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terça-feira, 25 de abril de 2017

O Que Nos Contém



         Todos precisamos, em determinados momentos, de contenção — capacidade de aguentar estados emocionais muito intensos de forma relativamente integrada. A contenção permite que, em vez de os agir irrefletidamente, possamos elaborar esses estados emocionais (“digeri-los” mentalmente, absorver o que interessa e eliminar o restante).

Mas para que tal capacidade se desenvolva dentro de nós, precisamos, antes de mais, de quem nos contenha durante o nosso crescimento. Começa assim, de pequeninos, como quase tudo. Começa com alguém que aguenta, com uma mistura de amor, sensibilidade e firmeza, as nossas “coisas”: o nosso choro, a nossa angústia, a nossa vitalidade, a nossa força, a nossa agressividade, a nossa tristeza, a nossa zanga. É, portanto, alguém que está connosco durante os momentos mais intensos, não apenas fisicamente, mas integralmente: presente de forma inteira. E que, necessariamente, não fique mais aflito ou transtornado do que nós: alguém que não se desmorone com as nossas questões mais difíceis.

Há uma coisa muito importante: distinguir conter de reprimir e/ou de controlar. Reprimir é impedir, impedir que as crianças expressem as suas emoções livremente (“não chores”, "não fiques assim", "não te quero ver nesse estado", "não tens razão para isso", "que disparate"). Controlar, por outro lado, é evitar. É fazer tudo para que as crianças não sofram, não se angustiem, não sintam coisas difíceis. É interferir com a realidade e resolver os problemas por eles. Conter é outra coisa. É deixar acontecer sem interferir e lidar adequadamente com isso: estar com o outro, ou escutar, ou abraçar, ou conversar, ou ajudar a pensar, consoante as situações.

Contudo, mesmo que tenhamos crescido num ambiente emocionalmente saudável e que a nossa capacidade de lidar com as emoções seja até bastante ajustada, haverá muitos momentos, demasiado difíceis e inesperados, em que precisaremos sempre de contenção externa. Nem sempre estamos capazes de aguentar sozinhos todos os desafios que surgem cá dentro do peito. Nestas alturas, voltamos a precisar de um pouco de "colo", como quando éramos pequeninos. Esse colo simbólico é feito da mesma matéria que o colo físico. Disponibilidade — quem nos oiça refilar ou “falar colorido”. Diálogo — quem nos ajude a dar nome às emoções, porque alfabetizá-las é também contentor; as palavras contêm. Silêncio — há olhares de entendimento e empatia que contêm. Abraços — há gestos e toques que nos seguram, que nos mantêm inteiros. Limites — por vezes, perante o medo de nos partirmos em pedaços, queremos agir ou fugir e precisamos de quem nos segure e diga “não vais fazer nada nesse estado, vais respirar fundo e pensar melhor no assunto”. Há “nãos” que contêm. No fundo, uma contenção é sempre um limite. Uma espécie de "cerca" que nos protege, segura e organiza, mas que não reprime. É esta sublime diferença que nos permite transformar estados emotivos primários num pensamento mais elaborado sobre nós mesmos, construindo e não destruindo. 

E como tecto organizador de tudo encontramos, naturalmente, a relação, isto é, o amor. A substância que tudo cura e o único lugar onde a verdadeira contenção acontece.  É a boa relação que nos contém. É, sobretudo, o amor — bom, maduro, sensível, firme, atento, intuitivo — dos outros por nós, que nos contém. É o que nos lembra que estamos juntos haja o que houver. É o nosso abrigo, o nosso colo, o nosso abraço, a nossa casa. Enquanto houver uma única pessoa no mundo que nos queira e trate bem assim, jamais ficaremos sós.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Co-Dependência


