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sábado, 13 de junho de 2015

A pergunta do eterno retorno





      Se pudéssemos repetir a nossa vida tal e qual como ela se desenrolou até hoje, desejaríamos fazê-lo? O sábio Zaratustra, de Nietzsche, vai mais além, e pergunta: “E se um dia ou uma noite um demónio fosse atrás de ti até à tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há-de retornar.” Que sentiríamos?
A ideia de repetir ciclicamente a mesma vida, passando por tudo da mesma exacta maneira, pode funcionar como um exercício importante para questionarmos a direcção e o sentido que temos dado à nossa aparentemente curta existência. Embora uma existência em loop seja, por si só, assustadora, a melhor hipótese seria fazer dela o mais agradável possível. Então, se fosse garantido o nosso eterno regresso, exactamente nos mesmos moldes que na actualidade, até onde estaríamos dispostos a mudar coisas por forma a assegurarmo-nos de uma eternidade feliz? É importante ir questionando se o nosso percurso tem sido fundamentalmente prazeroso ou se é, pelo contrário, insatisfatório, ou mesmo terrível. Quantos de nós amam a sua vida? Ao fazer este balanço, o propósito não é mergulharmos em lamentações quanto ao que já passou mas sim dirigir o olhar para o que ainda pode vir. Amar o seu destino ou, mais adequadamente, criar um destino que sejamos capazes de amar.
Porém, nenhuma transformação positiva pode ter lugar se vivermos exclusivamente agarrados à ideia de que a nossa vida é como é por forças exteriores a nós: azar, má sorte, karma, sina, fado ou destino. A pergunta de Zaratustra obriga-nos a olhar a forma como pensamos as responsabilidades. Percebemos que o perigo de depositar a responsabilidade da nossa caminhada (e/ou da nossa insatisfação) no universo ou em qualquer outro exterior a nós mesmos, é que a situação poderá não sair do impasse. Então, se o demónio de Zaratustra nos condenasse, hoje, ao eterno retorno, continuaríamos no mesmo exacto lugar, estado e formato em que nos encontramos? Sentiríamos contentamento e satisfação em regressar à nossa existência assim como a temos conduzido? Ou seria um sufoco? E se assim for, seríamos passivos ou activos? Quanto tempo mais permaneceríamos no mesmo lugar? Até quando ficaríamos à espera? Até onde aguentaríamos? E se, efectivamente, nada acontecer? Nenhum milagre, nenhuma reviravolta fácil, nenhum chamamento ou insight? E se só nós somos responsáveis pela vida que levamos e pelos pilares que a sustentam? Transformaríamos a nossa vida, perseguindo sonhos, concretizando projectos, assumindo desejos? A liberdade de escolher fazê-lo é nossa. E a responsabilidade de escolher não o fazer, também.
É desconfortável pensar estas questões. É duro sentir este peso da hipótese mais certa: em última análise, os agentes da nossa felicidade e infelicidade somos nós. Que terrível sermos o nosso próprio carrasco. Sim, é desconfortável, mas é, garantidamente, o caminho possível nisto que é o curso da nossa vida. Sem essa consciência, mínima, talvez passemos o tempo que nos sobra à espera de algum milagre. Pode chegar. Ou não. Entretanto, é importante irmos aferindo o que se passa cá dentro. É preciso ouvirmo-nos a nós mesmos, escutar a voz que às vezes soa baixinho e que tantas vezes ignoramos (escondidos na ideia de que não há volta a dar ou no medo de tudo e mais alguma coisa) para que, caso o dito demónio nos obrigue a regressar, a coisa seja o mais simpática possível. E mesmo que não regressemos, mesmo que seja "só" isto, não será igualmente crucial aproveitar o melhor possível?

