quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Histórias de Pinóquios


Desde sempre, na História Natural, que os animais possuidores de mecanismos de camuflagem ou sistemas de engano foram beneficiados na luta pela sobrevivência. A selecção natural tem privilegiado aqueles que sabem enganar ou iludir os inimigos e já Darwin, em 1859, apontou a vantagem concedida por essa capacidade (Coelho, 2008). Nos seres humanos, a capacidade de enganar os outros também tem sido alvo de estudo. A mentira é um dos conceitos mais curiosos e contudo, por abraçar questões de natureza existencial, os seus contornos são demasiado indefinidos no que respeita aos mecanismos que se escondem na sua origem.
Nas crianças pequenas é frequente observarmos o uso da mentira. Recorrer-lhe está geralmente ainda associado ao mundo da fantasia (aspecto importante do desenvolvimento infantil) ou, também, ao evitamento de castigos e reprimendas (comparável a um mecanismo de sobrevivência do mundo animal). Seguidamente, ao longo do seu processo de desenvolvimento moral, a criança vai construindo as noções de bem e de mal, bem como integrará cada vez melhor o conceito de justiça, compreendendo o lugar da mentira no sistema social e aprendendo a assumir os erros. Por aprendizagem directa (reforço dos comportamentos bons e punição dos comportamentos maus), e por aprendizagem social (através das relações com os adultos e na escola, com os seus pares) o recurso à mentira vai sendo abandonado. Tudo normal aqui.
Encontrarmos adultos que operam segundo mecanismos semelhantes, recorrendo a mentiras fantasiadas, pelo contrário, pode considerar-se potencialmente patológico. De facto, o tipo de mentira mais interessante designa-se mentira patológica e ocorre quando um indivíduo repetida e compulsivamente conta histórias falsas. Mas será um acto consciente, ou há verdadeiramente uma incapacidade de controlar a mentira? Reconhecidos psiquiatras têm discordado neste ponto ao longo dos tempos, alguns acreditando que nestes indivíduos há uma deturpação da realidade, outros defendendo que a mentira patológica é um acto intencional.
Tem sido proposto que o Eu do mentiroso patológico esteja fixado a um nível muito infantil. Noutros casos, conhecem-se situações psiquiátricas associadas ao uso da mentira patológica (em personalidades borderline, anti-sociais, histriónicas ou narcísicas). Também a confabulação (falsificação das memórias, para preencher lacunas) pode explicar alguns casos. Cada “mentiroso” pode esconder uma motivação/impulso diferente para uma mentira. Seguramente, compreendemos que não serão mais felizes por isso, muito pelo contrário. Um olhar clínico sobre eles permite-nos tentar compreender, antes de julgar.

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