se ilibarmos os pais – cujas relações são (muitas vezes) um reality show interminável – (…)

A televisão estimula o conhecimento, e só faz mal se se tiverem com ela comportamentos obesos, ou se se transformar no antidepressivo ou no ansiolítico mais à mão. E faz ainda, mal quando se transfigura num afrodisíaco ou serve de substituto às dores de cabeça a que duas pessoas (que não se toleram) recorrem, sempre que se evitam uma à outra.

A televisão faz mal sempre que esperamos que esta seja a baby-sitter das crianças ou o animal de estimação dos pais (que se liga, logo que se chega a casa, para tornar mais suportável um silêncio que os convida a pensar). A televisão faz mal sempre que se fala nas horas que as crianças passam diante do televisor, enquanto os pais se empanturram com telenovelas. A televisão faz mal sempre que a cada pessoa de uma família, corresponde uma televisão e, em função disso, cada uma se barrica autisticamente no seu quarto, ou troca uma boa conversa, ao jantar, pela companhia de mais um programa de humor.


Eduardo Sá (in Tudo o que o amor não é)

Boas Festas

Votos de um Feliz Natal, cheio de Paz, Esperança, Fé e Alegria.

sábado, 26 de novembro de 2011

O admirável ser humano



Não existe, no mundo vivo, espécie mais dependente dos outros do que a espécie humana. É na primeira infância, fase de dependência absoluta, que esta característica se afirma de forma mais evidente. O bebé e a mãe constituem uma unidade e, sem um cuidador, o bebé não sobrevive. Porque tem a nossa espécie esta particularidade, tão incontornável?

Primeiro, as justificações da Biologia: o bebé humano nasce com um desenvolvimento neuromotor muito inferior ao dos bebés de outras espécies animais. Exemplificando, para que um bebé humano nascesse com o mesmo nível de desenvolvimento de um primata, seria necessário mais um ano de gestação (o que corresponderia a uma gravidez de 21 meses). Assim, nascendo com um desenvolvimento “insuficiente”, entende-se que o bebé humano seja muito mais dependente dos cuidados maternos. Felizmente, a Natureza alinha os detalhes e constatamos que, normalmente, nasce apenas uma cria humana por cada gestação, e não uma ninhada de filhos, como acontece com outras espécies animais. No caso de nascimento de gémeos, sabem as mães melhor que ninguém quão complicado é cuidar de dois bebés em simultâneo.

Depois, para lá das questões neurológicas ou motoras, existe a complexidade singular da mente humana e do seu processo de desenvolvimento afectivo, relacional e social. O bebé humano precisa de cuidados muito particulares (e exigentes!) para o bom desenvolvimento da sua estrutura psíquica e das suas capacidades cognitivas, afectivas e sociais. Esta interacção única entre a mãe e o seu bebé tem alguns contornos muito funcionais (alimentação, higiene, saúde) mas também tem contornos relacionais (amor, afectividade, comunicação, brincadeira, empatia). Como resultado da soma de tudo isto, percebe-se que é a mãe quem promove as condições para que se desenvolvam as capacidades físicas e a confiança/segurança necessária para o bebé poder explorar o mundo e integrar as aprendizagens. Para passar da dependência à autonomia e à capacidade de criar relações saudáveis com os outros, deve haver respostas adequadas às solicitações do bebé.

O que se torna curioso realçar é que, afinal, antes do verbo, veio o amor. Nas teias desta nossa complexidade, tornámo-nos seres altamente sensíveis à comunicação não verbal, àquilo que não precisa ser dito para ser sentido. Usando essa capacidade, a mãe tem de “adivinhar” as necessidades do seu filho, sejam elas de ordem fisiológica ou psicológica. Com a mesma capacidade (não se subestime o pequeno ser), o bebé detecta muito facilmente qual o lugar que ocupa no mundo da mãe e, mais tarde, no mundo dos outros. Quando algo corre menos bem nesta fase, a estrutura e funcionamento psicológicos do indivíduo podem ficar, de alguma maneira, condicionados.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O retorno

