quarta-feira, 27 de abril de 2011

Fúria de Viver

Há alguns anos houve uma sessão cujo tema era a maternidade na adolescência. Nessa sessão, profundamente enriquecida por testemunhos reais, foi contada uma história de vida que hoje aqui recordo.
 Uma jovem vivia com a sua mãe, o padrasto e dois irmãos. O padrasto, com hábitos de alcoolismo e um historial de violência, incompatibilizando-se com as crianças, mandou-as embora de casa, enquanto a mãe assistia, na sua fragilidade extrema, sem imposição. As três crianças, tendo ficado a viver sozinhas num local que, confesso, não me recordo, educavam-se mutuamente e sobreviviam como podiam. Como se alimentavam, também não me lembro. Com a ajuda de vizinhos, tenho ideia. Por vezes, a mãe visitava-os, mas sempre receosa de ser apanhada pelo marido. A jovem contou que, sendo a mais velha, sentia a responsabilidade de cuidar dos irmãos. E no sossego na noite, (imagine-se!) estudava à luz das velas, porque não queria falhar na escola. Algures a meio desta história, ainda adolescente, engravida. Tem o seu filho. No momento em que conta a história a uma plateia tão emocionada quanto ela, afirma que está a meio do seu curso superior: Psicologia. Na plateia, a mãe. Talvez já liberta da opressão do marido, quem sabe. A jovem afirma publicamente que não a julga. Ambas choram. O filho, também na plateia, parece baralhado com tantas lágrimas e palmas.
O que faz uma jovem que cresceu na adversidade, ter uma força interior que a leva a percorrer um caminho exemplar sem qualquer desvio? A palavra-chave é resiliência. O termo resiliência tem origem na Física e designa a capacidade de um corpo deformado por uma pressão externa retomar a sua forma inicial. No campo das ciências humanas, a resiliência explica-se como a capacidade de se resistir de forma flexível à adversidade, desenvolvendo mecanismos positivos de adaptação e utilizando essa adversidade para o desenvolvimento pessoal, profissional e social.
Podemos identificar algumas características gerais nas crianças resilientes: sociabilidade, inteligência, competências de comunicação e locus de controlo interno (que significa atribuir a causalidade/responsabilidade das situações e da sua resolução a nós próprios e não aos outros, ou à sorte e azar, ou ao destino...!).
Embora esta capacidade esteja relacionada com a maturação do sistema nervoso central e conseguinte desenvolvimento das capacidades cognitivas, linguagem e desenvolvimento psicomotor, não é uma característica completamente inata. Por norma, estas crianças também cresceram com laços afectivos familiares fortes e sistemas sociais de suporte (comunidade, escola, igreja). Cabe à escola um papel fundamental na educação para a resiliência, numa época em que tantos pais se demitem do papel de educadores. Numa mistura entre genética e ambiente, nasce esta capacidade, nas palavras de Tom Coelho, de transformar um limão em limonada.

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