A uma, conheci-a após o falecimento do marido. Tinha passado vinte anos a cuidar dele, um alcoólico em espiral destrutiva despindo-o quando não era capaz, deitando-o, ou até levantando-o do chão, com a força que não tinha. A outra, conheci-lhe a história de outra maneira; conta ela que sempre viveu para a mãe mulher deprimida, cocainómana, fazendo vigílias à sua cabeceira nos dias em que esta não saía da cama ou indo buscar o “produto” quando era necessário.
Há milhares de histórias assim. São histórias de pessoas cuja vida gira não em torno de si e dos seus sonhos mas em torno da disfuncionalidade de um outro. Pode parecer preocupação ou altruísmo, mas quando nos destrói a possibilidade de viver a nossa vida, é preciso parar: o que muitas vezes não acontece. Há ligações em que não há limites, nem dum lado, nem do outro. Então, há quem chame, a este funcionamento, a co-dependência, isto é, estar emocionalmente dependente (no sentido de excessivamente ligado) desse outro.
É frequente acontecer em famílias em que um dos elementos tem consumos de substâncias (drogas ou álcool); aí, o indivíduo co-dependente emerge como o responsável pela “salvação” do seu outro significativo, o que tantas vezes se revela uma expectativa pouco realista ao longo do tempo. Mas a co-dependência não aparece apenas em torno do abuso de substâncias químicas. Por exemplo, se um dos meus pais é infantil, irresponsável, gasta todo o dinheiro que ganha, e eu sinto que tenho que tomar conta dele, controlar os seus passos, salvá-lo de si mesmo isso é ser co-dependente. Se o meu companheiro está permanentemente insatisfeito e infeliz e eu vivo para tentar animá-lo ou gratificá-lo, isso é co-dependência. No fundo, é deixar que a vida do outro se torne a minha vida, que o problema do outro se torne o meu problema e, muitas vezes, sem que a pessoa em questão faça alguma coisa para o resolver.
De uma forma geral, podemos enumerar assim os pontos-chave da problemática da co-dependência (ou dependência afectiva): a) Sentir-se responsável por outras pessoas – pelos sentimentos, pensamentos, acções, escolhas, desejos, necessidades, bem-estar, e até pelo seu destino; b) Sentir ansiedade, pena e culpa quando a outra pessoa tem um problema; c) Sentir-se compelido – quase forçado – a ajudar a resolver o problema; d) Ter raiva quando a nossa ajuda não é eficiente; e) Comprometer-se demais; f) Culpar o outro pela situação em que estamos; g) Achar que a outra pessoa está a levar-nos à loucura; h) Sentir raiva, sentir-se vítima, como se não tivesse liberdade de escolha.
Claro está que nem todas as forma de apoio e compreensão ­­­são problemáticas, porém, é preciso perceber se nos tornámos os principais responsáveis por quem não quer tomar conta de si mesmo. Esse é um lugar de grande sofrimento e que também não ajuda a resolver o comportamento patológico da pessoa-problema.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

O Que Arde, Cura


Lembro-me de cair muito ao chão em pequena. Lembro-me do ardor dos curativos na ferida e de ouvir, variadíssimas vezes, que “o que arde, cura”. O curioso é que, anos depois, entendemos que este dizer tem um significado muito vasto. De facto, não há cura sem dor, quer no plano físico, quer no emocional. Os processos de cicatrização e regeneração, sejam que que ordem forem, são sempre processos difíceis, na sua generalidade. É a coragem de enfrentar essas dores que permite a cura. Porém, o medo é muitas vezes maior que a coragem. Temos medo de sofrer. Na melhor das hipóteses, é um estado desconfortável. Na pior, insuportável. 
O problema é que, se fugimos da dor, fugimos de nós. Depois da morte do seu pai, Simba estava só e triste com a sua dor e a sua culpa quando conhece Timon e Pumba, em O Rei Leão, que rapidamente o ensinam a viver segundo o lema “Hakuna Matata”, que significa “atira o passado para trás das costas”. E este assim o faz durante um tempo, esquecendo os problemas, saboreando a festa de viver livre na selva, longe da realidade que lhe causou tanta dor. Mas, na verdade, Simba só se sente inteiro quando regressa ao lugar da sua dor para reviver e resolver a situação difícil que a vida lhe apresentou. Assim, “atirar o passado para trás das costas” só é possível depois de olhar para ele de frente, e de resolvê-lo externa e internamente. Só aí, mais sarados, podemos arrumar devidamente o passado dentro de nós.
Carl Jung disse-nos, em A Prática da Psicoterapia, que não há despertar de consciência sem dor mas que “as pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma.” É o medo e o desconforto que nos faz fugir: de chorar, de recordar, de sentir (raiva, tristeza, frustração). O medo de reviver emoções difíceis. Para quê lá voltar? Por estranho que pareça, é preciso. É preciso lá voltar as vezes que forem necessárias. Sabendo, porém, que de cada vez que voltamos a dor é menor. Ficaremos cada vez mais fortes e cada vez mais sabedores de que essa dor não nos destrói. E se a dor é assustadora demais, podemos voltar acompanhados. Seja por um terapeuta, um familiar ou um amigo: que seja alguém que nos pegue pela mão e nos ajude a percorrer essa escuridão dentro de nós, até que o caminho não seja mais assustador. Simba também não foi sozinho.
O processo de cura passa também pela dor. O que muitas vezes não sabemos é que, depois da dor, está a liberdade, a plenitude, a inteireza. Já dizia Luís de Camões “Quem quer passar além do Bojador/ Tem de passar além da dor”. Descobrir-nos-emos, na manhã seguinte, cada vez mais fortes, mais integrados e mais competentes para enfrentar os nossos Adamastores.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Quando dói

