domingo, 27 de fevereiro de 2011

Pedrinha (Textos de Amor)


(...) Ah, o amor. O amor faz-se se houver tempo. O amor faz-se aos bocadinhos e só se convier. O amor faz-se na pausa para o café. O amor é uma aberração. O amor mete medo. Chega-te para lá com esse «adoro-te»! Não me venhas com esse «gosto de ti»! Cai-nos a PIDE do amor em cima, és apanhado e vais dentro. O amor quer-se preso pela trela. O amor quer-se de castigo no canto da sala. Pouca conversa, pouco barulho. O amor custa. Perde-se tempo e dinheiro. O amor está fora de moda. Não condiz com as batas brancas da biologia nem com os botões coloridos da tecnologia nem com a cor do papel dos contratos pré-nupciais. O amor é para meninos, ser-se crescido é outra coisa. O amor foi-nos confiscado.
Não contem comigo. Eu não tenho jeito nenhum para ser a pessoa que todos esperam. Não tenho competência para ficar a ver o amor passar sem correr atrás. Compreendam: o amor é a minha campainha de Pavlov. Estímulo-resposta, como me foi explicado na escola de fazer profissionais. Eu não tenho jeito para telefonemas nem para passeios em centros comerciais. Não contem comigo para ser cão que ladra mas não morde. Não contem comigo para não dizer o que não é suposto. Para cancelar beijos, inventar pretextos, sufocar euforias, adiar alegrias. Para vos escutar em silêncio. Para vos poupar ao meu amor, não contem comigo. Compreendam: eu não me posso comprometer.

Susana Cristina Marques Santos, in 'Textos de Amor – Museu Nacional da Imprensa'

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Histórias de Pinóquios


Desde sempre, na História Natural, que os animais possuidores de mecanismos de camuflagem ou sistemas de engano foram beneficiados na luta pela sobrevivência. A selecção natural tem privilegiado aqueles que sabem enganar ou iludir os inimigos e já Darwin, em 1859, apontou a vantagem concedida por essa capacidade (Coelho, 2008). Nos seres humanos, a capacidade de enganar os outros também tem sido alvo de estudo. A mentira é um dos conceitos mais curiosos e contudo, por abraçar questões de natureza existencial, os seus contornos são demasiado indefinidos no que respeita aos mecanismos que se escondem na sua origem.
Nas crianças pequenas é frequente observarmos o uso da mentira. Recorrer-lhe está geralmente ainda associado ao mundo da fantasia (aspecto importante do desenvolvimento infantil) ou, também, ao evitamento de castigos e reprimendas (comparável a um mecanismo de sobrevivência do mundo animal). Seguidamente, ao longo do seu processo de desenvolvimento moral, a criança vai construindo as noções de bem e de mal, bem como integrará cada vez melhor o conceito de justiça, compreendendo o lugar da mentira no sistema social e aprendendo a assumir os erros. Por aprendizagem directa (reforço dos comportamentos bons e punição dos comportamentos maus), e por aprendizagem social (através das relações com os adultos e na escola, com os seus pares) o recurso à mentira vai sendo abandonado. Tudo normal aqui.
Encontrarmos adultos que operam segundo mecanismos semelhantes, recorrendo a mentiras fantasiadas, pelo contrário, pode considerar-se potencialmente patológico. De facto, o tipo de mentira mais interessante designa-se mentira patológica e ocorre quando um indivíduo repetida e compulsivamente conta histórias falsas. Mas será um acto consciente, ou há verdadeiramente uma incapacidade de controlar a mentira? Reconhecidos psiquiatras têm discordado neste ponto ao longo dos tempos, alguns acreditando que nestes indivíduos há uma deturpação da realidade, outros defendendo que a mentira patológica é um acto intencional.
Tem sido proposto que o Eu do mentiroso patológico esteja fixado a um nível muito infantil. Noutros casos, conhecem-se situações psiquiátricas associadas ao uso da mentira patológica (em personalidades borderline, anti-sociais, histriónicas ou narcísicas). Também a confabulação (falsificação das memórias, para preencher lacunas) pode explicar alguns casos. Cada “mentiroso” pode esconder uma motivação/impulso diferente para uma mentira. Seguramente, compreendemos que não serão mais felizes por isso, muito pelo contrário. Um olhar clínico sobre eles permite-nos tentar compreender, antes de julgar.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Os desafios da meia-idade



