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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Vínculos


Nos anos 50, John Bowlby efetuou um trabalho muito importante no estudo das ligações humanas, desenvolvendo a Teoria da Vinculação. Mais tarde, durante a década de 70, Mary Ainsworth expandiu o trabalho de Bowlby, estudando as reações a uma separação curta entre crianças (dos 12-18 meses ) e suas mães, e relacionando essas reações com o tipo de ligação existente entre ambos. Abstraíram-se desta experiência três tipos básicos de vinculação bebé-mãe e suas consequências.
Então, o mais adaptativo tem o nome de vinculação segura, um estilo relacional em que a criança se relaciona com a mãe com segurança (e vice-versa), e com essa confiança mútua a criança torna-se capaz de explorar o meio ativamente. Chora pouco na presença da mãe mas nos momentos de separação mostra-se naturalmente perturbada (e não é reconfortada por outras pessoas). Nos reencontros com a mãe, a criança saúda-a efusivamente e procura o contacto com ela. Existe equilíbrio entre os comportamentos de ligação à mãe e de exploração do mundo envolvente. Depois, há a vinculação insegura ambivalente, em que a criança permanece muito juntinho da mãe, aparenta ansiedade e explora pouco o meio envolvente. Nos momentos de separação mostra-se muito perturbada e nos reencontros com a mãe o comportamento da criança pode alternar entre tentativas de contacto e sinais de rejeição (empurrar, pontapés). Após esse reencontro a criança fica vigilante e talvez se aproxime ainda mais, logo, os comportamentos de vinculação predominam face aos comportamentos exploratórios. Por último, a vinculação insegura evitante, onde a criança, defensivamente, “faz de conta que não se importa”. Permanece mais ou menos indiferente quanto à proximidade da mãe e entrega-se à exploração do meio. Na ausência da mãe a criança pode chorar ou não, e nos reencontros desvia o olhar e evita o contacto com ela. Os comportamentos exploratórios prevalecem face aos comportamentos de vinculação. Mais tarde veio a acrescentar-se um quarto tipo, vinculação desorganizada, em que o comportamento da criança é confuso e parece não ter um objetivo claro ou explicação.
O tipo de vinculação que se estabelece entre uma criança e a figura materna é um fenómeno complexo mas realçam-se, como fatores facilitadores de uma vinculação segura: a disponibilidade emocional para esse encontro amoroso, empático, intuindo e respondendo adequadamente às necessidades afetivas do bebé, i.e., estar com ele psicologicamente, mesmo no sofrimento, ir dando voz às suas sensações e aguardando em conjunto o fim do mal-estar; destaca-se a importância da previsibilidade, i.e., de a criança saber com o que pode contar por parte da mãe; destaca-se a importância do toque, da forma segura e amorosa como se pega o bebé, bem como o respeito de o deixar estar quando ele de nada precisa. Uma vinculação segura na infância será atualizada pela vida fora, providenciando relações saudáveis, com base na confiabilidade, que nos permitem viver com o outro e ao mesmo tempo partir à descoberta de nós e do mundo.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Em Fuga


Quando pressentimos que dentro de nós existe um buraco temos medo de cair nele. Chamemos-lhe “o lado depressivo da personalidade”, um lugar escuro e triste, que nem sempre conseguimos justificar logicamente mas que nos suga a energia e nos deixa num estado de espírito terrível, por vezes até incapazes de reagir, de viver. O medo da depressão existe em todos nós, desde que em algum momento conhecemos de perto estados de desânimo profundo e conseguimos fantasiar o que será viver nesse lugar.
O medo da depressão (ou dos estados mais depressivos) leva-nos tantas vezes a uma fuga para a frente: viajando, trabalhando ou exercitando o corpo de forma compulsiva, ou de forma mais perigosa, pelo abuso de substâncias (drogas, álcool), sexualidade exacerbada, compulsão alimentar, etc. Esses caminhos por onde o medo nos conduz não representam necessariamente escolhas conscientes, ou seja, é quase automático este gesto de evitamento da dor interna e consequente busca do prazer, ainda que efémero ou ilusório. O medo da depressão é o medo de um buraco sem fundo. Mas fugir, evitar, ou negar esse buraco é mais prejudicial do que cair nele, e mesmo batendo de rabo no chão (pois ele tem, sim, fundo) explorá-lo e encontrar maneira de sair ou de viver com ele.
Fugimos da depressão, dor da perda, quando, por exemplo, depois de um divórcio nos negamos a chorar ou a encontrar-nos a sós com a nossa solidão e entramos imediatamente numa nova relação. Fugimos tantas vezes quando nos morre alguém chegado; a dor é funda e temos medo, não queremos senti-la. Fugimos quando não conseguimos estar parados ou sozinhos, evitando ficar a sós com a nossa cabeça. Os casos serão infinitos mas não é preciso um evento externo ou uma causa lógica para sentirmos a presença silenciosa de um qualquer sofrimento. Talvez o maior medo surja mesmo das dores cujas origens não identificamos; daquele sofrimento ou insatisfação permanente que nem entendemos bem de onde vem mas que está lá, à espera que olhemos para ele. Fugimos dessa dor desconhecida, cujas raízes são, frequentemente, antigas e profundas, vivendo refugiados em estratégias que nos permitem andar para a frente, mas sem a coragem de querer perceber o que é isso que nos come por dentro.
Porém, as emoções mais difíceis estão à espreita, e querendo nós olhar ou não para elas, elas olharão para nós. Fitam-nos, particularmente nas horas mais escuras, e talvez seja necessário olhar para elas de frente, e perguntar-lhes “quem és tu e o que queres de mim?”. O conhecimento pode ser assustador, mas o desconhecido é mais. O conhecimento é um processo muito poderoso, porque o medo da dor é sempre pior que a dor em si. O medo vive da imaginação e não tem fim; a dor vive do real e quanto mais intimamente a conhecermos, melhor viveremos com ela, ou apesar dela.  

