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segunda-feira, 17 de julho de 2017

A Ditadura da Eficiência


Eficiência e eficácia são dois conceitos muito utilizados na gestão de empresas. A eficiência avalia como se faz, pressupõe dinamismo e rapidez. Uma operação é eficiente quando gasta o mínimo de recursos para obter um dado resultado. A eficácia, por sua vez, avalia até que ponto se alcançou o resultado, independentemente da forma como se obteve. Pressupõe durabilidade e qualidade.
Em gestão empresarial, é muito importante que uma empresa seja eficiente, pois consegue produzir a custos inferiores. É natural que, na sua maioria, as empresas procurem também a eficácia, isto é, cumprir objetivos. Assim, para tal, uma das exigências de hoje em gestão empresarial é a contratação de mão-de-obra extremamente qualificada: profissionais com um perfil de competências que permita acompanhar um mundo cada vez mais competitivo. Mas o que acontece quando começamos a aplicar a lógica empresarial à vida de cada um de nós?
É que andamos a olhar a vida como se fosse uma empresa: cada vez mais exigentes com o tempo que demoramos a fazer coisas ou a atingir resultados. Costuma dizer-se que “rápido e bem não há quem” mas tal ditado parece esquecido nas malhas da omnipotência do séc. XXI. Olhamos as pessoas à luz da gestão. É a ditadura da eficiência e a busca da máxima eficácia aplicada à história pessoal de cada um: quantas metas já atingiste e quanto tempo demoraste a chegar? Olhamos uns para os outros de forma competitiva, como se as vidas se avaliassem segundo uma qualquer checklist ou como se nos posicionássemos segundo uma espécie de ranking. Negamos assim a diversidade,  tão fundamental ao equilíbrio das espécies. Esquecemos que é legítimo existirem possibilidades diferentes (e todas válidas) para todas as vidas. Um pouco em todos os contextos pede-se sobretudo eficiência, que sejamos rápidos a resolver situações e/ou a concretizar sonhos. 
Na saúde mental, embora saibamos que o uso de psicofármacos por si só não trata a maioria das patologias muito menos resolve questões de fundo da personalidade de cada um, continuamos a prescrever como forma de tratamento. O objectivo é minimizar os sintomas, de forma rápida: “apagar” a depressão nos adultos e controlar a agitação nas crianças, ainda que não se entenda verdadeiramente o que entristece ou agita as pessoas.

O ser humano é complexo, e complexos são os seus processos. O ser humano demora tempo a formar-se. É preciso tempo para construir projetos consistentes ou desconstruir as dores da vida. O mundo não quer desperdiçar um segundo mas sabemos, felizmente, que há ainda quem nos ensine ou apoie a ser feliz na diferença e/ou a abordar os sonhos devagar, como na fábula da lebre e da tartaruga. Há quem não se submeta à pressão dos números, quem olhe para as pessoas e veja o que elas precisam: e, às vezes, precisam de tempo. Tempo para crescer, tempo para sofrer, tempo para saber, para aprender, para compreender, para ser seja lá o que for.

