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sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Por Cima das Vossas Cabeças


Nos Estados Unidos surgiu um termo muito curioso: helicopter parenting (isto é, “parentalidade helicóptero”). Como o nome indica, os pais helicóptero sobrevoam a vida dos seus filhos. É um comportamento de busca e vigilância sistemática e acontece geralmente sob o pretexto de querer proteger as crianças. Porém, a hiperprotecção é apenas um pretexto que nasce das angústias parentais, que assim são ilusoriamente acalmadas através do controlo. Na verdade, controlo e hiperprotecção são uma e a mesma coisa. 
Há quem tente controlar a vida dos filhos ao longo de todo o seu desenvolvimento. Interferem frequentemente na resolução de problemas dos filhos sem que estes o peçam, seja na creche, na faculdade ou no trabalho. Indignam-se por eles, pensam por eles, falam por eles, agem por eles, decidem por eles. Interferem no tipo de brincadeiras que as crianças têm, na forma como o professor ensina, nos trabalhos de casa, verificam-lhes as mochilas e a caligrafia, escolhem-lhes a roupa, telefonam-lhes quatro vezes ao dia, vigiam-lhes os amigos, os namoros e quem sabe os namoros dos amigos. Em casa, desde cedo, substituem-nos nas tarefas mais básicas: arrumar o quarto, fazer a cama, colocar a loiça suja na máquina e até apanhar a roupa suja do chão. Justificam-no dizendo que quando são os pais a fazer, fica melhor feito, ou achando que os filhos são demasiado pequenos para ajudar. Mas mais tarde, continuam a fazê-lo; ou porque já tarde demais para introduzir hábitos que deveriam ter sido enraizados mais cedo, ou simplesmente porque a necessidade de controlar leva-os a substituir os outros nas suas tarefas. É que encontramos pais helicópteros com filhos pequenos mas também com filhos universitários/adultos. Ou seja, se os filhos deixarem, isto não acaba pode durar toda uma vida. Os pais helicóptero relacionam-se com eles esmiuçando e comandando o seu quotidiano como se tivessem cinco anos: "Já almoçaste?", "Já ligaste ao teu padrinho?", "Queres que te acorde amanhã?", "Quando é que tens aquela reunião?", "Já te marquei dentista". Os pais helicóptero fazem-se presentes a toda a hora.
Estar atento e presente na vida dos nossos, é fundamental, mas é outra coisa. Estar atento/presente é conversar, orientar através das perguntas necessárias e escutar com abertura. É proporcionar estrutura, fornecer regras de funcionamento, algumas inflexíveis e outras mais flexíveis. Controlar é de outra natureza, vem do âmbito da intrusão e do autoritarismo, significa que as crianças/jovens ficam sem espaço de manobra para pensar/viver responsavelmente as suas próprias experiências e suas consequências.
Dentro de certos limites, há uma margem que é das crianças e dos jovens, da sua liberdade, e do fluxo da vida. Quando assim não é, estamos a ensinar às crianças que elas precisam de quem faça por elas porque, sozinhas, não sabem como fazer ou resolver. Dizemos-lhes que não sabem viver sem nós (e que não precisam de crescer porque estamos aqui). Estamos a impedi-las de tomar decisões, de se sentirem competentes, ou então, de errar e aprender com isso. Estamos a impedi-las de experimentar coisas e de encontrar limites, para se conhecerem melhor. Estamos a impedi-las de criar a consciência de que fazem parte de um sistema e de aprender que nem tudo gira à sua volta (e que não estaremos sempre por cima das suas cabeças). Estamos a criar filhos dependentes, pois toda a sua vida é um conjunto de sobreposições, imposições e diretrizes. A “hiperprotecção” das crianças não é coisa boa, boicota o desenvolvimento e prejudica a autonomização. Amar o outro, mais do que impedi-lo de sofrer, é dar-lhe as regras básicas e deixá-lo viver e fazer escolhas. O controlo é uma ilusão. A vida é imprevisível e é uma omnipotência achar que sabemos sempre o que é bom para os outros. Deixemos os “nossos” caminhar pelos seus pés. Deixemos que a individuação de cada um se concretize, estando cá para o que for preciso (e possível) e vivamos também nós as nossas vidas, ao invés de viver a vida dos outros.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Os rebanhos

A história de um rebanho começa sempre no seu pastor. Neste caso, faremos uma viagem à mente enlouquecida de um homem, L. Ron Hubbard, que achou que podia e devia salvar a espécie sabe-se lá do quê (dèja vu?). Se calhar queria salvar-se a si mesmo e de si mesmo mas isso não podia saber ou aceitar. Então parece que pessoas assim constroem estes impérios de devaneios na exacta medida do seu desespero.
Depois o pastor morreu e outro o substituiu mas o rebanho permaneceu. 
Chamamos-lhe rebanho quando deixa de existir a possibilidade de pensamento e/ou divergência. Ou seja, o que merece mais atenção é que vamos encontrando ao longo da História certos sistemas de crenças que capturam emocionalmente e fazem das pessoas aquilo a que poderíamos chamar reféns-de-livre-vontade. É aquilo a que chamamos uma lavagem cerebral. E isto repete-se, em maior ou menor escala. Mudam as circunstâncias e os ideais vendidos mas repetem-se os mecanismos psicológicos que prendem (bem como os que facilitam deixar-se prender). De um lado estamos no campo da manipulação. Da mentira psicótica. Do poder, controlo e domínio do outro. Estamos no campo da doutrinação. Estamos no campo da loucura que infelizmente se propaga quando encontra terreno fértil — a mentira mágica e omnipotente pega bem quando encontra uma mente que procura ser guiada e ver-se livre da responsabilidade do rumo da sua própria vida; mente onde habita uma alma perdida em busca de um sentido para a sua vida, seguramente frágil e carente de uma identidade, talvez também de afecto, reconhecimento e pertença. Este é o outro lado. Traduz-se num gesto que podia ser um encolher de ombros que finalmente encontra uma mão aparentemente sólida a que se agarrar e que repare o narcisismo danificado fazendo-o sentir parte de algo "maior", ainda que o preço seja elevado. Depois é só caminhar com o rebanho e é um pequeno passo até permitir que frutifiquem as ilusões e que se permitam os abusos, a si e aos seus, sem questionar, sem querer ver. Se perguntamos às pessoas porque permanecem ali ou porque fazem o que fazem a resposta será papagueada e, em última análise, não saberão sequer responder. Está aquém do pensamento.

E assim, uma e outra vez regressamos ao conceito de “banalidade do mal” de Hannah Arendt para que não sobrem dúvidas que a falta de capacidade crítica, de um “aparelho pensante” (como lhe chama Coimbra de Matos) é o pior inimigo do Homem. Como diz, no fim do documentário, um dos entrevistados: “If we believe in something we don’t really have to think for ourselves, do we?”.