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quinta-feira, 14 de julho de 2016

Co-Dependência


A uma, conheci-a após o falecimento do marido. Tinha passado vinte anos a cuidar dele, um alcoólico em espiral destrutiva despindo-o quando não era capaz, deitando-o, ou até levantando-o do chão, com a força que não tinha. A outra, conheci-lhe a história de outra maneira; conta ela que sempre viveu para a mãe mulher deprimida, cocainómana, fazendo vigílias à sua cabeceira nos dias em que esta não saía da cama ou indo buscar o “produto” quando era necessário.
Há milhares de histórias assim. São histórias de pessoas cuja vida gira não em torno de si e dos seus sonhos mas em torno da disfuncionalidade de um outro. Pode parecer preocupação ou altruísmo, mas quando nos destrói a possibilidade de viver a nossa vida, é preciso parar: o que muitas vezes não acontece. Há ligações em que não há limites, nem dum lado, nem do outro. Então, há quem chame, a este funcionamento, a co-dependência, isto é, estar emocionalmente dependente (no sentido de excessivamente ligado) desse outro.
É frequente acontecer em famílias em que um dos elementos tem consumos de substâncias (drogas ou álcool); aí, o indivíduo co-dependente emerge como o responsável pela “salvação” do seu outro significativo, o que tantas vezes se revela uma expectativa pouco realista ao longo do tempo. Mas a co-dependência não aparece apenas em torno do abuso de substâncias químicas. Por exemplo, se um dos meus pais é infantil, irresponsável, gasta todo o dinheiro que ganha, e eu sinto que tenho que tomar conta dele, controlar os seus passos, salvá-lo de si mesmo isso é ser co-dependente. Se o meu companheiro está permanentemente insatisfeito e infeliz e eu vivo para tentar animá-lo ou gratificá-lo, isso é co-dependência. No fundo, é deixar que a vida do outro se torne a minha vida, que o problema do outro se torne o meu problema e, muitas vezes, sem que a pessoa em questão faça alguma coisa para o resolver.
De uma forma geral, podemos enumerar assim os pontos-chave da problemática da co-dependência (ou dependência afectiva): a) Sentir-se responsável por outras pessoas – pelos sentimentos, pensamentos, acções, escolhas, desejos, necessidades, bem-estar, e até pelo seu destino; b) Sentir ansiedade, pena e culpa quando a outra pessoa tem um problema; c) Sentir-se compelido – quase forçado – a ajudar a resolver o problema; d) Ter raiva quando a nossa ajuda não é eficiente; e) Comprometer-se demais; f) Culpar o outro pela situação em que estamos; g) Achar que a outra pessoa está a levar-nos à loucura; h) Sentir raiva, sentir-se vítima, como se não tivesse liberdade de escolha.
Claro está que nem todas as forma de apoio e compreensão ­­­são problemáticas, porém, é preciso perceber se nos tornámos os principais responsáveis por quem não quer tomar conta de si mesmo. Esse é um lugar de grande sofrimento e que também não ajuda a resolver o comportamento patológico da pessoa-problema.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

A Adição


Quando pensamos em dependências associamos frequentemente à toxicodependência, talvez a mais debatida nas últimas décadas. Mas aos poucos fomos percebendo outras manifestações de dependência, expressas no álcool, jogo, alimentos ou sexo. Hoje estendemos este conceito às compras, aos jogos, à internet e qualquer outro comportamento aparentemente fora do controlo do indivíduo e/ou que limite e prejudique a sua vida quotidiana.
Chamamos-lhes dependências, adições (ou comportamentos aditivos), e entendemos por isto quaisquer acções que o sujeito realize de forma compulsiva, com base num impulso incontrolável que faz com que não sossegue enquanto não o concretiza (independentemente de “em quê” irá aplicar esse impulso). Esta problemática acarreta sempre uma diminuição ou perda de liberdade, pois é-se escravo da compulsão. Sendo dominado por estes impulsos, o desejo de consumir (seja lá o que for) torna-se frequentemente mais importante do que a relação com os outros e, inclusivamente, do que os próprios interesses e necessidades. É possível que esta compulsão conduza à ruína da vida familiar, social, profissional ou financeira, no entanto, também há comportamentos aditivos mais mascarados e sem uma forma de prejuízo tão visível a olho nu.
Os comportamentos aditivos são comportamentos que visam a procura de prazer imediato. Por norma procura-se com eles preencher um vazio interno e dissipar algum tipo de mal-estar psicológico, mais ou menos leve e muitas vezes inconsciente. Contudo, sendo uma solução enganosa, muito rapidamente o prazer se dissipa e torna a sentir-se vazio ou mal-estar, repetindo-se o comportamento em busca de novo alívio. No caso da toxicodependência e do alcoolismo é amplamente conhecido o efeito dos agentes químicos causadores de dependência (física) mas a compreensão dos mecanismos aditivos (dependência psicológica) exige sobretudo a compreensão das “falhas afectivas” subjacentes.
A grande maioria dos autores que estudam as perturbações do comportamento aditivo (e das dependências no geral) falam de uma espécie de falha no desenvolvimento afectivo mais precoce, normalmente relacionada com dificuldades no processo primário de separação entre o bebé e a sua mãe (e consequente dificuldade de individuação do sujeito - que, no limite, todos temos em maior ou menor grau).  Falam ainda de uma falha na função paterna (o pai “separa” a mãe do seu bebé introduzindo-se como um terceiro na relação de dependência primordial). Não se concretizando adequadamente o processo de separação e autonomização (talvez o processo mais delicado na vida do ser humano), dá-se, inconscientemente, uma busca externa, compulsiva, do objecto perdido, sob a forma de adição.

