quarta-feira, 20 de junho de 2012

Tá ligado?


Escutar e ouvir são coisas diferentes, de diferente natureza e profundidade. Por ouvir entende-se a capacidade de perceber através do sentido da audição. Não se aprende, é uma capacidade inata que pode ser encarada como uma função mecânica na condição humana (e animal). Escutar, por sua vez, é um ouvir de outra qualidade. Requer ouvir com atenção. Quem escuta, ouve, mas nem sempre quem ouve, escuta. Escutar é uma capacidade esquecida.

Embora reconheçamos a importância de prestar atenção ao que as pessoas nos dizem, de um modo geral, somos maus ouvintes e falhamos redondamente nesta questão tão importante em qualquer relação humana. Hoje, em pleno apogeu do individualismo, falta sempre disponibilidade (de tempo ou vontade) e então não escutamos. Quando perdemos a paciência, quando interrompemos o interlocutor ou atropelamos o que nos diz com julgamentos inoportunos ou críticas. Não escutamos quando deixamos de prestar atenção e passamos a pensar em nós mesmos ou em outra coisa qualquer. Também não escutamos quando bloqueamos a nossa atenção com sentimentos negativos. Nem escutamos quando sonhamos acordados enquanto alguém fala.

 Há muitos motivos para não ouvir mas, essencialmente, não somos capazes de escutar se estivermos nós próprios, também, a precisar de ser ouvidos. Para se escutar alguém é necessário estar mentalmente (logo, emocionalmente) disponível para isso. A escuta é uma arte que requer descentração de nós próprios. Se estamos focados nos nossos pensamentos ou sentimentos, dificilmente podemos oferecer o tempo de antena necessário ao nosso interlocutor. Claro que seria impossível escutar activamente uns e outros, com inteira atenção, a todo o momento. É que também precisamos de tempo para ficarmos entregues ao que nos vai cá dentro.

Nas relações humanas, muitos não se sentem escutados. E ninguém gosta de “falar para as paredes”. Escutar é a mais crítica das habilidades de comunicação e talvez a mais importante para haver bem-estar entre as pessoas. Sermos ouvidos com genuína atenção dá-nos a percepção de que importamos. Seja para partilhar uma dor, uma alegria ou um anseio. Seja para emitir uma opinião ou para pedir um conselho. Ter uma voz e vê-la reconhecida e considerada é fundamental. Permite-nos sentir amparados e compreendidos. A expressão “Tá ligado?” é utilizada pelo povo brasileiro para questionar o interlocutor sobre se este entendeu o que foi comunicado. De facto, quando escutamos, estamos ligados ao outro. Estamos em relação com alguém. Se não nos ligarmos, não poderemos escutar. Poderemos, quando muito, ouvir. E, no final, rematar, “hum?”

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