Pedrinha (Da capacidade de amar uma criança)


"De amor pelas crianças só são capazes aqueles que amam a criança que neles habita. Nem todos puderam ser crianças, alguns foram apenas objectos utilitários de alguém. Que o teu filho não seja um utensilio de compensação da tua frustração ou um adorno da tua vaidade. Não o tornes num autómato, não faças dele um objecto utilitário. Deixa que a espontaneidade das tuas experiências infantis renasça das trevas dos teus preceitos e preconceitos de adulto, para falares com o teu bebé uma linguagem de gestos e de olhares que ele entenda e que o ajude a descobrir o mundo das pessoas e das coisas. Fala com a tua sabedoria, mais do que com o teu saber."
João dos Santos

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Transformações


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Luís de Camões

terça-feira, 15 de novembro de 2011

(Ainda) os sonhos de Jung


"O sonho recorrente é um fenómeno digno de apreciação. Há casos em que as pessoas sonham o mesmo sonho, desde a infância até à idade adulta. Este tipo de sonho é em geral uma tentativa de compensação para algum defeito particular que existe na atitude do sonhador em relação à vida; ou pode datar de um traumatismo que tenha deixado alguma marca. Pode também ser a antecipação de algum acontecimento importante que está para acontecer.

Sonhei durante muitos anos com um mesmo motivo, no qual eu “descobria” uma parte da minha casa que até então me era desconhecida. Algumas vezes, apareciam os aposentos onde os meus pais, há muito falecidos, viviam e onde o meu pai, para grande surpresa minha, montara um laboratório de estudo de anatomia comparada dos peixes e onde a minha mãe dirigia um hotel para hóspedes fantasmas. Habitualmente, esta ala desconhecida surgia como um edifício histórico, há muito esquecido, mas de que eu era proprietário. Continha interessantes mobílias antigas e, lá para o fim desta série de sonhos, descobri também uma velha biblioteca, com livros que não conhecia.

Por fim, no último sonho, abri um dos livros e encontrei nele uma série de gravuras simbólicas maravilhosas. Quando acordei, o meu coração pulsava de emoção. Algum tempo antes de ter este último sonho, havia encomendado a um vendedor de livros antigos uma colecção clássica de alquimistas medievais. Encontrara, numa obra, uma citação que me parecia relacionada com a antiga alquimia bizantina e queria verificar este facto. Algumas semanas depois de ter tido o sonho com o livro que me era desconhecido, chegou um pacote do livreiro. Dentro, havia um volume em pergaminho, datado do século dezasseis. Era ilustrado com fascinantes gravuras simbólicas, que logo me lembraram as que vira no meu sonho.

Como a redescoberta dos princípios da alquimia se tornou parte importante do meu trabalho pioneiro na psicologia, o motivo do meu sonho recorrente é de fácil compreensão. A casa, certamente, era o símbolo da minha personalidade e do seu campo consciente de interesses; e a ala desconhecida da residência representava a antecipação de um novo campo de interesse e pesquisa de que, na época, a minha consciência não se apercebera. Desde aquele momento, há trinta anos, o sonho não se repetiu."


Carl Jung in O Homem e os seus símbolos

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Curiosidade

Elogio da Criatividade


A criatividade é a capacidade de criar algo novo e original. É a matéria-prima da evolução, permitindo a produção do inovador, do diferente. Ainda se educa pouco para a criatividade, já que educar não é encher uma ânfora, mas alimentar uma chama viva, como disse o pedagogo Pestalozzi. É facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento, ensinando cada um a pensar pela sua própria cabeça ao invés de formatar indivíduos apenas para repetir o que foi pensado por outros. Precisamos de espíritos críticos, não de ovelhas seguindo pastores. Pensar, questionar, duvidar, pesquisar, são acções criativas. O provérbio diz há muitos anos que da discussão nasce a luz e é por isso que temos um aparelho pensante (e não um gravador/leitor). Como diz António Coimbra de Matos, queremos formar pensadores em vez de “acumuladores de pensamentos”.