segunda-feira, 23 de março de 2015

Certezas Absolutas


Dominados pelo egocentrismo, característica daquele que está centrado em si e no seu ponto de vista, e pela omnipotência, crença de que se pode tudo, na infância e ainda na adolescência temos muitas certezas. Quantos pais já tentaram falar com os filhos recebendo em troca um “Eu é que sei!”? Essas certezas são, nessa altura, protectoras: fonte de segurança e de estabilidade necessárias ao crescimento tranquilo, dada a ainda frágil estrutura emocional de uma criança. Pressupõe-se, no entanto, que uma das tarefas da adolescência é precisamente começar a pôr em causa muitas dessas certezas, o que explica parte da instabilidade emocional vivida nesta fase. Tudo o que era certo e seguro, começa a ser questionado, se bem que, para que isso aconteça, é necessário haver uma estrutura interna minimamente sólida, capaz de aguentar o embate com a realidade cada vez mais óbvia, e que não descompense ao questionar o mundo (externo e interno). Chegando à idade adulta, devemos então ser capazes de assumir que pouco ou nada sabemos que seja absolutamente certo. Temos as nossas crenças, mas crer é diferente de saber. Acreditar nas coisas e em nós é importante, mas a crença deve permitir que haja espaço para que seja questionada ou revista. Assim, a ordem natural do crescimento emocional e do desenvolvimento psíquico é que possamos ir flexibilizando o nosso pensamento de forma a ponderar as nossas certezas e estar disponíveis para aprender com os outros.
No entanto, nem sempre as coisas acontecem assim. Por vezes, os adultos têm tantas ou mais certezas absolutas do que as crianças. Acham-se frequentemente os donos da verdade. E demonstram uma certa tendência tirânica para achar que a sua verdade é a verdade universal. Seja em valores pessoais, políticos ou religiosos, é fácil encontrar pessoas cuja posição perante a vida e os outros não permite qualquer discussão. A certeza é a base do fundamentalismo. Em nome das certezas absolutas foram cometidos alguns dos crimes mais sangrentos da nossa história: elas são o fundamento de todo fanatismo. A certeza de que se está na posse da verdade absoluta revela um modo de pensar rígido e pouco reflexivo, pois se já sabemos a verdade, não precisamos reflectir mais sobre o assunto. Problema resolvido.
Então, ao contrário do que tantas vezes parece, a certeza é irmã da insegurança, ou seja, quanto mais inseguros somos, maior a necessidade de estarmos certos. Seja a respeito de que assunto for. É a incapacidade de tolerar as dúvidas que nos conduz aos dogmas. Claro que a existência parecerá muito mais segura se estivermos convictos de saber as respostas a todas as perguntas, mas isso não corresponde à realidade, muito menos pertence à esfera do pensamento maduro. Sócrates disse-nos, com toda a sabedoria: “só sei que nada sei”. Reduzamo-nos à nossa humilde insignificância e aceitemos que a única forma de atingir o conhecimento é manter a mente aberta e um espírito interrogativo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Boyhood


― So what's the point?
― Of what?
― I don't know, any of this. Everything.
― Everything? What's the point? I mean, I sure as shit don't know. Neither does anybody else, okay? We're all just winging it, you know? The good news is you're feeling stuff. And you've got to hold on to that.

sábado, 2 de agosto de 2014

Sobre a Pequenez

Randy P. Martin Photography

Somos pequeninos. Somos imensamente pequenos. Somos tão pequenos que quando nos lembramos disso nos assustamos com a nossa fragilidade. Por outro lado, como somos pequenos também temos muito para nos entreter. Muito que descobrir. Podemos encontrar coisas novas em cada esquina. Podemos surpreender-nos com milhões de quilómetros quadrados de desconhecido e com biliões de pessoas que ainda não pudemos conhecer. O que seria se o mundo fosse à nossa escala e fossemos obrigados a habitar a vida inteira circunscritos a três ou quatro metros de terreno? Definharíamos. Somos pequeninos mas temos um mundo inteiro à nossa espera. Somos pequeninos, mas não pequeninos o suficiente para sermos insignificantes. Podemos fazer a diferença. E o melhor é que podemos simultaneamente passar despercebidos. Podemos errar e fazer disparates sem que o mundo se desmorone em absoluto por nossa responsabilidade. Somos pequeninos e isso não é necessariamente mau, pelo contrário, é um mundo inteiro de possibilidades.

