Nos
Estados Unidos surgiu um termo muito curioso: helicopter parenting (isto
é, “parentalidade helicóptero”). Como o nome indica, os pais helicóptero
sobrevoam a vida dos seus filhos. É um comportamento de busca e vigilância
sistemática e acontece geralmente sob o pretexto de querer proteger as
crianças. Porém, a hiperprotecção é apenas um pretexto que nasce das angústias
parentais, que assim são ilusoriamente acalmadas através do controlo. Na
verdade, controlo e hiperprotecção são uma e a mesma coisa.
Há
quem tente controlar a vida dos filhos ao longo de todo o seu desenvolvimento. Interferem
frequentemente na resolução de problemas dos filhos sem que estes o peçam, seja
na creche, na faculdade ou no trabalho. Indignam-se por eles, pensam por eles,
falam por eles, agem por eles, decidem por eles. Interferem no tipo de
brincadeiras que as crianças têm, na forma como o professor ensina, nos
trabalhos de casa, verificam-lhes as mochilas e a caligrafia, escolhem-lhes a
roupa, telefonam-lhes quatro vezes ao dia, vigiam-lhes os amigos, os namoros e
quem sabe os namoros dos amigos. Em casa, desde cedo, substituem-nos nas
tarefas mais básicas: arrumar o quarto, fazer a cama, colocar a loiça suja na
máquina e até apanhar a roupa suja do chão. Justificam-no dizendo que quando
são os pais a fazer, fica melhor feito, ou achando que os filhos são demasiado
pequenos para ajudar. Mas mais tarde, continuam a fazê-lo; ou porque já tarde
demais para introduzir hábitos que deveriam ter sido enraizados mais cedo, ou
simplesmente porque a necessidade de controlar leva-os a substituir os outros
nas suas tarefas. É que encontramos pais helicópteros com filhos pequenos mas
também com filhos universitários/adultos. Ou seja, se os filhos deixarem, isto
não acaba — pode
durar toda uma vida. Os pais helicóptero relacionam-se com eles esmiuçando e
comandando o seu quotidiano como se tivessem cinco anos: "Já almoçaste?",
"Já ligaste ao teu padrinho?", "Queres que te acorde
amanhã?", "Quando é que tens aquela reunião?", "Já te
marquei dentista". Os pais helicóptero fazem-se presentes a toda a hora.
Estar
atento e presente na vida dos nossos, é fundamental, mas é outra coisa. Estar
atento/presente é conversar, orientar através das perguntas necessárias e
escutar com abertura. É proporcionar estrutura, fornecer regras de
funcionamento, algumas inflexíveis e outras mais flexíveis. Controlar é de
outra natureza, vem do âmbito da intrusão e do autoritarismo, significa que as
crianças/jovens ficam sem espaço de manobra para pensar/viver responsavelmente
as suas próprias experiências e suas consequências.
Dentro
de certos limites, há uma margem que é das crianças e dos jovens, da sua
liberdade, e do fluxo da vida. Quando assim não é, estamos a ensinar às
crianças que elas precisam de quem faça por elas porque, sozinhas, não sabem
como fazer ou resolver. Dizemos-lhes que não sabem viver sem nós (e que não
precisam de crescer porque estamos aqui). Estamos a impedi-las de tomar
decisões, de se sentirem competentes, ou então, de errar e aprender com isso.
Estamos a impedi-las de experimentar coisas e de encontrar limites, para se conhecerem
melhor. Estamos a impedi-las de criar a consciência de que fazem parte de um
sistema e de aprender que nem tudo gira à sua volta (e que não estaremos sempre
por cima das suas cabeças). Estamos a criar filhos dependentes, pois toda a sua
vida é um conjunto de sobreposições, imposições e diretrizes. A
“hiperprotecção” das crianças não é coisa boa, boicota o desenvolvimento e
prejudica a autonomização. Amar o outro, mais do que impedi-lo de sofrer, é
dar-lhe as regras básicas e deixá-lo viver e fazer escolhas. O controlo é uma
ilusão. A vida é imprevisível e é uma omnipotência achar que sabemos sempre o
que é bom para os outros. Deixemos os “nossos” caminhar pelos seus pés.
Deixemos que a individuação de cada um se concretize, estando cá para o que for
preciso (e possível) e vivamos também nós as nossas vidas, ao invés de viver a
vida dos outros.
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