A criatividade aplica-se em tudo: no trabalho, nas relações humanas, no conhecimento que adquirimos. É, enfim, uma forma de estar na vida e um atributo de personalidade. No trabalho produz-se obra (preferencialmente acrescentando sempre uma nota criativa ao que fazemos). Uma relação saudável é, também, criação. É criação na medida em que nos desenvolvemos mais em relação com o outro do que nos desenvolvemos sozinhos: na relação com outras pessoas cria-se um espaço de desenvolvimento, resultante da partilha entre mentes, da transmissão de conhecimentos/vivências e do confronto de ideias. Funcionamos, na relação, como promotores da criatividade do outro. E, aqui, o expoente máximo da criatividade da relação é a criação do bebé, um ser único que chega ao mundo.

A criatividade implica, porém, liberdade. Liberdade de ser, de estar, de pensar e de sentir, perante os outros e perante nós próprios. Não há espaço para a criatividade quando estamos dominados por algo castrante (seja uma família, um chefe ou um governante). Há um sem número de indivíduos sufocados na sua capacidade criativa, muitas vezes desde o nascimento, em famílias ou em outros sistemas (profissionais, culturais, políticos) que não permitem que se questione uma única ideia ou princípio adquirido.

Em psicoterapia, não só se fomenta a capacidade de pensar (soltando amarras internas ou externas) como se potencia a criação de algo novo, um novo estar, um diferente sentir. Pretende-se a expansão da mente e o desbloqueamento de potencialidades aprisionadas, pois o ser humano tem um aparelho pensante sem igual. Somos autores da nossa vida e usemos logo aí a criatividade, para conduzi-la com inspiração e para com ela produzir algo único.


Referência útil: Coimbra de Matos, A. (2011). Relação de Qualidade: penso em ti. Climepsi.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Pedrinha (Da subjectividade da "culpa")


O sentir-se alguém "culpado" e "pecador", não prova que na realidade o seja, como sentir-se alguém bem não prova que na realidade o esteja.

Friedrich Nietzsche, in 'Genealogia da Moral'

sábado, 5 de novembro de 2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Pedrinha (Da irritação)

Tudo o que nos irrita nos outros pode levar-nos a um entendimento de nós mesmos.