No desenvolvimento humano, todas as etapas do ciclo de vida implicam desafios específicos. Como tal, não só durante a infância e adolescência se processam grandes movimentos e consequentes mudanças. Também ao atingir a meia-idade surgem grandes e novos desafios. A percepção do envelhecimento, a relação conjugal revisitada, os filhos tornados adultos e a competição com pessoas mais jovens no mercado do trabalho podem conduzir à chamada “crise da meia-idade”. Assim, como em todas as restantes etapas da vida, o bem-estar psicológico está em muito ligado à capacidade de enfrentar e resolver com sucesso esses mesmos desafios.
O primeiro desafio, aceitar o envelhecimento do corpo. Por norma, esta tarefa de aceitação tem mais impacto no ser feminino (fomentada pelo peso do estigma social da perfeição do corpo feminino e boicotada pelas transformações associadas à realidade da menopausa). No homem, o envelhecimento do corpo é encarado de forma mais tolerante mas impõe-se igualmente uma dolorosa consciencialização do mesmo nos casos em que se possa associar ao declínio do funcionamento sexual. Esta aceitação implica a consciência de que o corpo não volta a ser o que foi um dia, percebendo, porém, que o corpo é apenas uma pequena parte do nosso ser e que, por isso, vale o que vale. Quanto ao declínio do funcionamento sexual, na maioria dos casos o problema é de origem ansiosa, muito mais do que fisiológica. E no fundo, quanto maior a pressão para nos mantermos excessivamente jovens, maior tristeza e maior irritabilidade sentiremos e mais dificilmente o seremos.
O segundo desafio, lidar com a limitação do tempo e com a ideia de morte. Embora estas questões possam surgir muito mais cedo em certas pessoas, nesta etapa da vida é mais vulgar que apareçam alguns receios mais prementes relativos ao tempo que nos resta, bem como algumas angústias associadas a uma maior proximidade do momento da morte. Porém, seremos tão mais livres disso quanto mais realizados nos sentirmos com a nossa vida  presente, bem como com aquilo que construímos até à data. Seremos ainda mais livres disso se os nossos dias forem bem vividos e se nos sentirmos amados e úteis. 
O terceiro desafio, manter/aprofundar a intimidade. Chegado o momento de autonomização dos filhos por excelência, impera um novo olhar sobre a vida conjugal. De facto, os maiores índices de divórcio acontecem nesta fase, pois após tantos anos a olhar pelos descendentes e a cuidar dos objectivos familiares nem sempre os casais conseguem ir olhando um para o outro da forma mais adequada. E por fim, quando marido e mulher se olham novamente a sós, sem a presença de um terceiro, encontram tantas vezes um certo (ou mesmo enorme) desconforto. Obrigados a conviver sem mediação, muitas vezes desistem da aventura da redescoberta do outro antes de sequer tentar, e logo no preciso momento em que recuperam a intimidade perdida ao longo dos anos.
O quarto desafio, transformar a relação com os filhos. O desafio da parentalidade está em constante transformação. De miúdos a graúdos, as exigência dos filhos para com os pais (e vice-versa) está sempre em transformação. Esta transformação não deve acontecer com nostalgia, mas sim com agrado, energia e positivismo perante um acontecimento natural do ciclo de vida. Se os filhos estão a crescer, é porque fomos bons pais. E assim torna-se fundamental aprender a ler nas entrelinhas o que os filhos pedem de nós, quais são as suas reais necessidades, para nos ajustarmos a elas com bom senso.
O quinto desafio, actualizar-se profissionalmente. Perceber que é fabuloso poder aliar a sabedoria e experiência da idade a todas as ferramentas de renovação de conhecimentos que hoje temos ao nosso dispor. Por mais que os jovens, sem dúvida, mereçam oportunidades, na meia-idade ainda há trabalho a fazer. A reforma vem mais tarde.
O sexto desafio, tornar-se avô/avó. Consequência mais ou menos directa do quarto desafio, há que descobrir os prazeres de poder mimar sem tanta pressão para educar (ou educando sem ansiedade, pelo menos) e de poder acrescentar um novo papel à nossa vida, que nos proporcionará descobertas maravilhosas, até sobre nós próprios.  
O sétimo desafio, cuidar dos mais velhos, os pais dos pais. Há frequentemente uma geração anterior que precisa de ternura e cuidado. Nem sempre é fácil inverter os papéis. Em caso de doença, falamos de um apoio muito exigente e desgastante.
Verifica-se que a meia-idade é um período fértil na procura de aconselhamento ou de uma psicoterapia. Poder contar com ajuda para se redescobrir, para reinvestir no casamento ou mesmo para ganhar coragem para mudar tudo é uma atitude de cuidado e responsabilidade. Sem nunca esquecer que provavelmente esta será a fase mais adequada para usufruir de alguma qualidade de vida e para se permitir investir na felicidade com mais serenidade e sabedoria (se muito já passou, muito ainda virá!).