Memory (The Heart) - Frida Kahlo
Há muitos anos atrás visitei uma exposição interactiva chamada “Bom dia medo!”. À entrada, todos os meninos escolhiam e sinalizavam, de entre vários, qual o seu maior medo. Entre as opções encontravam-se o medo do escuro, o medo dos animais ou o medo dos desconhecidos mas recordo-me de constatar que quase todas as crianças escolhiam o medo da dor.  
Numa fase precoce do entendimento, tememos mais a dor física (as quedas e trambolhões, as feridas, as vacinas) mas mais tarde, percebemos com facilidade que há outras dores mais terríveis: as dores da alma. Hoje sabemos que toda a dor se processa no cérebro, seja lá de que origem for. Mas é noutro lado que se sente: ninguém quer sofrer cá dentro, no coração. 
O fenómeno da dor (ou das várias formas de se sentir dor) é algo muito complexo: onde uns a sentem, outros não sentem nada, e o que representa dor para uns é diferente do que representa dor para outros. Coisas que antes doíam, deixam de doer. Coisas que nunca doeram, passam a doer. A dor é uma percepção plástica e móvel, que se altera e migra no espaço e no tempo. A dor é também um sintoma: a dor fala sobre muitas coisas. Uma dor de cabeça pode falar de ansiedade, uma dor de barriga pode falar-nos de medo, uma dor nas pernas pode falar-nos de dificuldades no processo de autonomia, entre outras situações. Em boa verdade, sentimos medo da dor física mas aquilo que nos marca é a correspondente dor mental.
Como se não bastasse, não só tememos a dor-em-si como tememos a hipótese de a sentir. Essa mesma antecipação da dor, já causa, em certa medida, sofrimento. Chamamos-lhe angústia, mas a angústia também “dói”. Corrói por dentro, torce-nos as entranhas, tira-nos o sono, a fome, a paz. Ou seja, há o medo da dor mas há também a dor do medo. O medo nasce cedo porque cedo se sabe que muita coisa, no nosso existir, dói. As experiências da dor são inevitáveis. Muitas surpreendem-nos logo dentro da barriga da mãe: desconfortos vários, de maior ou menor intensidade, que a cada sensação rapidamente nos condicionam a não experienciar aquilo mais nenhuma vez. Mas ela regressa sempre, de todas as maneiras. Em desconfortos, outros. Em desencontros, muitos, entre o nosso sentir e o sentir dos outros, pelas perdas sucessivas que vamos acumulando, pelas doenças do corpo e pelos males da alma, há demasiada coisa que dói e é disso que fugimos.
Talvez a melhor forma de lidar com a dor seja, em primeiro lugar, parar de fugir: aceitá-la. É preciso aceitar a dor. É preciso aceitar que ela faz parte da vida: da nossa e da dos outros. É na aceitação da dor que o caminho se torna mais fácil. A vida vai doer, não nos iludamos — coragem. Que isso não nos impeça, jamais, de viver. A vida vai doer mas há outra coisa que sabemos: à partida, nada dói para sempre. Tudo passa. E é nessa certeza que encontramos o conforto necessário para não morrermos de medo todos os dias. Venha o que vier, venha a pior tempestade, haverá sempre de seguida, uma bonança. É desse agridoce que surgem as melhores histórias, os melhores contos, os melhores poemas. 