Carl Jung

Espelho, espelho meu


Sabemos que o primeiro espelho em que o ser humano se vê reflectido são os olhos dos seus pais ou cuidadores, no geral, os olhos da sua mãe, em particular. Aí, nesse encontro de amor incondicional, se constrói a base mais sólida e fundamental do desenvolvimento de um sentimento suficiente de si mesmo. Na ausência desse estado de deslumbramento precoce, quando há desencontros nesse olhar (tantos desencontros de tantas e variadas espécies), sem um "espelho" que devolva ao bebé quão belo, especial e único ele é neste mundo, não há espelho que um dia mais tarde lhe valha. Excepto, com sorte, um objecto de amor adulto ("espelho" secundário) que possa por fim devolver esse reflexo, nunca antes conhecido, de amor, de empatia, de encanto e entusiasmo.
Nas palavras de António Coimbra de Matos, o Homem é um animal narcísico, que se mira no espelho. Se foi objecto do olhar apaixonado do outro, objecto do seu amor e reconhecimento, tal e qual como é, organiza um narcisismo saudável, sabe quem é e o que vale e tem amor a si próprio. Deste modo, amado, aprende a amar-se e amar os outros. Se não viveu esse encanto e não teve a sorte de ser suficientemente amado por outro alguém, restam três saídas: o sentimento crónico de inferioridade, a compensação narcísica e a vaidade, ou o ataque ao narcisismo dos outros.
Assim, ou "assume" para si mesmo que não tem valor, lesado na sua auto-imagem (e auto-estima) ou, quando o sentimento de inferioridade é demasiado doloroso e insuportável, enfrenta esta falha narcísica básica com mecanismos de defesa e compensação (escondendo o que sente não só dos outros como de si mesmo). Evidencia-se, exibe-se, transborda vaidade, arrogância e megalomania. É uma prótese que engana os mais desatentos mas que não resolve a insuficiência crónica dentro de si. E por isso, invoca o olhar do outro, não só através de chamadas de atenção e da valorização sistemática de si próprio mas passando também muitas vezes ao ataque ao outro, de forma sarcástica ou perversa, desvalorizando e desdenhando o alheio. Desenvolveu-se um narcisimo patológico. E, seco de afectos, nega perante si mesmo a necessidade desse amor. Fá-lo (aprendeu a fazê-lo), tantas vezes, por uma questão de sobrevivência.
O mito de Narciso conta-nos a história de um jovem que, após uma paixão por uma ninfa que o ecoava a ele mesmo, tem como triste destino "apaixonar-se" pelo reflexo da sua própria imagem numa fonte, onde fica, durante dias e dias, a admirar-se (tentando amar-se, talvez), definhando sem água nem alimento, e aí morrendo, por fim, só. O "narcísico" está condenado a estar só (afectivamente só) pois não poderá amar ninguém enquanto não souber amar-se a si mesmo. Porque o amor é dádiva e é muito difícil dar quando nunca se chegou a receber. Sem nunca ter sido olhado, ávido de reconhecimento, não consegue ver ou reconhecer mais ninguém. Precisa, imensamente, de amor.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Como dizia o poeta


Porque a vida só se dá pra quem se deu,
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu.

Vinicius de Moraes

Depressão vs. Personalidade Depressiva


Tem sido falado que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais. Sabe-se que dois milhões de pessoas, na sua maioria mulheres, sofrem de depressão. Os dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que, em 2020, será esta a patologia que mais despesas acarretará para o Estado. Preocupante? Sim, porque os reais contornos da depressão ainda são significativamente desconhecidos e/ou desvalorizados pela generalidade dos portugueses.
Operacionalizando, sabemos que um indivíduo sofre de depressão quando verificamos alguns destes sintomas: presença de humor depressivo (ou perda de interesse em quase todas as actividades); alterações no peso ou apetite, sono e actividade psicomotora; diminuição da energia; dificuldades em pensar, concentrar-se ou tomar decisões; sentimentos de desvalorização pessoal ou culpa; ansiedade elevada e/ou sensação de pânico; pensamentos frequentes a respeito da morte ou ideação suicida. O afecto principal da patologia depressiva é a tristeza (embora nas crianças o humor possa ser irritável em vez de triste). Não esquecer a face psicossomática da depressão, ou seja, a presença de “dores” do corpo que tantas vezes não são mais do que o espelho das “dores” da alma.
Consoante os autores, vários modelos defendem a origem da depressão como mais dependente ora das estruturas psíquicas internas, ora da experiência. Contudo, todos apontam, com maior ou menor relevo, as inadequações do processo afectivo-relacional com os progenitores como o aspecto central na origem da patologia. As estruturas depressivas são sempre condicionadas por acontecimentos exteriores sentidos por nós com um carácter de insuficiência, ausência, vazio e, quase sempre, mais do que a forma como as coisas realmente se processaram, o que interessa é a maneira como as sentimos.
Quando se fala de estrutura depressiva (ou personalidade depressiva), queremos clarificar que são inúmeros os casos em que, independentemente de não se verificar um quadro depressivo propriamente dito (e impeditivo de uma vida funcional), os indivíduos apresentam uma personalidade com traços declaradamente depressivos, encontrando-se à espreita uma potencial depressão (com tudo o que tem direito). Pintada em escala de cinzentos, numa personalidade depressiva encontramos normalmente uma acentuada dependência de um objecto protector e satisfatório (que se prolonga pela vida fora em relações familiares, de amizade, conjugais, etc), uma baixa auto-estima e self diminuído, e uma culpabilidade interna que espreita, implacável e punitiva, invadindo o sujeito com a responsabilidade de “todos os males do mundo”.
Importa realçar que, quer haja uma depressão propriamente dita, incapacitante, quer haja unicamente uma personalidade de tons depressivos, a necessidade de um acompanhamento psicológico surge sempre na medida em que o indivíduo sinta que o seu funcionamento traz prejuízo ao seu bem-estar.

