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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Altruísmo, Egoísmo e Amor-Próprio


A nossa cultura, de forte tradição judaico-cristã, apela ao amor ao próximo. Mas se amar os outros é uma virtude, tantas vezes se insinuou que amar-se a si mesmo seria um “pecado”. Aliás, Calvino referia-se ao amor-próprio como se fosse uma “peste”. Fazia-se então, mais do que hoje, o elogio da capacidade de sacrifício. Partia-se do ponto de vista que o amor pelo outro e o amor por nós mesmos são dois tipos de amor que se excluem mutuamente. Hoje sabemos que o amor pelo outro não pode sequer existir sem que, primeiro e/ou simultaneamente, exista amor-próprio. 
 O amor pelo outro implica o respeito pelo ser humano em geral, e eu sou tão ser humano quanto todos os outros. Repare-se que mesmo a Bíblia não nos ensinou a colocar o outro como prioridade, mas sim em igualdade, pois diz-nos “ama o próximo como a ti mesmo”. O respeito pela nossa integridade e o amor pelo nosso “eu” não podem ser dissociados do respeito e amor pelos outros seres. Assim, as atitudes de amor (por nós e pelo outro) não são uma disjunção (ou uma ou outra) mas, sim, uma conjunção (uma e outra).
Apesar de todo este conhecimento teórico, é com facilidade que, no dia-a-dia, ainda se apregoa como grande virtude de carácter o facto de se "pensar mais nos outros do que em si mesmo". É uma tendência enraizada da dita cultura, que conduz a uma incondicional admiração do chamado “altruísmo” (dedicação ao outro) e da instituída confusão entre amor-próprio e egoísmo (dedicação a si mesmo). Quanto ao altruísmo, entenda-se que um sujeito cujo sentido da vida é viver para os outros, não pode viver em amor: a negligência de si mesmo, resulta, mais cedo ou mais tarde, numa hostilidade escondida e/ou inconsciente para com o mundo ― zanga, amargura, frustração e sensação de injustiça/défice ― dados os sucessivos desrespeitos a que a pessoa se sujeita. O esvaziar-se de si não pode ser considerado uma coisa boa. Da mesma forma, o encher-se de si e só de si, aquilo a que chamamos egoísmo, não se pode confundir com amor-próprio. Egoísta é aquele que apenas se interessa por si mesmo, que quer tudo para si e que não retira qualquer prazer do acto de dar, pois apenas pretende receber. E o segredo está no facto de que o sujeito egoísta, ao contrário do que possa parecer, não se ama a si mesmo: está profundamente necessitado, como tal, pouco tem a oferecer. Assim, egoísmo e amor-próprio, não só não são nada semelhantes, como são profundamente distintos e mesmo contraditórios. Torna-se então fácil distinguir aquele que se ama (pois também ama o outro mas sempre com equilíbrio e com balizas) daquele que, precisamente por não se amar, não pode nem consegue amar mais ninguém.
Queiramos ou não, nós somos e devemos ser o nosso centro. E só em paz com isso, capazes de nos amarmos, seremos capazes de amar o próximo. Mães mais felizes são melhores mães. Filhos mais felizes são melhores filhos. Homens e mulheres mais felizes são melhores amantes. Que cada um se respeite e se ame para, de barriga cheia, possamos amar o outro e dedicar-lhe o melhor de nós, sempre porque queremos e não porque devemos.  

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Da necessidade ao desejo


Há coisas que precisamos e das quais dependemos (necessidades) e coisas que queremos porque assim escolhemos (desejos). A necessidade diz respeito a algo muito básico, mais primário na nossa condição humana. Fala-nos de algo que nem se sabe bem porque acontece: só se sabe que se precisa e que é assim, queira-se ou não se queira. Assim, quando a necessidade não é satisfeita, permanece, sob a forma de uma falha básica dentro de nós. Já o desejo é de outra ordem. O desejo é secundário, na medida em que chega depois. Pressupõe algo que não é absolutamente fundamental mas que representa um valor acrescentado à nossa vida. É algo que foi pensado, sonhado, de forma mais consciente, e que não nos é imposto de dentro.
De uma forma geral, o caminho do desenvolvimento humano faz-se evoluindo da necessidade para o desejo. Enquanto bebés, temos muitas necessidades, mas não desejos, no sentido referido de escolhas pensadas, conscientes. Chegamos a “seres desejantes” à medida que crescemos e se existiu possibilidade de atender suficientemente às necessidades. Caso contrário, ficamos bloqueados ou suspensos na carência primária, que tornará a busca dessa satisfação uma prioridade para nós. O caminho de amadurecimento do Eu não acontece se há privação nas necessidades mais fundamentais.
Então a necessidade coloca-nos no campo das dependências, enquanto o desejo nos fala de escolhas livres. Eu só desejo quando já não preciso, até lá, necessito e dependo disso, tantas vezes, para minha sobrevivência. Há uma fome daquilo que me falta que ainda me esmaga. E enquanto assim for, estou no campo da necessidade, aquém do desejo. Se nunca recebi afecto, estou imerso na sua carência e ele representa, naturalmente, uma busca incessante. Mas se recebi afecto suficiente, consigo aguentar melhor a sua eventual ausência, passando de uma questão de sobrevivência a um desejo que está por realizar.
Assim, no amor romântico, a diferença entre "preciso de ti" e "quero-te" é uma diferença que corresponde aos quilómetros de amadurecimento que vão da necessidade ao desejo. É poético dizer a alguém "preciso de ti". A mistura entre necessidade e desejo, característica na paixão, alimenta as artes desde sempre, apresentando o amor romântico como uma coisa quase visceral. Mas o amor homem-mulher, amor erótico de seu nome, corresponde, em maior escala, a um desejo e não a uma necessidade. Eu estou contigo não porque preciso de ti mas sim porque te quero. Porque te escolhi. Não morro se fores embora mas sou muito mais feliz contigo.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O Engano da Perfeição