domingo, 5 de março de 2017

Nós, Os Construtores


Somos construção momento a momento. Somos a soma de tudo o que fazemos, dia após dia, hora após hora. Viver no presente tira-nos por vezes a noção de como chegámos onde chegámos. Como fiquei tão triste? Como ganhei tanto peso? Como construí uma carreira profissional tão sólida? O tempo é um continuum. Todos os dias trabalhamos (ou não) para um fim. Cada ação ou cada inação, cada sacrifício ou cada negligência, cada palavra ou cada silêncio, tudo nos conduz a um lugar.
Quando lutamos por conquistar um determinado sonho ou objetivo, é importante não esquecer isto. Mesmo quando parece que não saímos do mesmo sítio, estamos a caminho. Se trabalhamos regularmente para algo, mesmo nas horas mais paradas, há coisas a acontecer. É o trabalho de bastidores, aquele que nem sempre é valorizado, porque não se vê. É tudo o que acontece a um nível micro, enquanto o nosso olhar se foca no nível macro.
Quando um bebé começa a andar, acumula em si milhares de pequenas experiências invisíveis. Milhares de pequenas conquistas, em que foi adquirindo força, confiança e destreza suficiente para tal. O mesmo acontece quando começa a falar. Dentro de si, o processo de aprendizagem começou no dia em que nasceu. Escutando o outro, processando a linguagem dentro de si, apreendendo o significado das coisas, silenciosamente. Um dia, manifesta-se. Também na prática de yoga acontece trabalharmos uma posição semanas e semanas sem ver evolução. Um dia, damos o salto. Na psicoterapia é igualmente assim que acontece. Trabalhamos, sessão a sessão, para um melhor entendimento de nós mesmos, da nossa vida, do nosso sofrimento. Sabemos que há coisas a mudar mas nem sempre nos parece possível chegar onde gostaríamos. É trabalhoso. Porém, se perseverarmos, um dia, numa determinada circunstância, desabrochamos. Damos por nós, pela primeira vez, a agir (ou reagir) diferentemente. “Nem me reconheço”, pensamos. Foi uma construção lenta, microtransformações acontecendo lentamente cá dentro que conduzem a um resultado só visível mais tarde, quando as condições ideais se reúnem. É a lógica da lagarta que se transforma em borboleta. A diferença é que ela se fecha para o mundo enquanto se dá a metamorfose, enquanto em nós as transformações não passam necessariamente pelo isolamento. Em nós, a transformação parece mais súbita, pois acontece enquanto vivemos as nossas vidas, mas a sua construção começou muito antes da sua manifestação.
É preciso, para isso, ter uma visão a longo prazo. Se procuramos os resultados rápidos, a recompensa imediata, tendemos a desistir. As verdadeiras conquistas demoram. O tempo das transformações sólidas é muitas vezes diferente da nossa urgência. É preciso ter serenidade e confiança no esforço e dedicação. É o trabalho que conduz ao sucesso. 

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Da solidão necessária


A espécie humana é social, gregária, mas é também reflexiva e, nesse aspecto, solitária. Como diz uma professora e colega que estimo, "a vida está nos paradoxos". Porém, tantas vezes parece quase necessário justificar esse lado de quem privilegia estar só/sossegado num mundo que nos entra loucamente pela "porta" dentro todos os dias. Há umas décadas atrás, era diferente. Sabíamos, aceitávamos e não questionávamos que muitos momentos eram bons para se estar só. Hoje, na era das redes sociais e dos "open spaces", o solitário não "existe". Mais, se existe, é desrespeitado. Nem sempre quem se coloca à margem é amado e/ou considerado da mesma forma. Esta é uma questão que apenas faz sentido pensar aqui, neste mundo dito ocidental, onde a acção passou a ser mais valorizada que a contemplação e se esquece, tantas vezes, que a solidão também pode ter muitas vantagens. É no espaço de encontro connosco que podemos "ser", por oposição ao "fazer". E é quando podemos "ser" que nos surgem as melhores criações. É também na ausência que interiorizamos a presença, que aprendemos a guardar as coisas dentro de nós. E sem esses espaços de encontro connosco dificilmente podemos saber estar, verdadeiramente, com o outro.