domingo, 23 de outubro de 2011

Pedrinha (Da chuva)

Chuva, caindo tão mansa,
Em branda serenidade.
Hoje minh'alma descansa.
— Que perfeita intimidade!...


Francisco Bugalho, in "Paisagem"

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

P.S.

mas...
"o coração, se pudesse pensar, pararia"

Pedrinha (Dos "sentimentos pensados")


Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Com o pensamento na crise (e a crise no pensamento)

Estamos em crise. Em traços largos, sabemos que, se um organismo entra em crise, houve uma falha nos seus mecanismos de auto-regulação e de regulação externa. Por vezes, homeoestaticamente, o organismo consegue auto-reparar-se e retomar o seu percurso de desenvolvimento (que, entretanto, ficou suspenso). Outras vezes, atingido um certo limite de desvio e um dado nível de desregulação, o organismo já não tem capacidade de, per si,  se auto-reparar, tornando-se urgente recorrer a uma intervenção externa que ajude na reparação e minimização dos danos dessa mesma crise.
Sabemos que é este o ciclo evolutivo: é decadência, crise e mudança, como destaca o Prof. António Coimbra de Matos. Um sistema, qualquer sistema, num dado momento, entra em declínio (esgota-se, desadequa-se ou torna-se nocivo), instalando-se assim uma crise que exige uma mudança. Essa mudança permite a evolução desse mesmo sistema, reequilibrando-o. Assim foi, repetidamente, ao longo da história da humanidade: na ciência, na religião, na política, na economia. E assim será, naturalmente, no sistema mais complexo de todos, o ser humano, em momentos da vida de cada um de nós, a nível pessoal (interno) e relacional (externo).
E assim podemos dizer que, numa crise, surge a oportunidade de criação de algo novo e sempre mais eficaz (espera-se!). Desde que haja um olhar atento (e ético...!) que compreenda e transforme as causas da crise (não se tente resolver uma crise com os mesmos modelos que a ela conduziram!). Porque uma crise exige mudança e a mudança implica novas formas de pensar, agir e sentir.  A mudança é condição sine qua non do desenvolvimento. Para isso, cada um necessita de usar a sua capacidade de pensar e, fundamentalmente, de se questionar, sobre o papel que tem (porquê demitirmo-nos da responsabilidade do individual que influencia o colectivo?!) na resolução da crise (esta, aquela ou a outra).
Comecemos, como disse, pela mudança das mentalidades e pela resolução das nossas crises internas. Comece-se por interiorizar que a cooperação deve substituir a competição. Colocar a responsabilidade no lugar da culpa, a confiança no lugar da desconfiança, o empreendedorismo no lugar da apatia.  Exige-se uma mudança social. Exige-se uma mudança que toque nas bases, nas fundações. Podemos, talvez, começar por combater a crise dentro de cada um de nós: a crise ética: dos valores; a crise dos afectos: do indivíduo, das famílias. Que a crise lá fora nos leve a pensar sobre a crise cá dentro.

Referência Útil: Coimbra de Matos, A. (2011). Relação de Qualidade: penso em ti. Climepsi.

Pedrinha (Do que é novo)


O prazer com o novo é o motor do desenvolvimento pessoal e colectivo. O medo do novo é sinal de insegurança e causa de paragem do desenvolvimento ou mesmo regressão.