Querer ser e fazer melhor é um desejo que funciona como motor do crescimento humano mas a busca da perfeição é uma atitude de natureza totalmente diferente. O perfeccionismo é uma forma rígida e insatisfeita de existir, que encara com severidade e intransigência as falhas ou as dificuldades (as próprias e, consequentemente, as dos outros). Nem sempre é uma escolha pessoal. Os "perfeccionistas" são, vulgarmente, aqueles que mais sofrem. Vivem aprisionados num rigor prepotente, que não admite nada menos que a excelência, mesmo quando sabemos que tudo tem o seu defeito, tudo tem o seu senão. É, bem vistas as coisas, uma atitude resistente à condição humana, condição de imperfeição, já que só o divino cumpre, eventualmente, o ideal de perfeição. Logo, revela alguma omnipotência da nossa parte. Quem pensamos que somos para ambicionar a perfeição? E mais, será que a perfeição nos faria mais felizes? Com certeza que não é por aí. O bem-estar é um estado de espírito independente do grau de "perfeição" de cada um. É por isso que entre o perfeccionismo e o desejo de querer ser melhor há todo um universo de moderação e aceitação. Aceitação de nós próprios, em primeiro lugar. Pois a busca da perfeição é, em primeiro lugar, espelho da falta de amor que temos por nós e que nos leva em busca de um ideal a que queremos corresponder. Mais amor, por favor. Só em amor podemos evoluir de forma bonita e natural.

segunda-feira, 24 de março de 2014

O Bicho Verde


Há três conceitos que por vezes se confundem: ciúme, cobiça e inveja. Mas ciúme, é não querer perder o que se tem, cobiça é querer o que o outro tem, e inveja é não querer que o outro tenha. Esta deriva do latim invidia, que quer dizer “olhar com malícia”, o que explica a crença popular do “mau-olhado”. Traduz-se como: “eu até posso nem ter nada desde que tu também não tenhas.” 
Dos três, talvez a inveja seja o mais difícil de admitir. É difícil de admitir porque remete para um desejo que não tem directamente relação comigo ou com algo eu gostaria de manter (ciúme) ou ganhar (cobiça), mas sim com aquilo que eu desejo que o outro perca. Talvez a inveja seja profundamente difícil de admitir porque a maioria tem alguma vergonha de reconhecer que retira prazer da desgraça alheia. Além disso, a cultura judaico-cristã penaliza severamente a inveja. Considera-a um pecado capital, embora seja talvez o único pecado que na realidade é totalmente inútil, ao contrário da gula ou da luxúria. Com a gula e com a luxúria eu tenho algum tipo de prazer. Com a inveja, pelo contrário, apesar de poder sentir um gozo imediato perante as perdas dos outros, na maioria das vezes, isto é, no dia-a-dia, sinto ódio das suas vitórias. Não só das conquistas alheias se tem inveja pois, por vezes, a simples paz de espírito ou serenidade de alguém pode ser motivo de inveja, mesmo que não possua nada mais que isso.
Porque se inveja, então? Há quem nem o saiba, porque a inveja pode estar mais ou menos consciente (creio que muitas pessoas escondem habilidosamente de si mesmas que invejam os outros), mas é alimentada por sentimentos de inferioridade e insegurança, sensação de abandono ou injustiça, sensação de incapacidade, vazio interior, frustração, como se fossem afluentes de um grande rio composto de egoísmo, raiva e ódio, em diferentes medidas. Por vezes, é tão dissimulada ou mesmo inconsciente que nem é expressada de forma directa ou evidente, contudo, sentimos um mal-estar em certa presença, um olhar estranho ou um tom de voz incoerente. Também aparece sob a forma de bisbilhotices, críticas (normalmente destrutivas) ou conselhos traiçoeiros. 
Quem inveja, sofre, mesmo que não o saiba ainda. É uma espécie de amargura invasiva, qual veneno que corre nas veias, e possui um carácter destrutivo, não para os outros mas principalmente para o próprio, que azeda, mirra e definha. Admitir a inveja será uma confissão de inferioridade pois o mecanismo responsável é a comparação sistemática entre a pessoa e os outros, comparação, essa, em que a pessoa se sente sempre em plano inferior. No fundo, quanto menos me basto a mim próprio, mais olho para os outros. Quanto menos satisfeito estou com a minha vida, mais observo a vida dos outros. Logo, quanto maior for o vazio, maior a inveja e por isso o melhor remédio contra ela é ter uma vida cheia de nós próprios, construir um destino que nos preencha e sermos plenos de amor-próprio, pois só quem se ama a si mesmo poderá amar o próximo.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Pedrinha (Da Liberdade de Ser)


“A análise é árdua e faz sofrer. Mas quando se está desmoronando sob o peso das palavras recalcadas, das condutas obrigatórias, das aparências a serem salvas, quando a imagem que se tem de si mesmo torna-se insuportável, o remédio é esse. Pelo menos, eu o experimentei (...) Não mais sentir vergonha de si mesmo é a realização da liberdade (…). Isso é o que uma psicanálise bem conduzida ensina aos que lhe pedem socorro”.


Françoise Giroud