sábado, 13 de junho de 2015

A pergunta do eterno retorno





      Se pudéssemos repetir a nossa vida tal e qual como ela se desenrolou até hoje, desejaríamos fazê-lo? O sábio Zaratustra, de Nietzsche, vai mais além, e pergunta: “E se um dia ou uma noite um demónio fosse atrás de ti até à tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há-de retornar.” Que sentiríamos?
A ideia de repetir ciclicamente a mesma vida, passando por tudo da mesma exacta maneira, pode funcionar como um exercício importante para questionarmos a direcção e o sentido que temos dado à nossa aparentemente curta existência. Embora uma existência em loop seja, por si só, assustadora, a melhor hipótese seria fazer dela o mais agradável possível. Então, se fosse garantido o nosso eterno regresso, exactamente nos mesmos moldes que na actualidade, até onde estaríamos dispostos a mudar coisas por forma a assegurarmo-nos de uma eternidade feliz? É importante ir questionando se o nosso percurso tem sido fundamentalmente prazeroso ou se é, pelo contrário, insatisfatório, ou mesmo terrível. Quantos de nós amam a sua vida? Ao fazer este balanço, o propósito não é mergulharmos em lamentações quanto ao que já passou mas sim dirigir o olhar para o que ainda pode vir. Amar o seu destino ou, mais adequadamente, criar um destino que sejamos capazes de amar.
Porém, nenhuma transformação positiva pode ter lugar se vivermos exclusivamente agarrados à ideia de que a nossa vida é como é por forças exteriores a nós: azar, má sorte, karma, sina, fado ou destino. A pergunta de Zaratustra obriga-nos a olhar a forma como pensamos as responsabilidades. Percebemos que o perigo de depositar a responsabilidade da nossa caminhada (e/ou da nossa insatisfação) no universo ou em qualquer outro exterior a nós mesmos, é que a situação poderá não sair do impasse. Então, se o demónio de Zaratustra nos condenasse, hoje, ao eterno retorno, continuaríamos no mesmo exacto lugar, estado e formato em que nos encontramos? Sentiríamos contentamento e satisfação em regressar à nossa existência assim como a temos conduzido? Ou seria um sufoco? E se assim for, seríamos passivos ou activos? Quanto tempo mais permaneceríamos no mesmo lugar? Até quando ficaríamos à espera? Até onde aguentaríamos? E se, efectivamente, nada acontecer? Nenhum milagre, nenhuma reviravolta fácil, nenhum chamamento ou insight? E se só nós somos responsáveis pela vida que levamos e pelos pilares que a sustentam? Transformaríamos a nossa vida, perseguindo sonhos, concretizando projectos, assumindo desejos? A liberdade de escolher fazê-lo é nossa. E a responsabilidade de escolher não o fazer, também.
É desconfortável pensar estas questões. É duro sentir este peso da hipótese mais certa: em última análise, os agentes da nossa felicidade e infelicidade somos nós. Que terrível sermos o nosso próprio carrasco. Sim, é desconfortável, mas é, garantidamente, o caminho possível nisto que é o curso da nossa vida. Sem essa consciência, mínima, talvez passemos o tempo que nos sobra à espera de algum milagre. Pode chegar. Ou não. Entretanto, é importante irmos aferindo o que se passa cá dentro. É preciso ouvirmo-nos a nós mesmos, escutar a voz que às vezes soa baixinho e que tantas vezes ignoramos (escondidos na ideia de que não há volta a dar ou no medo de tudo e mais alguma coisa) para que, caso o dito demónio nos obrigue a regressar, a coisa seja o mais simpática possível. E mesmo que não regressemos, mesmo que seja "só" isto, não será igualmente crucial aproveitar o melhor possível?

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Um pouco mais


O melhor do tempo que passa é a transformação que deixa. O melhor de chegar ao fim do ano é sentirmo-nos e sabermo-nos diferentes do seu início. Diferente não é nem melhor, nem pior, nem mais certo, nem mais errado. Não se trata de um juízo de valor nem de uma corrida para chegar a lado nenhum. Diferente é o que é: diferente. É um caminho. Um caminho que se faz, fazendo. Que bom quando cada ano é um pouco mais. Um pouco mais de vida, um pouco mais de mundo. Um pouco mais de história. Um pouco mais de gargalhadas, de encontros, de lágrimas, de despedidas. Um pouco mais de Verão, um pouco mais de Inverno. Um pouco mais de mim, um pouco mais dos outros, um pouco mais de mim nos outros e um pouco mais dos outros em mim. Por vezes um pouco mais de alegria e serenidade, outras vezes um pouco mais de angústia e sofrimento. Seja o que for, é sempre e precisamente o contrário de estagnação. É a constatação do fluxo constante da vida e dos seus vai-e-vens. Obrigado 2014! Que venha 2015!

