quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Umbigos




          O narcísico, como o autista e o psicótico – não fossem todos eles egocêntricos –, julgando ver o mundo, não vê senão a sua barriga. Para ele, o centro do mundo é o próprio umbigo; pelos outros não se interessa minimamente, não o preocupam nem o ocupam, é como se não existissem – a não ser na medida em que lhe possam ser úteis  (o seu investimento objectal é apenas funcional ou instrumental – o outro é usado como um instrumento, para realizar uma função de que não dispõe ou é débil). Centra-se em si mesmo, gravita à volta da sua nulidade, pensando – talvez – que com isso pode acender o pavio da sua humanidade extinta. Sim, porque a humanidade gera-se no interesse pelos outros humanos; de contrário, não existe: apaga-se ou não chega a nascer. 
        Mas quem disse “nascer”   “existir”? Responde-se: nasce-se no “útero mental” do objecto, no pensamento e no afecto de quem nos deseja, ama e sonha, de quem gosta e aposta em nós; vive-se, existe-se, se esse investimento em nós persiste.
        A tragédia da desordem mental, seja ela a doença com sintomas ou a perturbação da personalidade com traços patológicos, é esta: a falta ou a perda desse “ninho da alma”, dessa “Terra Prometida”.

António Coimbra de Matos (in reflexão “Princípio e Continuação”)

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