Mostrar mensagens com a etiqueta Vítima. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Vítima. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Redes em Fúria


Cenários: “A campanha publicitária que enfureceu as redes”  demite-se um diretor de marketing. “O comentário que enfureceu as redes” exige-se um pedido de desculpas em horário nobre. “O livro que enfureceu as redes” um autor indignado assegura que escreve o que bem entende. “A fotografia que enfureceu as redes” termina um casamento. É complicado. O risco de “enfurecer as redes” é cada vez mais vulgar e, cuidado, elas enfurecem-se com facilidade. São, digamos, ultrassensíveis. Pior, estão sempre atentas, mais atentas que uma “velhota” à janela. O que pensar de tudo isto?
As redes sociais (Facebook, Orkut, Twitter, Instagram, Linkedin, Snapchat e outras) são aplicações que chegaram para, de alguma forma, ligar as pessoas. É produto (e contributo) da (para a) globalização. Nunca um grupo tão grande de pessoas se terá articulado desta maneira, numa conexão ao segundo. Logo, há uma opinião global muito rápida e muito forte que emerge em todas as circunstâncias. Estas redes permitem uma nova maneira de participação da sociedade, através de aplicações que suportam e facilitam (em certa medida) as relações humanas, e mais, com lugar para todos. Assim, as pessoas estão hoje, mais do que nunca, de olhos postos umas nas outras e nas mudanças no mundo, ao segundo. Se, por um lado, pode dizer-se há uma vigilância/controlo que talvez impeça as coisas “más” de proliferarem graças à sua rápida exposição mediática, por outro lado, há um limite muito ténue entre isso e uma constante “caça às falhas alheias” e subsequentes juízos de valor. Que influência queremos que estas redes tenham nas nossas vidas? 
Em primeiro lugar, sempre que contribuímos para um destes fenómenos de crítica em massa, esquecemo-nos que um dia podemos ser nós debaixo de fogo (embora isso seja tanto mais provável quanto maior a exposição pessoal). No entanto, basta uma afirmação infeliz, um momento menos adequado, uma opinião pouco pensada e estala a polémica. A situação torna-se mais grave quando entramos no campo do “cyberbullying”, i.e., criticando sob a forma de um violento “apedrejamento” verbal em praça pública. Violento porque transbordante de agressividade e discursos de ódio. Porquê? Importa lembrar: por detrás dos monitores o filtro torna-se muito menor, somos todos muito valentes e é fácil tornar o outro num saco de boxe da nossa própria irritabilidade. Violento, também, por ser excessivo: há, no geral, pouca contenção. Podemos dizer que está hoje muito diluída a crucial fronteira entre o pensar e o "falar", pois o "falar" está à distância de um click   é fácil e não tem grandes implicações. 
Em segundo lugar, abordam-se estranhos, (des)tratando-os num "tu cá tu lá" e ajuizando sobre a sua vida — há uma falsa sensação de intimidade que deriva desta dita “ligação em rede”. Ao longo dos tempos, os limites do comportamento aceitável e as normas de funcionamento da sociedade em geral tornaram-se muito menos rígidos, mas teremos sempre de avaliar se essa transição nos trouxe vantagens em cada situação específica. É preciso ir aferindo, dinamicamente, quais os limites a manter e quais os limites a abolir. Certo é que há uma forte relação entre o que se passa nas redes sociais e a perda de fronteiras fundamentais da convivência social: há uma fronteira entre a minha opinião e a opinião do outro, há uma fronteira entre desacordo e ofensa, há uma fronteira entre pensar e falar. Somos livres de querer esticar esses limites (a democracia permite e justifica muita coisa) mas aceitemos as consequências: um dia podemos querer esses limites para nos defendermos e eles não estarão lá.
Por último, mas talvez o mais importante, é constatar que esta janela constante para o mundo impede-nos de olhar mais para nós, no sentido introspectivo e evolutivo. Distraídos que andamos a espiar a vida de fulano, a desdizer sicrano ou a julgar beltrano, torna-se mais fácil alienarmo-nos daquilo que verdadeiramente importa: construir para nós e para os nossos, dentro das nossas casas e na nossa verdadeira rede social, real, uma vida plena e conforme aquilo em que acreditamos. A vida dos outros, a opinião dos outros, os comportamentos dos outros, só a eles lhes diz respeito. Se não nos identificamos, afastemo-nos. O silêncio e a indiferença podem ser armas tão ou mais poderosas que o confronto. Cada um cuide de si e o mundo será, então, um lugar melhor.

domingo, 14 de novembro de 2010

Estranhas formas de amar



Existe um drama, transversal aos tempos, chamado violência doméstica. Não escolhe estrato social nem estatuto sócio-económico, contrariando a tendência de associarmos a violência às classes mais baixas e com menor desenvolvimento cognitivo. Implica uma mulher e um homem, uma relação de submissão por parte desta e uma relação de autoritarismo por parte deste. Implica, acima de tudo, uma relação doente entre duas pessoas de certa forma doentes.
Ultrapassando em larga escala as discussões intrínsecas a qualquer relação, a violência doméstica surge quando o homem (embora também existam casos de violência doméstica em que o agressor é a mulher) utiliza a sua força para controlar a mulher, minando a liberdade inerente a cada ser humano e obrigando-a a viver segundo a sua vontade. Tornam-se mulheres submissas, amedrontadas, sem liberdade de expressão a qualquer nível, vivendo sob ameaça constante.
Por norma, o agressor sabe que age mal e pede desculpa, inclusivamente de forma genuína, levando a mulher a perdoá-lo na expectativa que cada vez seja sempre uma última vez. No entanto, homens violentos não deixarão de o ser.
Na verdade, uma relação violenta implica dois tipos de disfunções. Nestes homens, a agressividade esconde muitas vezes uma insegurança e uma dor de vida brutal, que camuflam através de uma masculinidade exacerbada. A sua violência reflecte uma perturbação do seu funcionamento e, como tal, a possibilidade de mudança é reduzida ou nula. Por outro lado, nestas mulheres encontramos uma auto-estima débil e uma tendência cuidadora de ordem depressiva, muitas vezes masoquista, que as leva a olhar sempre o lado bom e a perdoar o lado mau, na esperança de um futuro diferente. Mulheres que espelham crianças outrora mal amadas ou mesmo batidas pelos seus pais. Toda a vida cresceram nos meandros da violência (física ou psicológica) e este é o único vínculo que conhecem. Encaixam nestes homens como uma luva. Vítimas perfeitas.
Este é o ciclo da violência doméstica. A ilusão da mudança não deve alimentar estas mulheres. Devem sim ser ajudadas no sentido de terminar a relação, visto que a necessidade de controlo do homem não cessará sozinha porque faz parte da sua forma de funcionamento. Elas afirmam que há amor. Pois até pode haver. Contudo, há formas de amar que não fazem ninguém feliz . São, à partida, relações condenadas. Reconhecer isso é o ponto de partida para uma vida livre e também o caminho para o fim de um pesadelo.