domingo, 7 de setembro de 2014

Muitos mergulhos e poucas respostas

O Verão, rapazes ― como disse C. Adams ― 
implica uma insistência nos mergulhos
e uma desistência breve das respostas.
Importante é passar a mão pelas escarpas, 
afagar o pescoço das andorinhas do mar,
verificar o oxigénio no tubinho de plástico
que ajuda a respirar na cala azul turquesa
e permitir que o Senhor ressuscite o sangue
dos espadartes todas as manhãs de 29ºC.
Estas são as tarefas que devem ser realizadas

e ― como disse Adams ― bom mesmo é chegar
ao fim da estação sem nenhuma resposta.

― Matilde Campilho, Um coração que mora dentro do olho do jaguar

sábado, 6 de setembro de 2014

Opinião só não muda quem não tem



Não é raro encontrarmos pessoas incapazes de mudar de opinião mesmo quando os factos mostram que estão enganadas. Outras vezes, não é raro observar-se alguma dificuldade em assumi-lo, quando acontece. Há quem lhe chame teimosia. No entanto, não usamos palas como os burros e, assim sendo, não precisamos de olhar só em frente, podendo utilizar a visão periférica para alargar perspectivas. Tristemente, mudar de opinião está muitas vezes associado a incoerência e a falhas de carácter, contrariamente à citação de Mário Quintana que originou o título desta reflexão. É encarado como falta de personalidade. Como se a personalidade não fosse ela mesma construída ao longo do tempo. Como se o certo fosse mantermo-nos rígidos e formatados do princípio ao fim. Como se, desde o nascimento até à morte, a vida não fosse um processo de transformação e evolução constante.
Quantos educaram os seus filhos de uma forma e hoje gostariam de os ter educado de forma diferente? Quantos começaram a sua vida com determinados ideais políticos e hoje pensam de outra forma? Quantos alteraram as suas crenças religiosas com o passar do tempo? Quantos se envolveram em projectos pessoais e desistiram ao perceber que não iriam a lado nenhum? Ainda bem que assim acontece.
Perante evidências de que aquilo em que acreditamos não nos conduz a bom porto ou já não faz sentido, não é inteligente permanecer no engano. Os factos são soberanos e frequentemente chega a hora de revermos até as nossas mais caras convicções. O apego exagerado às ideias faz-nos portadores de mentes endurecidas e cristalizadas. O pensamento é uma função plástica e pobre daquele que fica confinado a uma crença eterna e inquestionável.
 Por vezes, essa mudança de pensamento parece difícil de concretizar. São demasiadas resistências. Do latim resistentia, que significa oposição, obstáculo, reacção ou defesa. De facto, defendemo-nos da maioria das mudanças. Externas e internas. Persistimos com frequência, até porque temos uma certa tendência à repetição. E o familiar é sempre mais confortável que o desconhecido. 
Viver é ter incertezas. Percebemos o quão difícil isto pode ser, pois ao abandonarmos as nossas antigas convicções, perdemos o referencial que sempre nos guiou. E nem sempre dispomos imediatamente de conceitos novos e mais adequados, ou seja, por um tempo, conviveremos com dúvidas. Se isto não me faz mais sentido então qual será o caminho?

Para poder viver em paz com o permanente processo de aprimoramento e mudança é preciso aceitar o convívio com as dúvidas e a angústia que elas causam. E posto isso, felizes os que mudam de ideias, pois questionam o sentido das coisas e pensam sobre o que lhes faz ou não sentido.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Respirar


Não somos máquinas, somos pessoas. É importante poder respirar. Entre tarefas, entre assuntos, entre relações. Num mundo que bate palmas àqueles que vivem em "modo TGV" (que vivem um dia com 24h como se ele tivesse 36h) é difícil fazer crescer esta ideia, mas que fique a semente, pois em solo fértil, germinará. 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Do Outro Lado do Espelho