sábado, 19 de abril de 2014

Super-Vidas


Na prática clínica somos, cada vez mais, confrontados com queixas que remetem para um sentimento de vazio interior. Como se a pessoa não se sentisse completa, preenchida ou satisfeita. Como se procurasse algo que não encontra, repetidamente. Em simultâneo, é mencionada a solidão. Estas questões remetem fundamentalmente para uma fragilidade narcísica (falta de amor pelo meu Eu) e para falhas nos processos de construção da identidade e de autonomização (constituição de um Eu maduro e que não precise em absoluto do outro). Como é do conhecimento geral, as questões da estruturação da nossa identidade e autonomia estão intimamente relacionadas com as nossas relações precoces e ambiente familiar do sujeito.
Contudo, não deixa de ser interessante perceber que o seu maior aparecimento coincide com uma época em que a cultura vigente deixa mais a nu a insatisfação das pessoas consigo próprias. O indivíduo, na sociedade actual, tem sido convocado para a busca do perfeito: corpo/imagem, status, carreira profissional, eficiência, estilo de vida. Vivendo sempre em comparação com o outro, discutindo lugares nos mais diversos rankings (o mais bonito, o mais bem-sucedido, o mais rico, o mais inteligente), como podemos escapar dessa solicitação?
Percebemos que, tal como diz Carlo Strenger no livro O Medo da Insignificância: “o mito do just do it conduziu a um incrível aumento do reino da fantasia. Procurar menos do que tudo é procurar a mediocridade. Pouco ou nada se diz sobre o processo doloroso de descobrir quem realmente somos e quais as nossas reais capacidades e limitações. Pelo contrário, a ideia que vende é: não há limites.”
A verdade é que há limites (os da realidade interna e externa) e é bom que recuperemos essa consciência. Há limites para o meu Eu (não posso ser perfeito em tudo), para as minhas capacidades (não posso fazer tudo), para os meus talentos (não sei fazer tudo), para os meus valores (não aceito tudo). Vivemos tempos em que se incentiva a diferença mas na verdade, ao querermos todos ser especiais em tudo, tornamo-nos iguais. Já não basta ter uma vida, é preciso ter uma “super-vida”.
Aqueles que, de nós, vão encontrando dentro de si recursos para manterem o bem-estar perante a competitividade e agressividade do marketing pessoal, estão sossegados. Mas muitos, com grandes dúvidas sobre o seu valor enquanto pessoa, geralmente apresentam sintomas de enorme insegurança. O caminho passa por olhar mais para dentro e menos para fora. E quando encontrarmos os nossos vazios, procuremos preenchê-los com um pouco mais de Eu e um pouco menos dos Outros.


domingo, 3 de março de 2013

Viver ou Sobreviver?



Nascemos. Num determinado lugar e numa certa família, que não escolhemos. Dão-nos um nome, que também não escolhemos, mas somos donos de um corpo e de uma alma. A nossa alma (ou mente ou psique) permite-nos pensar e sentir, e esse corpo permite-nos concretizar coisas. Chegados aqui, o que fazemos com isso? Que faço eu da minha vida e que pretendo ainda fazer? Dar um sentido à vida é algo que vive na mente de alguns mas não na mente de todos. Perspectivar o passado e planear o futuro, sabendo de onde viemos mas olhando principalmente para onde nos dirigimos é atribuir significado à nossa existência. E é fundamental. O sentido da vida diverge de pessoa para pessoa, de dia para dia e, por vezes, de hora para hora, pois o que interessa, sobretudo, não é um objectivo geral, único e rígido, mas o significado específico que vamos atribuindo ao longo do tempo e dos acontecimentos e que, naturalmente, se modifica e adapta em função do nosso desenvolvimento pessoal.
Em meados do século passado já tínhamos compreendido que os indivíduos que melhor sobreviveram aos campos de concentração durante a II Guerra Mundial (os que ficaram menos debilitados física e psicologicamente) foram maioritariamente aqueles que se agarraram a uma razão para sobreviver e mantiveram em mente uma motivação forte para o conseguirem. Mais recentemente, investigação médica descobriu que um forte sentido de existência (e o bem-estar subjacente a esse sentimento) se correlaciona com uma melhor saúde física e longevidade. E, por fim, chegou-se à Saúde Mental: aqueles que desenvolvem objectivos para a sua vida e que se empenham e comprometem na sua concretização tornam-se pessoas mais felizes e saudáveis. Dar sentido à nossa vida protege-nos da depressão, da ansiedade e mesmo da deterioração cognitiva. Novas evidências científicas sugerem ainda que é uma capacidade essencial para atenuar os sintomas de doenças degenerativas como o Alzheimer, num estudo que tem permitido concluir que aqueles que em vida atribuem mais significado à sua existência e mantêm presente os seus propósitos estão mais protegidos contra este mal.
São aqueles que não se limitam a viver um dia de cada vez sem pensar no futuro, são os que se sentem bem com o que fizeram da sua vida e com o que planeiam fazer futuramente, aplicando-se na concretização dos sonhos, e ainda os que não desistiram desses objectivos com o passar no tempo nem mesmo perante as adversidades. O vazio existencial é uma morte lenta. Sonhar com esperança, planear com entusiamo, concretizar com perseverança. Viver, e nunca apenas sobreviver. 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O sentido da vida


