segunda-feira, 10 de março de 2014

Penso, logo Existo

Le Penseur - Auguste Rodin
 “Penso, logo existo”, disse Descartes. O pensamento será talvez a função mais distintiva da espécie humana. O acto de pensar é o que nos confere existência, pois mesmo quando impedidos de falar ou agir, a possibilidade do pensamento ainda nos salvaguarda uma identidade e uma mente que funciona produtivamente. Assim, em primeiro lugar, a capacidade de pensar implica que sabemos mais ou menos quem somos, ou pelo menos, que estamos a caminho da nossa verdade. O que pode ser assustador. Pensar sobre as coisas (as nossas, as dos outros, as boas, as más, as que já foram e as que estão por vir) conduz-nos por vezes a caminhos de dúvida, sofrimento e angústia. Pensar implica também suportar algumas questões que ficam e ficarão sempre sem resposta.

Entre nós, seres humanos, uns seremos possuidores de uma personalidade mais analítica, utilizando a função do pensamento sem hesitar, enquanto outros não pensam muito ou não pensam de todo, quer porque não conseguem ou porque simplesmente não querem. São pessoas que preferem levar a sua vida sem questionar muito os “porquês” e os “comos”. É que viver praticando a análise de nós mesmos, dos outros e do que nos envolve, é um processo simultaneamente gratificante e frustrante. E embora seja o único caminho que produz expansão e evolução, para alguns a ansiedade que a reflexão despoleta é absolutamente insuportável.
Mas atenção: há uma confusão frequente entre pensamento e ruminação. Pensamento não significa perder dias a ruminar no mesmo assunto, em loop mental e sem sair do mesmo sítio. Pensamento é tentar procurar outra compreensão, ver de outra forma. Pensar é questionar, é algo criador e transformador, um processo que permite andar para a frente em vez de ficar estagnado no mesmo lugar. Mas por vezes, o que dói é precisamente sair desse local tão familiar e pôr em causa tudo aquilo que era dado como adquirido. Recordamos Florbela Espanca que, no seu poema Rústica, dá voz a um desejo quase infantil de poder ser uma mulher de pensamento mais simples e de alegrias banais: “Ser a moça mais linda do povoado./ Pisar, sempre contente, o mesmo trilho(…) Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!/ Dou por elas meu trono de Princesa,/ E todos os meus Reinos de Ansiedade.” Pisar todos os dias o mesmo trilho, sem grandes preocupações, podendo encontrar nessa rotina mecânica a tranquilidade e a satisfação, era o que desejava Florbela. Porém, pese embora os seus “reinos de ansiedade”, Florbela teria, em simultâneo, noção da “pobreza” desta existência.
Se para uns é suficiente comer, trabalhar e dormir, para outros pensar é uma função incontornável. Queiramos ou não, somos dotados de um “aparelho de pensar” e se essa função foi estimulada durante o nosso desenvolvimento, dificilmente podemos fugir da consciência que em nós cresceu e habita. Por outro lado, a verdade é que fugir do acto de pensar não é melhor solução. É como se, cá dentro, soubéssemos intuitivamente certas coisas que não queremos reconhecer. E assim, mesmo não pensando de forma consciente, deliberadamente, a verdade encontra forma (por vezes mais violenta) de irromper pela nossa vida, muitas vezes abrindo caminho pelo adoecer do corpo. Porque pensar é procurar a verdade. E a verdade, por mais que doa, vem sempre ao de cima. 

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