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terça-feira, 4 de julho de 2017

Palavras, Leva-as O Vento


Não levemos as palavras demasiado a sério. O mais verdadeiro mora no silêncio que fica quando elas se calam: a essência de todas as coisas. É nesse tempo e espaço que tudo acontece: ou elas são confirmadas, ou caem no vazio. A capacidade de falar confere ao Homem um poder que mais nenhuma outra espécie animal domina: a capacidade de iludir, de enganar, de confundir, de prometer, de manipular, não só aos outros como a si mesmo.
As palavras são uma construção. Com elas eu posso criar tudo o que eu quiser, incluindo uma realidade à minha medida. As palavras seduzem e conduzem: levam-nos para onde nos querem levar. As palavras vendem: fazem-nos comprar o que pode ou não corresponder ao seu conteúdo. As palavras são feitiços: prendem-nos a situações e circunstâncias que, lúcidos, não desejaríamos. As palavras são mentirosas: escondem verdades não assumidas. As palavras são envolventes: deixam-nos a rodopiar na confusão dos enredos. As palavras são roupas: despem-se.
É sobretudo por causa delas que na política se chega à vitória. Com palavras que, infelizmente, ficam tantas vezes aquém das concretizações. É assim que, em clínica, encontramos pessoas tão perdidas, tão longe da verdade das suas vidas, tão confundidas por tramas mentirosas nas várias relações e circunstâncias à sua volta. Sentem que alguma coisa não está bem nas histórias que contam a si próprios sobre o seu passado, o seu presente ou o seu futuro, mas nem sempre sabem identificar o quê. De que nos valem as palavras quando não batem certo com as vivências? Damos demasiado peso à linguagem e legitimamos pouco o nosso sentir; e talvez aconteça que, quanto mais a espécie evolui em conhecimentos, mais isso aconteça.
É preciso, sobretudo, viver com e na verdade; uma existência livre de ilusões. É preciso escutar o nosso sentir, e assumi-lo. Tapar os ouvidos, ir para longe do “ruído” e pensar. É preciso olharmos de frente o que não é dito, ou seja, o que é (ou não é) feito. É preciso que as palavras das nossas histórias sejam consistentes com as ações que as preenchem. É preciso que sejam sólidas, como uma árvore bem enraizada no seu chão não como um castelo de areia.

Não, não podemos confiar cegamente nas palavras. Não se trata de estar de má fé, trata-se antes de estar acordado e bem desperto. A vida é nossa e temos o dever de olhar por ela, digam lá os outros o que disserem. Não podemos confiar cegamente, não, mas podemos confiar. Basta estarmos atentos. Podemos, inclusivamente, acreditar na sua inocência até prova em contrário. Olhos abertos e pés assentes no chão. Porque a palavra pode, sim, ter valor, consoante a ética, a coragem, a maturidade e o grau de consciência de si e do mundo de quem as usa. E ao encontrarmos pessoas assim, respiraremos fundo ao constatar a diferença e saberemos que podemos fechar os olhos por alguns momentos ao sentir que tudo está certo.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Esta Coisa da Verdade


Verdades esperam-nos, serenamente, ao longo do caminho. Não têm a nossa urgência e por isso deixam-se estar, sabendo que tudo tem um tempo mesmo que esse tempo nos pareça fora de tempo. O nosso tempo é diferente do tempo do Universo. Não se sabe muito bem porquê mas é, quase sempre, assim. Pois então que tarde, mas que chegue, por fim, essa coisa da verdade. Outras vezes ela já se tinha mostrado, em sinais de fumo à beira da estrada, mas nós, distraidamente ou propositadamente, não vemos. Aí o problema da verdade já não é o tempo que ela demora mas sim a nossa dificuldade de olhar de frente para ela. Pois então que se olhe tarde, mas que se olhe, por fim, para essa coisa da verdade.
É que como dizia Thoreau, pensador do séc. XIX: Mais do que amor, do que dinheiro, do que fama, dêem-me a verdade”. E à semelhança de Thoreau, também a psicoterapia e a psicanálise (assim como outras disciplinas que abordam o desenvolvimento pessoal) colocam a verdade acima de todas as outras coisas. Se algo não assenta em verdade, não tem validade. De pouco nos serve um amor se este não é sincero: amor de aparências, amor conformado, exigido ou manipulado, não nos preenche, não nos satisfaz. De pouco nos serve dinheiro se não nos permite viver honestamente: se nos faz viver no medo ou na ilusão da nossa competência. De pouco nos serve a fama que não derive da autenticidade: se o reconhecimento nos chega através de uma falsidade, de uma artimanha ou “personagem”, sentiremos sempre o vazio dessa ficção, de uma história que não é nossa, e sentir-nos-emos sempre pouco amados na nossa essência.