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Acção e Contemplação


Há pessoas que são como cascatas. Atiram-se ao mundo, fazem barulho, e exteriorizam muito. A sua energia está mais dirigida para fora do que para dentro. São pessoas extremamente comunicativas e activas, que expressam com facilidade as suas opiniões e tentam impor suas ideias. São vivaças, ruidosas, expansivas. Fazem propaganda com facilidade. Outras pessoas são como serenos ribeiros. Apresentam uma intensidade diferente na forma de estar e de viver. São minimamente sociáveis mas gostam mais de ouvir do que falar. São mais contidas e mais introspectivas. Não buscam aparecer. Todo o seu corpo fala mais baixinho. Podemos dizer que o primeiro tipo tende mais para a acção, e o segundo, para a contemplação.
Vendo por outro prisma, do lado mais expansivo há, por vezes, o perigo de carência de vida interior, de profundidade e de capacidade de pensar. A pessoa pode agir demais e elaborar pouco, adquirindo pouca consciência de si. Ao querer impor-se demasiado nem sempre escuta o outro e o mundo. Do outro lado, mais recatado, há o perigo de nos tornarmos um poço de águas paradas, há o risco de estagnação. O excesso de introversão pode resvalar para a ruminação ou para o isolamento. Podem mesmo existir sérias dificuldades de expressão e, consequentemente, de afirmação e de capacidade de criar (pela acção).
Contudo, uma vez que na actualidade o agir predomina sobre o contemplar, a falta de reflexividade é o risco mais iminente. A maioria das pessoas, engolidas por um mundo de solicitações constantes do exterior, têm pouco tempo, espaço e disponibilidade para olhar para dentro.  Muitos, principalmente nas gerações mais novas, já não são educados para isso nem sabem como fazê-lo. No entanto, é fundamental serenar para ganhar perspectiva das coisas. De nós e da vida que levamos. Pede-se hoje iniciativa, empreendedorismo, mas o agir sem reflexão prévia não será o melhor caminho. É sempre preciso desconfundir acção e impulso para não embarcarmos numa "fuga para a frente", ou seja, num agir para não pensar.
Por isso, é importante abandonar o bulício urbano por um dia que seja. Encontrar um porto de abrigo e reparar como longe do ruído é mais fácil ganhar visão e escutar o que diz a alma. O objectivo não é permanecer na contemplação, mas sim utilizá-la como trampolim para a acção, uma acção mais verdadeira. Dentro de nós há sempre um anseio pelo equilíbrio. Queremos dar e receber, comunicar e compreender, conseguir agir, poder sentir e saber pensar. Precisamos de uma vida interior rica mas ao mesmo tempo queremos ser capazes de realizar algo que outras pessoas possam reconhecer e receber. Passar a vida a agir sem pensar ou passar vida a pensar sem agir são os dois extremos que devemos, a todo custo, evitar.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O sentido da vida


