segunda-feira, 24 de março de 2014

O Bicho Verde


Há três conceitos que por vezes se confundem: ciúme, cobiça e inveja. Mas ciúme, é não querer perder o que se tem, cobiça é querer o que o outro tem, e inveja é não querer que o outro tenha. Esta deriva do latim invidia, que quer dizer “olhar com malícia”, o que explica a crença popular do “mau-olhado”. Traduz-se como: “eu até posso nem ter nada desde que tu também não tenhas.” 
Dos três, talvez a inveja seja o mais difícil de admitir. É difícil de admitir porque remete para um desejo que não tem directamente relação comigo ou com algo eu gostaria de manter (ciúme) ou ganhar (cobiça), mas sim com aquilo que eu desejo que o outro perca. Talvez a inveja seja profundamente difícil de admitir porque a maioria tem alguma vergonha de reconhecer que retira prazer da desgraça alheia. Além disso, a cultura judaico-cristã penaliza severamente a inveja. Considera-a um pecado capital, embora seja talvez o único pecado que na realidade é totalmente inútil, ao contrário da gula ou da luxúria. Com a gula e com a luxúria eu tenho algum tipo de prazer. Com a inveja, pelo contrário, apesar de poder sentir um gozo imediato perante as perdas dos outros, na maioria das vezes, isto é, no dia-a-dia, sinto ódio das suas vitórias. Não só das conquistas alheias se tem inveja pois, por vezes, a simples paz de espírito ou serenidade de alguém pode ser motivo de inveja, mesmo que não possua nada mais que isso.
Porque se inveja, então? Há quem nem o saiba, porque a inveja pode estar mais ou menos consciente (creio que muitas pessoas escondem habilidosamente de si mesmas que invejam os outros), mas é alimentada por sentimentos de inferioridade e insegurança, sensação de abandono ou injustiça, sensação de incapacidade, vazio interior, frustração, como se fossem afluentes de um grande rio composto de egoísmo, raiva e ódio, em diferentes medidas. Por vezes, é tão dissimulada ou mesmo inconsciente que nem é expressada de forma directa ou evidente, contudo, sentimos um mal-estar em certa presença, um olhar estranho ou um tom de voz incoerente. Também aparece sob a forma de bisbilhotices, críticas (normalmente destrutivas) ou conselhos traiçoeiros. 
Quem inveja, sofre, mesmo que não o saiba ainda. É uma espécie de amargura invasiva, qual veneno que corre nas veias, e possui um carácter destrutivo, não para os outros mas principalmente para o próprio, que azeda, mirra e definha. Admitir a inveja será uma confissão de inferioridade pois o mecanismo responsável é a comparação sistemática entre a pessoa e os outros, comparação, essa, em que a pessoa se sente sempre em plano inferior. No fundo, quanto menos me basto a mim próprio, mais olho para os outros. Quanto menos satisfeito estou com a minha vida, mais observo a vida dos outros. Logo, quanto maior for o vazio, maior a inveja e por isso o melhor remédio contra ela é ter uma vida cheia de nós próprios, construir um destino que nos preencha e sermos plenos de amor-próprio, pois só quem se ama a si mesmo poderá amar o próximo.

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