António Coimbra de Matos

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Pedrinha (Das relações criativas)


Não procures alguém que te complete. Completa-te a ti mesmo e procura alguém que te transborde.

Clarice Lispector

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Intimamente


Freud dizia que possuímos um desejo profundo de nos unirmos com o mundo que nos rodeia, estabelecendo uma comunhão íntima com as outras pessoas. Meltzer, psicanalista inglês que sempre se interessou pelo tema da intimidade, falava da solidão e de como a nossa existência se torna mais agradável se for possível vivenciar estados de intimidade.
A intimidade é um estado de comunhão dos afectos, um sentimento de familiaridade, um encontro único e genuíno entre pessoas que partilham as vidas e, fundamentalmente, as almas. Porque é que encontramos pessoas que não são capazes da intimidade, parecendo não se entregar/revelar verdadeiramente a ninguém? Porque, naturalmente, a intimidade acarreta riscos. É, amar é um risco (não será toda a nossa vida uma aventura de risco?). Não deixarmos que ninguém nos toque ou nos veja no mais profundo e íntimo de nós mantém-nos a salvo de algumas desilusões. Pelo menos, aparentemente.
Na realidade, este funcionamento é um mecanismo de defesa. Por medo ou incapacidade, são erguidas barreiras defensivas contra a intimidade, como forma de evitar qualquer tipo de sofrimento emocional. Não acontece de forma consciente e, quem age assim, raramente compreende porque o faz. São defesas inconscientes, frequentemente camufladas por personalidades pretensamente indiferentes e desprendidas. Contudo, honestamente, não resulta. Há um vazio que permanece e que nos mostra que ao amputarmo-nos do que mais belo e singular existe nos seres humanos, a nossa maravilhosa capacidade afectiva, não se encontra nenhuma espécie de felicidade.
Não se faça confusão. O adolescente que se movimenta entre curtes, está em idade natural para isso. Ele experiencia vários objectos amorosos, em busca daquele com quem estabelecerá um dia mais tarde uma relação de intimidade. Estranho será o adulto que diz nunca ter amado ninguém ou o adulto que não consegue fixar-se numa só relação amorosa, entre outros casos. Tendencialmente, ao crescer deixamos de alinhar em relações fortuitas. Aliás, não há nada de gratuito quando duas pessoas se tocam, como afirma o Prof. Carlos Amaral Dias. Essa pretensa gratuitidade que por vezes nos ilude, atinge-se à custa da negação, da negação daquilo que realmente necessitamos, a intimidade.
Para a construção de uma relação, é fundamental que se consiga experimentar e viver as emoções, o amor e o ódio, a ambivalência, o medo ou a ansiedade. A confiança (em nós e nos outros) também é um elemento importante para que nos possamos entregar num encontro com o outro sempre desconhecido, com todos os mistérios e riscos que esse encontro envolve. São capacidades que adquirimos a partir da qualidade do vínculo materno, na experiência mais precoce, e se não as posssuirmos, teremos alguma dificuldade em desenvolver a disponibilidade suficiente necessária para o estabelecimento de uma relação de intimidade.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Pedrinha (Do sonho)

O sonho tem a capacidade de reunir e colocar em imagens humores e emoções ainda não pensáveis.

Antonino Ferro

domingo, 25 de setembro de 2011

Fora da Box

Pedrinha (Das misteriosas possibilidades do amor)


Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como factor de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.

José Saramago, in "Revista Máxima, Outubro 1990"

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Perspectiva


Convidado a experimentar outras formas de (se) olhar, outros possíveis enunciados sobre a sua experiência, o sujeito vai sendo capaz- assim lho permita o seu aparelho de pensar os pensamentos- de desenvolver em si próprio a capacidade de se interrogar de forma cada vez mais ampla, mais consciente dos seus mecanismos de defesa, da (sua) humana tendência à repetição, da monotonia (no sentido da invariabilidade e ausência de diversidade, mono tonal) muitas vezes mantida pelo sintoma. (...)
(...) O analista interpreta, e o paciente é surpreendido por ser (re)conhecido, ou pela proposta de um nova forma de (se) olhar. E, por vezes, vai ser possível que o ouçamos dizer: “...Que engraçado...nunca tinha pensado nisso...!”

