domingo, 14 de novembro de 2010

Estranhas formas de amar



Existe um drama, transversal aos tempos, chamado violência doméstica. Não escolhe estrato social nem estatuto sócio-económico, contrariando a tendência de associarmos a violência às classes mais baixas e com menor desenvolvimento cognitivo. Implica uma mulher e um homem, uma relação de submissão por parte desta e uma relação de autoritarismo por parte deste. Implica, acima de tudo, uma relação doente entre duas pessoas de certa forma doentes.
Ultrapassando em larga escala as discussões intrínsecas a qualquer relação, a violência doméstica surge quando o homem (embora também existam casos de violência doméstica em que o agressor é a mulher) utiliza a sua força para controlar a mulher, minando a liberdade inerente a cada ser humano e obrigando-a a viver segundo a sua vontade. Tornam-se mulheres submissas, amedrontadas, sem liberdade de expressão a qualquer nível, vivendo sob ameaça constante.
Por norma, o agressor sabe que age mal e pede desculpa, inclusivamente de forma genuína, levando a mulher a perdoá-lo na expectativa que cada vez seja sempre uma última vez. No entanto, homens violentos não deixarão de o ser.
Na verdade, uma relação violenta implica dois tipos de disfunções. Nestes homens, a agressividade esconde muitas vezes uma insegurança e uma dor de vida brutal, que camuflam através de uma masculinidade exacerbada. A sua violência reflecte uma perturbação do seu funcionamento e, como tal, a possibilidade de mudança é reduzida ou nula. Por outro lado, nestas mulheres encontramos uma auto-estima débil e uma tendência cuidadora de ordem depressiva, muitas vezes masoquista, que as leva a olhar sempre o lado bom e a perdoar o lado mau, na esperança de um futuro diferente. Mulheres que espelham crianças outrora mal amadas ou mesmo batidas pelos seus pais. Toda a vida cresceram nos meandros da violência (física ou psicológica) e este é o único vínculo que conhecem. Encaixam nestes homens como uma luva. Vítimas perfeitas.
Este é o ciclo da violência doméstica. A ilusão da mudança não deve alimentar estas mulheres. Devem sim ser ajudadas no sentido de terminar a relação, visto que a necessidade de controlo do homem não cessará sozinha porque faz parte da sua forma de funcionamento. Elas afirmam que há amor. Pois até pode haver. Contudo, há formas de amar que não fazem ninguém feliz . São, à partida, relações condenadas. Reconhecer isso é o ponto de partida para uma vida livre e também o caminho para o fim de um pesadelo.

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