quarta-feira, 18 de março de 2015

Handling


É pelo toque do outro que conhecemos o nosso corpo. Pela ponta dos seus dedos. É nos contornos do corpo do outro que conhecemos os nossos contornos. Dentro do seu abraço. Tudo assim começa e depois assim continua porque o conhecimento não se basta a si mesmo e precisa de ser reforçado em novos e outros re-conhecimentos, em outros toques e outros abraços, que nos marquem a pele e assim nos recordem que somos um todo e que estamos aqui. Sentimo-nos na relação com o outro e mais precisamente na relação com o seu sentir. Se o outro não nos sentir, não conta. Sem isso, na falta desse ‘handling’ (como lhe chama Winnicott), sobra-nos um corpo desconhecido, ou mesmo traumatizado (se, para além ou no lugar da privação, o nosso corpo sofrer outros embates). Não é um estranho que habita em nós mas somos, sim, nós, que habitamos um estranho. O corpo torna-se matéria, desligado da mente e dos afectos; torna-se um meio de transporte, desintegrado, desinvestido e descontrolado; clivado e posto fora do lugar onde pertence — não é mais nosso. Torna-se fonte de mal-estar, de dores várias e que nos são alheias, que não entendemos, pois ele já não mais nos diz respeito. Não pertence a ninguém. Não é nosso e também já não pode ser oferecido ao outro. O toque pode até começar a queimar. E ele, corpo, que nasceu organismo vivo e vibrante, ponte entre nós e o universo, é agora só um pedaço de carne onde habita uma alma ou onde, se calhar, já não habita coisa nenhuma. 

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