O que nos mostra afinal um espelho? O espelho reflecte uma imagem, mas o que nós percepcionamos dessa imagem é sempre uma interpretação pessoal e única. Ou seja, a percepção é subjectiva. O “espelho” reflecte aquilo que queremos/conseguimos ver e, por isso, é “mentiroso”. Às vezes mostra algo em excesso, outras, mostra por defeito. Por vezes, entorta o que está direito mas também endireita o que está torto. Assim, quando duas pessoas se encontram em frente a um mesmo espelho, vêem coisas diferentes e avaliam o que vêem de maneira diferente. Como também cada artista aborda de maneira diferente a mesma realidade ou tema na sua obra. Não há duas percepções iguais.
Esta ideia de subjectividade aplica-se não apenas à percepção visual mas também a muitas outras questões que percepcionamos na nossa realidade do dia-a-dia. É válida para a ideia-imagem que fazemos de nós próprios mas também para a ideia-imagem que fazemos dos outros e da vida em geral. Quando fazemos um julgamento sobre nós ou sobre os outros, nunca podemos considerar-nos juízes imparciais. E por isso é perigoso ver as coisas a preto ou branco. Pouca coisa será verdade absoluta no mundo e particularmente nas relações entre as pessoas onde cada um pensa e interpreta as situações consoante as suas “lentes”. Em última análise, o que é isso da realidade senão a nossa interpretação? Quantas vezes nos apercebemos de que a nossa visão das coisas difere daquilo que os outros pensam? Até as noções de certo ou errado são referenciais que variam muito de pessoa para pessoa. Na verdade, dificilmente podemos pretender ver a realidade nua e crua, livre de leituras subjectivas, de opiniões intoxicadas ou de lentes embaciadas.

Porém, o que faz de nós quem somos reside também nessa visão única que temos do mundo e das coisas. É dessa riqueza que nasce ao vermos o mundo de forma diferente que se faz a massa humana. É por pensarmos todos de forma diferente que nascem as mais belas ideias. Podemos não ser capazes de apreender a realidade tal e qual como ela é mas ter esta consciência torna-nos mais livres para poder um dia ver as coisas de outra perspectiva, para espreitar por detrás do espelho e procurar se lá se esconde uma outra verdade. Torna-nos também capazes da grande faculdade de ouvir os outros, de aceitar outras realidades e outros sentires. De valorizar aquilo que, apesar de nos ser estranho, até pode fazer sentido. Do outro lado do espelho, para lá daquilo que vemos, está então aquilo que nem sempre conseguimos ver: um mundo inteiro de outras possibilidades à nossa espera.

terça-feira, 18 de março de 2014

Fugas

Abandona o bulício urbano por um dia que seja. Repara como longe do ruído é mais fácil escutar o que diz a tua alma. Todos os dias a voz cá dentro tenta dar-nos recados que não ouvimos. 

- Fala agora. Tenho tempo e não há barulho. Estou aqui.

Abandona o bulício urbano por um dia que seja e, de preferência, escolhe um local onde o teu olhar se possa espraiar. Contempla. 

- O que vês?
- Possibilidades infinitas.




segunda-feira, 10 de março de 2014

Penso, logo Existo

Le Penseur - Auguste Rodin
 “Penso, logo existo”, disse Descartes. O pensamento será talvez a função mais distintiva da espécie humana. O acto de pensar é o que nos confere existência, pois mesmo quando impedidos de falar ou agir, a possibilidade do pensamento ainda nos salvaguarda uma identidade e uma mente que funciona produtivamente. Assim, em primeiro lugar, a capacidade de pensar implica que sabemos mais ou menos quem somos, ou pelo menos, que estamos a caminho da nossa verdade. O que pode ser assustador. Pensar sobre as coisas (as nossas, as dos outros, as boas, as más, as que já foram e as que estão por vir) conduz-nos por vezes a caminhos de dúvida, sofrimento e angústia. Pensar implica também suportar algumas questões que ficam e ficarão sempre sem resposta.