Porém, a espécie humana prefere muitas vezes a superficialidade, preferindo mentiras confortáveis à profundeza da verdade. Mentiras confortáveis sobre a vida, sobre os outros e sobre nós mesmos. As verdades nem sempre nos confortam, pelo contrário, obrigam-nos a mexer: obrigam-nos a olhar as falhas, a trabalhar mais, a continuar à procura, a perder coisas e a seguir em frente. As verdades doem porque fazem crescer, mas se crescer dói, não crescer mata. Viver na mentira, principalmente a interna, mata a vida psíquica porque viver de forma não genuína é o mesmo que não viver, é simular uma vida. É no encontro connosco próprios, na nossa verdade, que se constrói o único caminho que nos realiza, e que assegura que um dia mais tarde, sintamos a paz de ter existido de forma real neste mundo. 

terça-feira, 7 de abril de 2015

Os rebanhos

A história de um rebanho começa sempre no seu pastor. Neste caso, faremos uma viagem à mente enlouquecida de um homem, L. Ron Hubbard, que achou que podia e devia salvar a espécie sabe-se lá do quê (dèja vu?). Se calhar queria salvar-se a si mesmo e de si mesmo mas isso não podia saber ou aceitar. Então parece que pessoas assim constroem estes impérios de devaneios na exacta medida do seu desespero.
Depois o pastor morreu e outro o substituiu mas o rebanho permaneceu. 
Chamamos-lhe rebanho quando deixa de existir a possibilidade de pensamento e/ou divergência. Ou seja, o que merece mais atenção é que vamos encontrando ao longo da História certos sistemas de crenças que capturam emocionalmente e fazem das pessoas aquilo a que poderíamos chamar reféns-de-livre-vontade. É aquilo a que chamamos uma lavagem cerebral. E isto repete-se, em maior ou menor escala. Mudam as circunstâncias e os ideais vendidos mas repetem-se os mecanismos psicológicos que prendem (bem como os que facilitam deixar-se prender). De um lado estamos no campo da manipulação. Da mentira psicótica. Do poder, controlo e domínio do outro. Estamos no campo da doutrinação. Estamos no campo da loucura que infelizmente se propaga quando encontra terreno fértil — a mentira mágica e omnipotente pega bem quando encontra uma mente que procura ser guiada e ver-se livre da responsabilidade do rumo da sua própria vida; mente onde habita uma alma perdida em busca de um sentido para a sua vida, seguramente frágil e carente de uma identidade, talvez também de afecto, reconhecimento e pertença. Este é o outro lado. Traduz-se num gesto que podia ser um encolher de ombros que finalmente encontra uma mão aparentemente sólida a que se agarrar e que repare o narcisismo danificado fazendo-o sentir parte de algo "maior", ainda que o preço seja elevado. Depois é só caminhar com o rebanho e é um pequeno passo até permitir que frutifiquem as ilusões e que se permitam os abusos, a si e aos seus, sem questionar, sem querer ver. Se perguntamos às pessoas porque permanecem ali ou porque fazem o que fazem a resposta será papagueada e, em última análise, não saberão sequer responder. Está aquém do pensamento.

E assim, uma e outra vez regressamos ao conceito de “banalidade do mal” de Hannah Arendt para que não sobrem dúvidas que a falta de capacidade crítica, de um “aparelho pensante” (como lhe chama Coimbra de Matos) é o pior inimigo do Homem. Como diz, no fim do documentário, um dos entrevistados: “If we believe in something we don’t really have to think for ourselves, do we?”.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O Engano da Perfeição


Querer ser e fazer melhor é um desejo que funciona como motor do crescimento humano mas a busca da perfeição é uma atitude de natureza totalmente diferente. O perfeccionismo é uma forma rígida e insatisfeita de existir, que encara com severidade e intransigência as falhas ou as dificuldades (as próprias e, consequentemente, as dos outros). Nem sempre é uma escolha pessoal. Os "perfeccionistas" são, vulgarmente, aqueles que mais sofrem. Vivem aprisionados num rigor prepotente, que não admite nada menos que a excelência, mesmo quando sabemos que tudo tem o seu defeito, tudo tem o seu senão. É, bem vistas as coisas, uma atitude resistente à condição humana, condição de imperfeição, já que só o divino cumpre, eventualmente, o ideal de perfeição. Logo, revela alguma omnipotência da nossa parte. Quem pensamos que somos para ambicionar a perfeição? E mais, será que a perfeição nos faria mais felizes? Com certeza que não é por aí. O bem-estar é um estado de espírito independente do grau de "perfeição" de cada um. É por isso que entre o perfeccionismo e o desejo de querer ser melhor há todo um universo de moderação e aceitação. Aceitação de nós próprios, em primeiro lugar. Pois a busca da perfeição é, em primeiro lugar, espelho da falta de amor que temos por nós e que nos leva em busca de um ideal a que queremos corresponder. Mais amor, por favor. Só em amor podemos evoluir de forma bonita e natural.

terça-feira, 15 de abril de 2014