Não gostamos de falar sobre a morte. Nem sequer de pensar sobre a morte. Também não parece muito confortável ler sobre a morte. Se calhar, depois de a palavra morte surgir tantas vezes, sem eufemismos, muitos interromperão, já aqui, a sua leitura. Quem ama a vida, sofre quando pensa na morte. E teme-a, dada a sua inevitabilidade.
Ganhamos, desde cedo, consciência do fim da vida. Essa consciência conduz-nos a um tipo de angústia muito particular, a angústia existencial, que embora surja logo na infância, se torna mais pensada (logo, mais sentida) a partir da adolescência. À volta desta angústia nascem questões que, com maior ou menor frequência, todos já colocámos: O que há depois da morte? Qual o sentido da vida? Existe Deus? Será, a alma, imortal?
Como lidamos nós com a certeza da nossa finitude?
Para quem, através da fé religiosa, encontra as suas respostas para estas perguntas, torna-se mais fácil viver sem grandes problemas existenciais. É uma forma de dar um sentido à nossa existência e que nos garante o reencontro das almas mesmo depois do adeus.
Para quem estas perguntas ficam sem resposta, para os que não encontram aqui a serenidade necessária, são adoptadas outras maneiras de seguir em frente (sabendo que seguir em frente significa seguir em direcção à morte). Perante a angústia existencial, encontramos um mecanismo de defesa psicológico chamado evitamento, que nos ajuda a “esconder” de nós próprios os nossos maiores receios (e outras emoções). É útil, caso contrário, estaríamos todos mais ocupados a questionar a fragilidade da vida do que a vivê-la. Na sua vertente mais patológica, o mecanismo do evitamento pode assumir a forma de delírio. Aí, quando a dificuldade de pensar a morte se mascara de indiferença ou até de omnipotência, tendemos a “desafiá-la” inconscientemente e, à custa disso, podemos encontrá-la mais cedo.
O mecanismo de evitamento mais saudável é de outra qualidade, é a resignação/aceitação. A maioria de nós apaga a consciência da morte enquanto se entretém com as tarefas da vida. Percebemos que a melhor forma de não temer a morte é dar sentido à vida. É aproveitá-la. É amar e ser amado, crescer, criar vínculos e/ou descendência, produzir obra e deixar um legado. Temos a liberdade de escolher que sentido dar à nossa vida, contudo, de tudo o que podemos escolher, que seja uma escolha de amor. É pelo amor que melhor se ultrapassa a angústia existencial. Pelo estabelecimento de relações significativas e criativas. O amor por nós e pelo outro é o espelho do amor pela vida (que é, no fim de contas, feita da soma de nós e dos outros).

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Diálogos Existenciais


- Um psicólogo famoso disse, certa vez, que algumas pessoas têm tanto medo da dívida da morte que recusam o empréstimo da vida.
- E isso significa o quê? Fale claro!
- Significa que você parece ter tanto medo da morte que se recusa a entrar na vida. É como tivesse medo de gastar a sua vida.

Irving Yalom (Mamãe e o sentido da vida – Histórias de Psicoterapia)