É, assim, importante perceber de que é o indivíduo está à procura e, simultaneamente, do que é que está a fugir, pois a adição serve também para obscurecer e manter afastadas da consciência as experiências dolorosas. Somos peritos em manobras de ilusionismo para negar a nossa própria dor, contudo, estando lá, cedo ou tarde se manifesta.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Fala-me de amor


O amor confunde-se. Confunde-se com tantas outras “coisas” sorrateiras. Ou melhor, as pessoas confundem o amor. É que há amores que não são mais do que uma ilusão desse sentimento, quando o que realmente sustenta a ligação são emoções de uma outra natureza e qualidade. Chamamos-lhe amor porque não sabemos que nome lhe dar. Chamamos-lhe amor, mas o engano não é por mal, somos guiados por convicção profunda de que amor será.
Mas em boa verdade não lhe posso chamar amor só porque me sinto tão especial ali, nesse recanto da vida de alguém. Não lhe posso chamar amor apenas porque quero/preciso ser amado quando no fim de contas amar pressupõe que, em primeiro lugar, amor é o meu olhar sobre o outro (que não vive sempre necessariamente na simetria do olhar que recai sobre mim). Não lhe posso chamar amor quando estou ali apenas porque quero/preciso de não me sentir só e porque um colinho sabe bem. Quando assim é, na demanda para colmatar uma falha original e respectiva fome de afecto, percebemos que afinal qualquer tampa pode servir na nossa panela desde que lá dentro fique quentinho e ferva. O amor será antes aquela única tampinha para a minha panela.
Também não podemos chamar-lhe amor quando andamos desesperados a tentar transformar alguém que “amamos” para nosso gáudio. É: “se isto, isto e isto mudasse, então eu seria feliz”. Se não amo um ser humano com tudo aquilo que faz dele único e especial, como posso falar de amor? É precisamente naquilo que nos distingue de todo e qualquer outro ser deste mundo que reside o amor. Nos pequenos detalhes, naquilo que frequentemente nem sequer se define ou explica, naquilo que é bom e particularmente naquilo que é menos bom. É amar o “pacote” inteiro. É o amar, muitas vezes, “apesar de”.
Se esse meu olhar de encanto, que distingue uma pessoa de milhões de outras pessoas, será ou não correspondido na mesma direcção e medida, isso é uma outra história. Porque para além de toda esta triagem de afectos, é ainda preciso encontrar do outro lado alguém que não esteja igualmente confundido e que não nos enrede em mais uma ilusão, chamando também amor a outra coisa qualquer muito parecida (jurando-o com pensamentos, palavras, actos e omissões).

Entretanto, em jeito de rodapé, se não der para desatar o nó da confusão, é melhor andar confundido do que não sentir absolutamente nada e não nos ligarmos a ninguém. Somos seres relacionais e, assim sendo, pior do que uma relação assente em confusão será deixar de acreditar/investir no amor e nas pessoas. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Eu, o Tu e o Nós



Quando crescemos em ambientes de pouca afectividade ou fomos insuficientemente cuidados, tendemos a crescer “coxos”, ou seja, fica a faltar-nos uma estrutura de confiança e amor-próprio suficientes para sermos emocionalmente autónomos. Como consequência, facilmente procuraremos alguém que cuide de nós enquanto adultos, ainda que este movimento seja inconsciente. Por vezes, se o dano for ligeiro, pode encontrar-se um parceiro suficientemente saudável que nos permita sarar quase espontaneamente as falhas das nossas relações precoces. Porém, se o dano for profundo, não só ninguém poderá reparar o que está para trás (nem tem essa obrigação) como nós próprios seremos obstáculo ao bom funcionamento da relação, consoante a sofreguidão com que nos grudamos ao outro.
É vulgar encontrar relações em que um elemento funciona como pai/mãe/bengala/penso-rápido (e por aí fora) do outro. E há muito frequentemente confusão entre isso e algo muito belo (e bem diferente) que se chama “amor”. Podemos então falar de dependência emocional, definindo-a como um padrão persistente de necessidades emocionais insatisfeitas que se tentam suprir de uma forma desadaptada com outras pessoas. Quando precisamos do parceiro para nos sentirmos um ser humano completo, quando toda a nossa vida gira em função de uma relação amorosa, quando não há nada no mundo que mais importe do que isso, é preciso parar para pensar. É aquilo que se entende por um amor fusionado, em que não se percebe onde começa um nem onde acaba o outro. Comunhão, sim, fusão, não.

O que é ser emocionalmente autónomo? Não é não precisar de ninguém pois isso não existe. O ser humano é um ser relacional e a escolha de um parceiro faz parte da condição humana, o lugar onde se coloca o parceiro é que é digno de análise. A relação mais saudável é aquela em que duas pessoas adultas se sentem, per si, completas, mas que, quando se juntam, se transbordam mutuamente e criam algo novo. É poder existir no mundo independentemente da presença constante de alguém ao meu lado. É poder funcionar no dia-a-dia com entusiasmo e confiança mesmo quando estou sozinho. É amar-me. É possuir uma existência, personalidade, vontade, gostos e ideais próprios, e respeitá-los, assim como respeitar/aceitar genuinamente que o meu parceiro possa ser diferente de mim em todos estes aspectos. É permitir que a relação seja um sistema aberto e nunca um sistema fechado sobre si mesmo (senão a relação satura e, sem oxigénio, morre). É existir um Eu, reconhecer um Tu (diferente e separado do Eu), e sentir o Nós como o produto da soma de ambos.