segunda-feira, 6 de abril de 2015

Morrer de Amor


"Tão bom morrer de amor! e continuar vivendo..."
— Mário Quintana, Conversa Fiada in Baú de Espantos (1986)

terça-feira, 3 de março de 2015

Elastic Heart


O coração é elástico, músculo que contrai e expande, para nossa sorte. Foi feito assim para não se partir em mil bocados com as lutas que se travam lá dentro. No ringue defrontam-se as partes de nós que não se entendem. Varia a força do embate, do clássico braço de ferro ao combate sujo e ensanguentado. Quanto ao resultado, há partes que ganham, há partes que perdem, há empates técnicos, conforme os dias, as horas, os meses e as estações do ano. Conforme a luz, a lua, os humores e os amores. Conforme sabe-se-lá-o-quê porque isso afinal nem interessa e não há outro remédio senão aguentar esses confrontos na arena do coração. Fazem parte. Onde não há conflito, não há vida, nada se questiona, nada se transforma, nada se acrescenta, nada se avança.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Infinitudes


Não penses que te esqueço. Então ainda não sabes que trago comigo todos aqueles que amo? Não sabes que o coração é infinito e que há tantas formas de amor quantas pessoas há no mundo? É que eu acredito mesmo que o amor liga as almas mesmo quando os corpos não se encontram e os olhos não se cruzam. Não te queiras esquecer de mim. Esquecer é perder. Pelo contrário. Guarda. Guarda e lembra-te e será teu para sempre. Não sabes que quanto mais guardares mais pleno serás? Não sabes que corações cheios são corações vivos? Dizes-me que chegou ao fim e eu acho que começou. O amor não tem tempo e sem tempo não há princípio nem fim. Dizes-me que é difícil e dói. Sim. Mas não esqueças aquilo que dói. Dói porque é importante. Dói porque está vivo. Dói porque é amor. E pelo amor, tudo. Pelo amor, mais. Ele acrescenta-nos sempre.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A dor que me deixaste


Há dores que os outros depositam em nós por não terem capacidade para tomar conta delas. Podemos guardá-las durante algum tempo, podemos tentar transformá-las em algo bom, mas nem sempre é possível. E quando assim é, quando o outro apenas tem para nos dar a sua dor e nada mais, quando o nosso único lugar é não ter lugar, chega a hora de partir. 

― O poema (em prosa) encerra a caminhada de dolorosa consciencialização e libertação, in "a dor que me deixaste" da querida e única Maria João Saraiva.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Os Grandes e Fortes

Big Tired Dog | Kyle MacKillop on VSCO Grid

Os grandes e fortes também precisam de colo. Os grandes e fortes não são sempre grandes e fortes. Ninguém pensa nisto mas os grandes e fortes normalmente nunca tiveram sequer a hipótese de serem pequenos e frágeis. Fizeram-se grandes e fortes pisando o seu lado mais pequeno e frágil. Fingindo que ele não existe pois não podia mesmo existir. Os grandes e fortes estão habituados a cuidar dos outros e por isso não podem dar-se ao luxo de precisar de alguém. É que ser pequeno e frágil é quase uma espécie de luxo. Pois é, os grandes e fortes também precisam de colo. Às vezes, precisam mais do que qualquer outro.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Vai-te embora, ó medo!


Não são apenas as crianças que têm medos. O medo é uma emoção humana transversal a todas as idades e, uma vez ultrapassados os medos do escuro, da trovoada e das figuras monstruosas do imaginário infantil, podem surgir de outra forma, mais relacionados com a realidade e com o dia-a-dia nas nossas vidas.
O medo é por demais evidente quando o nosso organismo reage. Dependendo da intensidade desse medo, podemos simplesmente sentir um aperto do estômago ou uma necessidade de respirar fundo, mas também é possível que sintamos disparos do coração e alterações na respiração culminando, no limite, naquilo que chamamos um ataque de pânico. O suor pode inundar a pele e podemos sentir dor em diversas partes do corpo. O medo é visceral e será talvez a mais antiga emoção humana, por vezes útil, sinalizando o que é perigoso fazer e evitando desgraças maiores. Foi fundamental para a preservação da espécie e na sua ausência provavelmente estaríamos extintos há milhares de anos.
Por outro lado, o excesso de medo pode bloquear-nos a possibilidade de viver coisas boas. Por medo de sofrer consequências dolorosas (físicas ou psicológicas) podemos tornar-nos incapazes de muita coisa. Muitas pessoas deixam de ser elas próprias por medo de não serem gostados tal e qual como são. Outros não se ligam a ninguém por medo de sofrer mais tarde uma decepção ou abandono. Por outro lado, estar sempre acompanhado também pode ser uma reacção ao medo, medo de estar só e de tomar conta de si mesmo. Há quem se recuse a aventurar-se em projectos pessoais por medo que não corra bem. Sonhos são engavetados e esquecidos.

