Fala-se
de solidão. Ela já foi cantada, declamada e narrada por um sem fim de artistas mas,
fundamentalmente, é sentida e vivida em algum momento por nós, seres pensantes
(e relacionais). Pode durar esse exacto momento, mas pode, também, durar uma
vida inteira. Embora a noção de solidão tenha existido desde sempre (como condição
intrínseca do ser humano), considera-se que há também uma vertente social que
tem lugar neste “debate”. Assim, para compreender melhor a solidão, parece indispensável
uma articulação entre a dimensão psicológica e essa dimensão social do
conceito.
Entende-se
que um dos rostos da modernidade é a valorização da autonomia individual. Ser
auto-suficiente, ser independente, ser livre, são ideais que, na ausência de
equilíbrio, conduziram à exacerbação do individualismo. Já na obra “A Cultura
do Narcisismo” (1983), Christopher Lasch falou do modo como as sociedades
capitalistas se estruturaram, material e simbolicamente, segunda essa
preocupação intensa com a realização individual (estreitamente relacionada com
o universo do consumo), em detrimento dos ideais colectivos. Ocorreu, gradualmente,
uma centralização no Eu e um desinvestimento nas relações com os outros. Como
dado significativo, recordemos que, consoante os países (do primeiro mundo), há
estatísticas que situam entre os 25% e os 40% a percentagem de indivíduos que
moram sozinhos.
Na
verdade, muitos ainda não desistiram de tentar incluir no seu projecto de vida
as ligações aos outros, mas vêem-se confrontados com relações interpessoais
difíceis e complexas, sentindo-se frequentemente tentados/obrigados a recuar. Evidentemente,
se inseridos numa sociedade esquecida de comportamentos de tolerância, que desvalorizou
os afectos e as relações humanas, os indivíduos vivem em conflito permanente
com o outro. E aí, acontece que o ser humano se sente de novo só, embora
acompanhado. Fica uma pergunta: o “mal” estará realmente no outro, ou seremos
todos nós também um produto da modernidade, acolhendo já inconscientemente essa
incapacidade?
Sozinhos
e sós, ou acompanhados e sós, são solidões distintas, que muitas vezes se
fundem numa só, esmagadora. Se a solidão representa o sentimento quotidiano da
nossa vida, talvez ajude verdadeiramente perceber, com ajuda técnica, qual a
origem desse sentimento dentro de nós. E, em tempos de crise, talvez possamos
recordar, por fim, que o afecto e as ligações humanas serão sempre os melhores ingredientes
da felicidade.
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