Maria João Regala in “Muda e continua”: reflexões sobre criatividade e disjunção (3º Encontro da Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica - Criatividade)

Salut automne!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Coisas Boas

Matisse - Acrobatic Dancer
 Ou como diria Isabel Abecassis Empis, "Cada um vê o que quer num molho de couves"!

Este corpo que eu odeio

"Eu não gostava de ser tocada, mas era um "não gostar" estranho. Eu não gostava de ser tocada porque ansiava demasiado por disso. Queria que me segurassem com muita força para não partir. Ainda hoje, quando as pessoas se inclinam para me tocar, ou abraçar, ou colocar uma mão no meu ombro, eu sustenho a respiração. Eu viro o rosto. Apetece-me chorar." (Marya Hornbacher in Wasted: A Memoir of Anorexia and Bulimia)

A anorexia é um comportamento muito complexo ponto de vista psicológico. Tem muito a ver com a imagem do corpo, mas não só. Como tanto se fala, a mudança dos padrões estéticos favoreceu o aparecimento de comportamentos deste tipo, contudo, não os explica, porque a problemática é muito mais profunda do que isso.
Com raízes depressivas, esta perturbação do comportamento alimentar que afecta sobretudo o sexo feminino, representa um conflito interno entre o corpo de mulher, um corpo sexuado (devido ao desenvolvimento das características sexuais secundárias na adolescência, como os pelos, o aumento dos seios, a evolução das formas) e o corpo de menina, geralmente idealizado e que a anoréctica tenta preservar.
O comportamento anoréctico assenta na impossibilidade de aceitar que, de repente, nasceu um corpo de mulher e uma condição feminina. Há uma perturbação da sexualidade, tentando através da extrema magreza a anulação de todas as características que representam essa sexualidade (diminuição dos seios, desaparecimento das formas femininas e, no limite, da menstruação, consequência da severa perda de peso nos casos mais graves). O corpo infantil está idealizado e esse corpo infantil dirige “ataques” ao corpo real.
A anorexia não é nunca um comportamento isolado. Associam-se a ela comportamentos maníacos (como a hiperactividade, que surge não só porque a fome actua como um mecanismo excitatório, mas também porque permite manter um desgaste elevado de calorias) ou comportamentos obsessivos (como a limpeza, por exemplo, através da qual inconscientemente se exorcizam as fantasias de sexualidade, encaradas como algo sujo). A questão da perfeição está muito presente na anoréctica, o que explica inclusivamente que esta patologia surja normalmente em jovens aparentemente bem adaptadas, organizadas e, inclusivamente, com sucesso académico ou profissional.
O ódio ao corpo feminino representa, em última análise, um ódio ao corpo materno. Por norma, a relação entre a anoréctica e a mãe é uma relação doente. Aliás, é frequente em intervenções com anorécticas proceder-se, inicialmente, a uma separação da anoréctica do mundo familiar, particularmente da mãe, chamando-se a isso, maternectomia. Em terapia, trabalha-se a separação entre a anoréctica e o objecto materno.
Nesta perturbação, uma das consequências sobre a sexualidade são os estados anorgásticos, ou seja, a anoréctica e, frequentemente, a ex-anoréctica, não obtêm prazer com sua sexualidade. Resolveu-se o problema da imagem do corpo (torna-se possível aceitar o corpo real) mas permanece a má relação com o feminino.
Para tratar mais fundo, a estratégia da “engorda”, por si só, não chega. Quando a jovem se encontra com um peso muito baixo, naturalmente que a primeira fase será para compensar o seu corpo naquilo que ele necessita. Mas o tratamento da anorexia vai muito mais além. Tem de ir.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011