quarta-feira, 1 de julho de 2015

O Viver Criativo


Uma flor pode ser apenas uma flor ou pode ser uma flor que eu decidi usar para um fim qualquer. Por isso, essa flor destaca-se de todas as outras e eu crio uma relação com ela diferente de todas as outras. Num certo sentido, eu “criei” aquela flor (naquilo que ela representa para mim e que não representa para mais ninguém). Ela torna-se símbolo de algo. Ficará embebida numa emoção, numa memória, num pensamento ou sensação. Sobre a sua rosa, dizia o principezinho às outras rosas: “Claro que para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas porque foi a ela que eu reguei.” Isto é a atribuição de subjectividade ao mundo objectivo e chamamos-lhe o “viver criativo”. Ou, de uma forma mais simples, o brincar.
Há esta ligação a preservar, entre a vida objectiva (a realidade compartilhada) e a nossa vida subjectiva (a minha leitura da realidade). O grito de uma gaivota pode ser (e é) apenas o grito de um gaivota, aquele grito ouvido no mesmo preciso momento por uma centena de pessoas, mas é também, para mim e só para mim, o trampolim para emoções, memórias, pensamentos e sensações; passadas, presentes ou futuras. Talvez, então, aquilo que mais dá significado à nossa vida seja essa arte do “viver criativo”, “brincando” com uma flor, o grito de uma gaivota ou uma pedra no caminho. É o dom de transformar um mundo que já existe. Transformá-lo, na perspectiva em que uma coisa passa a significar outra coisa, simultaneamente objectiva e subjectiva: muito mais rica de simbolismo e de substância.
Quando a vida é demasiado concreta, falta significado às coisas. Falta viver criativamente. Reinventar o mundo e, através disso, reinventarmo-nos. O viver criativo cresce em nós, desde pequenos, se temos a possibilidade de brincar. Quando brincamos, nada é o que é: um mata-moscas pode ser uma arma, uma formiga pode ser um soldado, um caldo de folhas e flores pode ser uma sopa. Nesse espaço transicional entre o que é e o que pode ser, vive-se criativamente. E essa arte permanece por toda a vida.
O viver criativo é a poesia do quotidiano. É abrir os olhos para o estético e para o sensível e deixá-lo ligar-se ao concreto. É também e ainda, possibilidades sem fim. É expansão pois, no limite, nada jamais se repetirá: chegamos ao mais importante, todas as relações de amor podem ser diferentes todos os dias. Viver criativamente é perceber essa potencialidade em todas as coisas. E na nossa experiência, na nossa interioridade, nada será apenas aquilo que é, mas será sempre uma espaço de transição entre o que é e o que pode ser. E que seja um lugar onde fomos, ou poderemos ainda ser, mais felizes. 

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