quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Marylin, O Mais Belo Fantasma do Mundo


 
"Ninguém podia adivinhar que se tratava de um fantasma. Ela era demasiado bonita para isso, demasiado doce, resplandecente. Uma aparição não tem calor, é um lençol frio, um tecido, uma sombra inquietante. Ela, ela encantava-nos. Devíamos ter desconfiado. Que poder tinha ela para nos fascinar tanto, para nos impressionar e nos levar à nossa maior felicidade? Deixamo-nos cair na armadilha a ponto de não compreendermos que já estava morta havia muito tempo.

Na verdade, Marylin Monroe não estava completamente morta, estava apenas um pouco, às vezes um pouco mais. O seu charme, ao fazer nascer em nós um sentimento delicioso, impedia-nos de compreender que não é necessário estar morto para não viver. Começara a não estar viva desde que nascera. A sua mãe, desumanamente infeliz, expulsa da humanidade por ter trazido ao mundo uma filha ilegítima, estava estupidificada de infelicidade. Um bebé não se pode desenvolver de outra forma que não seja no meio das leis inventadas pelos homens, e a pequena Norma Jean Baker, mesmo antes de nascer, encontrava-se fora da lei. A melancolia que sentia preenchia de tal forma o seu mundo que a mãe não teve força para lhe oferecer uns braços tranquilizadores. Foi necessário colocar a futura Marylin em orfanatos gelados e confiá-la a uma série de famílias de acolhimento entre as quais era difícil aprender a amar.

As crianças sem família não têm tanto valor como as outras. O facto de serem exploradas sexual ou socialmente não pode ser considerado um crime grave, uma vez que estes pequenos seres abandonados não são totalmente crianças verdadeiras. Algumas pessoas pensam assim. Para sobreviver apesar das agressões, a pequena Marylin teve de começar a “imaginar”, a alimentar-se da própria dor, antes de se afundar na melancolia e na loucura da sua mãe. Então, declarou que Clark Gable era o seu verdadeiro pai, e que pertencia a uma família real. Não tinha outra alternativa! Desta forma construía uma identidade vaga, já que, sem sonhos loucos, teria sido forçada a viver num mundo de lama. Quando a realidade morre, o delírio dá origem a uma maré de felicidade. Assim, casou-se com um campeão de basebol para quem cozinhava todas as noites cenouras e ervilhas , cujas cores tanto lhe agradavam.

Em Manhattan, onde tirou cursos de teatro, passou a ser a aluna preferida de Lee Strasberg, que era fascinado pelo seu estranho encanto. Já tinha estado morta muitas vezes. Era necessário estimulá-la bastante para que não se deixasse levar para o mundo dos mortos. Ela hibernava, não saia da cama e já não se lavava. Quando acordava com um beijo, de Arthur Miller, por quem se tornou judia, de John Kennedy ou de Yves Montand, reanimava-se, deslumbrante e afectuosa, e nenhum deles se apercebia de que tinha sido encantado por um fantasma. No entanto, ela dizia-o quando cantava I’m Through With Love. Estando já afastada do mundo dos mortais, refulgente em plena glória, sabia que só lhe restavam três anos de vida antes de oferecer a si própria um último presente: a morte.

Marylin nunca esteve completamente viva, mas nós não o podíamos saber, pois o seu fantasma era tão maravilhoso que nos enfeitiçava."

Boris Cyrulnik in O Murmúrio dos Fantasmas

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