Entre nós, seres humanos, uns seremos possuidores de uma personalidade mais analítica, utilizando a função do pensamento sem hesitar, enquanto outros não pensam muito ou não pensam de todo, quer porque não conseguem ou porque simplesmente não querem. São pessoas que preferem levar a sua vida sem questionar muito os “porquês” e os “comos”. É que viver praticando a análise de nós mesmos, dos outros e do que nos envolve, é um processo simultaneamente gratificante e frustrante. E embora seja o único caminho que produz expansão e evolução, para alguns a ansiedade que a reflexão despoleta é absolutamente insuportável.
Mas atenção: há uma confusão frequente entre pensamento e ruminação. Pensamento não significa perder dias a ruminar no mesmo assunto, em loop mental e sem sair do mesmo sítio. Pensamento é tentar procurar outra compreensão, ver de outra forma. Pensar é questionar, é algo criador e transformador, um processo que permite andar para a frente em vez de ficar estagnado no mesmo lugar. Mas por vezes, o que dói é precisamente sair desse local tão familiar e pôr em causa tudo aquilo que era dado como adquirido. Recordamos Florbela Espanca que, no seu poema Rústica, dá voz a um desejo quase infantil de poder ser uma mulher de pensamento mais simples e de alegrias banais: “Ser a moça mais linda do povoado./ Pisar, sempre contente, o mesmo trilho(…) Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!/ Dou por elas meu trono de Princesa,/ E todos os meus Reinos de Ansiedade.” Pisar todos os dias o mesmo trilho, sem grandes preocupações, podendo encontrar nessa rotina mecânica a tranquilidade e a satisfação, era o que desejava Florbela. Porém, pese embora os seus “reinos de ansiedade”, Florbela teria, em simultâneo, noção da “pobreza” desta existência.
Se para uns é suficiente comer, trabalhar e dormir, para outros pensar é uma função incontornável. Queiramos ou não, somos dotados de um “aparelho de pensar” e se essa função foi estimulada durante o nosso desenvolvimento, dificilmente podemos fugir da consciência que em nós cresceu e habita. Por outro lado, a verdade é que fugir do acto de pensar não é melhor solução. É como se, cá dentro, soubéssemos intuitivamente certas coisas que não queremos reconhecer. E assim, mesmo não pensando de forma consciente, deliberadamente, a verdade encontra forma (por vezes mais violenta) de irromper pela nossa vida, muitas vezes abrindo caminho pelo adoecer do corpo. Porque pensar é procurar a verdade. E a verdade, por mais que doa, vem sempre ao de cima. 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Experiência


Student: "What do I do to become wise?"
Guru: "Make good choices"
Student: "How do I make good choices?"
Guru: "Experience"
Student: "How do I get experience?"

Guru: "Bad choices"

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Reflexão de Fim de Ano

§  Este ano termina e estou mais apaixonada pela vida. Tinha conhecimento que vivíamos um momento de expansão da consciência mas saber é diferente de sentir. Só a experiência dá vida aos conceitos.

§  Não sei como será para o ano porque uma das coisas que me atingiu como um raio foi a noção de IMPERMANÊNCIA, de tudo aquilo que é hoje e que amanhã deixa de ser. Isto traz-nos ao momento presente, que se torna mais puro e melhor vivido ao conseguirmos um maior desprendimento do passado (o que doía ontem já não dói hoje) e maior confiança no futuro (o que dói hoje não irá doer amanhã). Tudo passa. A energia que desperdiçamos na angústia com aquilo que já lá vai e com aquilo que há-de vir é demasiada e faz muita falta para vivermos bem o presente. Como o nome indica, o presente é o momento de estarmos PRESENTES.

§  Essa impermanência das coisas leva-nos à constatação de que o que parece mau nem sempre é mau e de que o que parece bom nem sempre é bom. Sou levada a crer que a nossa existência talvez pressuponha realmente ser-se feliz enquanto cá estamos. Dizem por aí às vezes que a vida é feita para sofrer mas parece-me mais que o sofrimento é uma opção, ou seja, que depende da perspectiva do observador. No quotidiano, está a tornar-se mais fácil ver o lado bom das coisas aparentemente más e, por incrível que pareça, quanto mais se pratica isto mais faz sentido. Penso que a esta tendência para nos pacificarmos perante os obstáculos se pode chamar ACEITAÇÃO. Será tanto mais fácil quanto maior a confiança de que por trás de uma complicação pode estar uma bênção.