Os medos nem sempre são conscientes, ou seja, por vezes não nos sentimos ansiosos nem a nossa barriga se aperta, mas usamos racionalizações para justificar porque é que não saímos da nossa zona de conforto. Dizemos: “não me dá jeito”, “não ligo muito a essas coisas”, “não me interessa”, “estou bem assim”, “não quero assim tanto”. Por trás, inconscientemente, espreita a verdade escondida, um medo que não nos deixa avançar e arriscar. O medo do erro, do fracasso, da punição, da dor, do abandono, da solidão ou da morte, são angústias humanas que condicionam muitas vezes o caminho que escolhemos. Ou que não escolhemos. O medo leva-nos a fugir. Ficar quieto também é fugir. E fugir pode ser bom, se isso nos proteger de um perigo, mas será mau se nos afastar de experiências e vivências importantes. Há muitas perguntas para as quais não temos resposta. Irá correr bem? Devo ir por aqui ou por ali? Estou a fazer as coisas da forma certa? Pensar e questionar não é o problema, pelo contrário. O problema é quando o medo das respostas não nos deixa abraçar as interrogações com coragem e, assim sendo, por medo de viver, não vivemos de todo. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

A Adição


Quando pensamos em dependências associamos frequentemente à toxicodependência, talvez a mais debatida nas últimas décadas. Mas aos poucos fomos percebendo outras manifestações de dependência, expressas no álcool, jogo, alimentos ou sexo. Hoje estendemos este conceito às compras, aos jogos, à internet e qualquer outro comportamento aparentemente fora do controlo do indivíduo e/ou que limite e prejudique a sua vida quotidiana.
Chamamos-lhes dependências, adições (ou comportamentos aditivos), e entendemos por isto quaisquer acções que o sujeito realize de forma compulsiva, com base num impulso incontrolável que faz com que não sossegue enquanto não o concretiza (independentemente de “em quê” irá aplicar esse impulso). Esta problemática acarreta sempre uma diminuição ou perda de liberdade, pois é-se escravo da compulsão. Sendo dominado por estes impulsos, o desejo de consumir (seja lá o que for) torna-se frequentemente mais importante do que a relação com os outros e, inclusivamente, do que os próprios interesses e necessidades. É possível que esta compulsão conduza à ruína da vida familiar, social, profissional ou financeira, no entanto, também há comportamentos aditivos mais mascarados e sem uma forma de prejuízo tão visível a olho nu.
Os comportamentos aditivos são comportamentos que visam a procura de prazer imediato. Por norma procura-se com eles preencher um vazio interno e dissipar algum tipo de mal-estar psicológico, mais ou menos leve e muitas vezes inconsciente. Contudo, sendo uma solução enganosa, muito rapidamente o prazer se dissipa e torna a sentir-se vazio ou mal-estar, repetindo-se o comportamento em busca de novo alívio. No caso da toxicodependência e do alcoolismo é amplamente conhecido o efeito dos agentes químicos causadores de dependência (física) mas a compreensão dos mecanismos aditivos (dependência psicológica) exige sobretudo a compreensão das “falhas afectivas” subjacentes.
A grande maioria dos autores que estudam as perturbações do comportamento aditivo (e das dependências no geral) falam de uma espécie de falha no desenvolvimento afectivo mais precoce, normalmente relacionada com dificuldades no processo primário de separação entre o bebé e a sua mãe (e consequente dificuldade de individuação do sujeito - que, no limite, todos temos em maior ou menor grau).  Falam ainda de uma falha na função paterna (o pai “separa” a mãe do seu bebé introduzindo-se como um terceiro na relação de dependência primordial). Não se concretizando adequadamente o processo de separação e autonomização (talvez o processo mais delicado na vida do ser humano), dá-se, inconscientemente, uma busca externa, compulsiva, do objecto perdido, sob a forma de adição.

É, assim, importante perceber de que é o indivíduo está à procura e, simultaneamente, do que é que está a fugir, pois a adição serve também para obscurecer e manter afastadas da consciência as experiências dolorosas. Somos peritos em manobras de ilusionismo para negar a nossa própria dor, contudo, estando lá, cedo ou tarde se manifesta.