Não gostamos de falar sobre a morte. Nem sequer de pensar sobre a morte. Também não parece muito confortável ler sobre a morte. Se calhar, depois de a palavra morte surgir tantas vezes, sem eufemismos, muitos interromperão, já aqui, a sua leitura. Quem ama a vida, sofre quando pensa na morte. E teme-a, dada a sua inevitabilidade.
Ganhamos, desde cedo, consciência do fim da vida. Essa consciência conduz-nos a um tipo de angústia muito particular, a angústia existencial, que embora surja logo na infância, se torna mais pensada (logo, mais sentida) a partir da adolescência. À volta desta angústia nascem questões que, com maior ou menor frequência, todos já colocámos: O que há depois da morte? Qual o sentido da vida? Existe Deus? Será, a alma, imortal?
Como lidamos nós com a certeza da nossa finitude?
Para quem, através da fé religiosa, encontra as suas respostas para estas perguntas, torna-se mais fácil viver sem grandes problemas existenciais. É uma forma de dar um sentido à nossa existência e que nos garante o reencontro das almas mesmo depois do adeus.
Para quem estas perguntas ficam sem resposta, para os que não encontram aqui a serenidade necessária, são adoptadas outras maneiras de seguir em frente (sabendo que seguir em frente significa seguir em direcção à morte). Perante a angústia existencial, encontramos um mecanismo de defesa psicológico chamado evitamento, que nos ajuda a “esconder” de nós próprios os nossos maiores receios (e outras emoções). É útil, caso contrário, estaríamos todos mais ocupados a questionar a fragilidade da vida do que a vivê-la. Na sua vertente mais patológica, o mecanismo do evitamento pode assumir a forma de delírio. Aí, quando a dificuldade de pensar a morte se mascara de indiferença ou até de omnipotência, tendemos a “desafiá-la” inconscientemente e, à custa disso, podemos encontrá-la mais cedo.
O mecanismo de evitamento mais saudável é de outra qualidade, é a resignação/aceitação. A maioria de nós apaga a consciência da morte enquanto se entretém com as tarefas da vida. Percebemos que a melhor forma de não temer a morte é dar sentido à vida. É aproveitá-la. É amar e ser amado, crescer, criar vínculos e/ou descendência, produzir obra e deixar um legado. Temos a liberdade de escolher que sentido dar à nossa vida, contudo, de tudo o que podemos escolher, que seja uma escolha de amor. É pelo amor que melhor se ultrapassa a angústia existencial. Pelo estabelecimento de relações significativas e criativas. O amor por nós e pelo outro é o espelho do amor pela vida (que é, no fim de contas, feita da soma de nós e dos outros).

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Pedrinha (Da televisão)


A violência na televisão não transforma uma criança saudável num menino mau. E não acho que sejamos sérios se ilibarmos os pais – cujas relações são (muitas vezes) um reality show interminável – (…)

A televisão estimula o conhecimento, e só faz mal se se tiverem com ela comportamentos obesos, ou se se transformar no antidepressivo ou no ansiolítico mais à mão. E faz ainda, mal quando se transfigura num afrodisíaco ou serve de substituto às dores de cabeça a que duas pessoas (que não se toleram) recorrem, sempre que se evitam uma à outra.

A televisão faz mal sempre que esperamos que esta seja a baby-sitter das crianças ou o animal de estimação dos pais (que se liga, logo que se chega a casa, para tornar mais suportável um silêncio que os convida a pensar). A televisão faz mal sempre que se fala nas horas que as crianças passam diante do televisor, enquanto os pais se empanturram com telenovelas. A televisão faz mal sempre que a cada pessoa de uma família, corresponde uma televisão e, em função disso, cada uma se barrica autisticamente no seu quarto, ou troca uma boa conversa, ao jantar, pela companhia de mais um programa de humor.


Eduardo Sá (in Tudo o que o amor não é)

quarta-feira, 9 de março de 2011

Excerto

Ou Dor Agida (a Mania como mecanismo de negação e evitamento da dor psíquica)

Sentia-me à vontade em tudo, isso é verdade, mas ao mesmo tempo nada me satisfazia. Cada alegria fazia-me desejar outra. Ia de festa em festa. Acontecia-me dançar noites a fio, cada vez mais louco com os seres e com a vida. Por vezes, já bastante tarde, nessas noites em que a dança, o álcool leve, o meu desenfreamento, o violento abandono de cada qual, me lançavam para um arroubo ao mesmo tempo lasso e pleno, parecia-me, no extremo da fadiga e no lapso de um segundo, compreender, enfim, o segredo dos seres e do mundo. Mas a fadiga desaparecia no dia seguinte e, com ela, o segredo; e eu atirava-me outra vez.

Albert Camus, in "A Queda"