§   A aceitação anda de mãos dadas com a REFLEXÃO, porque para aceitar tenho que perceber que sou altamente responsável pelo que me acontece, e com a GRATIDÃO, pois se eu aceito que coisas menos boas me acontecem e que muitas vezes essas coisas são indicadoras de que algo melhor está a caminho, torno-me uma pessoa mais grata por tudo o que gira em meu redor. O inverso disto será praguejar, culpar os outros ou sentir-me uma vítima do Universo e creio que este é um terreno pantanoso de onde dificilmente se sai. 

§  A aceitação, a reflexão e a gratidão só podem germinar num pensamento FLEXÍVEL, capaz de questionar o mundo (interno e externo) e de aceitar perspectivas divergentes e hipóteses que nos ultrapassem. Flexibilidade dos conceitos e das ideias. Certezas absolutas são para deitar fora. Conviver com a dúvida é fundamental (já que a impermanência existe) e para isso precisamos de ser plásticos. A rigidez torna-nos duros, por vezes implacáveis, connosco e com os outros.

§   A flexibilidade ajuda-nos a ver as coisas como um FLUXO contínuo, não dicotomizando nem polarizando (bom e mau, certo e errado, feliz e infeliz, passado e futuro). Essa perspectiva permite-nos maior capacidade de integração das partes no todo. Todo o passado conduz ao presente e ao futuro. Tudo o que faço hoje se reflecte amanhã. Tudo o que dou agora receberei depois (e tudo o que não dou naturalmente não receberei). Todo o meu passado me conduziu à pessoa que sou e me encaminha para a pessoa que serei. A existência é um continuum.

§  Se o Universo funciona num continuum podemos dizer que, enquanto indivíduos, estamos todos ligados. É por isso que a UNIÃO e a COOPERAÇÃO devem prevalecer sobre a competição. Porque todos juntos temos mais força do que separados. Esta UNIÃO só pode acontecer se não se basear na dependência. Para haver verdadeira cooperação todos os indivíduos devem possuir AUTONOMIA (fundamentalmente emocional pois o resto vem por acréscimo). Caso contrário, uns sugam os outros e numa relação parasita/hospedeiro nada se cria, tudo se consome.

§  Para além da questão da força/energia colectiva, importa pensar que se estamos todos ligados aquilo que eu sou e que eu faço influencia aqueles que se relacionam comigo. Temos uma esfera de influência em nosso redor e essa consciência traz-nos RESPONSABILIDADE. Essa responsabilidade não é só para com seres humanos mas também para com os ANIMAIS e com o PLANETA, a quem também estamos ligados. Ter noção de que o chão que pisamos é responsabilidade nossa é cada vez mais fundamental.

§  Como a LIBERDADE é um pilar da nossa existência (o outro será o AMOR) é preciso aceitar que há quem não respeite nada disto. O que nos conduz à ideia de que, sobre estes e outros assuntos, por mais que gostássemos que os outros mudassem não nos compete a nós interferir na vida alheia. Há uma certa omnipotência subjacente a isto. A única e a melhor forma de produzir mudança, é sermos nós a mudar. Para que através da nossa esfera de influência possamos, talvez, provocar alguma transformação. Pelo exemplo (amor) e não pela crítica/castigo (guerra).


§   Obrigado a todos aqueles que eu amo e que me amam (cada vez mais e melhor), que enriqueceram o meu ano e que fizeram de mim uma pessoa mais atenta, mais grata, mais genuína, mais afectuosa e mais presente, com o vosso exemplo e amor! Muita Paz, muita Luz, Saúde e Amor. Feliz 2014!

domingo, 6 de janeiro de 2013

Bom ano!


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro,
tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você
que o Ano Novo cochila
e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade