I)
— “Conformei-me”,
disse-me.
Quando o conheci, parecia condenado. No
rosto, a ausência de esperança, na alma, a incapacidade de se afirmar senhor do
seu destino. Como mente bem, o Homem. Como se engana a si mesmo.
Como se defende e se justifica perante si próprio, como se ilude e finta o
julgamento que faz de si todas as noites. Como tenta não se olhar de frente no
espelho quando receia reconhecer ali os seus medos e incapacidades. Como quer esconder da sua alma que não foi
capaz de lutar por ela. Dói, o remorso. Dói, a impotência. Dói, o medo. Mas, no
íntimo mais íntimo de nós, sabemos.
— Conformaste-te
ou tens medo?
— Tenho medo. Eu
tentei mas era sempre tão difícil. Fui desistindo. Eu sonhava mas deixei de
sonhar. Conformei-me.
— O medo fez com que te conformasses e por te conformares abriste
caminho ao medo. O medo come tudo. Foi precisamente isso que te enfraqueceu. A
incapacidade de “continuar a ser”.
Por cada momento em que
nos falha a possibilidade de “ser” ou a coragem de “continuar a ser” matamos um
pedaço de nós. Ficamos mais frágeis e mais perdidos a cada “derrota” percebida.
E a cada batalha que recuamos, sabemos menos quem somos.
II)
— “Não sei porque me acomodei, disse-me.
A história repete-se. Quando a conheci era uma mulher, sobretudo, confusa. Não tinha ainda consciência
de que tinha deixado, há demasiado tempo, de ser feliz.
— Tu sentias mas acho que só agora consegues pensar sobre isso.
— Sim, eu já sabia. Eu sentia-me só mas não quis ver. E isso
deixa-me zangada. Comigo.
— Por cada pensamento
reprimido, por cada discussão adiada, por cada zanga amordaçada, por cada grito
silenciado, é um pedaço de ti que matas. Foi precisamente isso que te
enfraqueceu. A incapacidade de “continuar a ser”.
III)
Duas vidas. Várias vidas. O mesmo dia. O mesmo medo. O
medo de se permitir ser pessoa inteira. Como se faz? Por onde se vai? Então lembro-me do Alexandre O’Neill,
que sabia destas coisas do medo, companheiro da condição humana, e
contava, em parte, assim:
(…)
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos (…)
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos (…)
IV) Ou não.
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