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pedrinha (Dos encantos)

Olhas-me com tal encanto que eu me encanto por ti” – é a precessão e primazia do bonding (ligação, envolvimento, abraço); o attachment (apego) vem na sequência. É assim na vida, é assim na análise: o investimento do analista no analisando é primário e mais importante.

(António Coimbra de Matos)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Prioridade Nacional, por Pedro Strecht



"Estamos no início de um novo século e, se olharmos para trás, bem poderemos dizer que a história da infância é um pesadelo do qual ainda agora acabamos de acordar. Não é preciso ir longe para se recordar o que se passava na antiga Grécia, quando em Esparta alguns dos mais pequenos eram liquidados à nascença, ou para lembrar que grande parte da revolução industrial do século XIX foi conseguida à custa do trabalho infantil. De verdade, só os últimos 50 anos trouxeram progressos notáveis em políticas de protecção à infância, pese embora alguns paradoxos, demonstrados na atitude de países que ainda não assinaram a Declaração dos Direitos da Criança. Mas será que chega este interesse aparentemente crescente pelo bem-estar individual e social dos mais novos? Que diferença existe entre aquilo que hoje em dia sabemos e o que, de verdade, fazemos?
Em Portugal, apesar de inequívocos progressos das últimas décadas, a situação psicossocial dos mais novos continua muito mal, e resume-se no invariável último lugar entre os países da União Europeia (UE). O desenlace final de situações de risco possíveis de detectar desde o primeiro ano de vida move debates, reúne técnicos, envolve políticos que, contudo, se esquecem de aceitar que as raízes dos problemas estão muito mais atrás. Por exemplo, quase todos se preocupam com o consumo e tráfico de drogas, com os níveis crescentes de insegurança provocada pela escalada de delinquência juvenil, com a questão do analfabetismo funcional ou com o problema do aborto, como se tudo surgisse do nada. Por que custará assim tanto olhar um pouco mais fundo e perceber as ligações entre estas situações, que não só se iniciaram, como são previsíveis e detectáveis anos antes?
É possível que a causa desta cegueira social resida em dois aspectos essenciais: a dificuldade em ter acesso a informação e conhecimento que permitam analisar em profundidade os factos, e a terrível resistência em valorizar os primeiros anos de vida como a base da construção emocional individual. Dói ter acesso a uma parte da realidade que é preferível omitir, negando doses importantes de sofrimento alheio, tanto mais quanto ele possa existir nos mais novos. É um jogo de eterno “faz de conta”: “faz de conta” que o problema da droga é com os outros, ou que o meu filho só nele se iniciará se tiver más companhias, ou “faz de conta” que delinquência é um mal que só ataca negros suburbanos e que, portanto, se resolve com uma política de emigração mais dura. Mas este é um jogo muito perigoso: esconde, adia, pretende recalcar algo que se não for resolvido na origem, continuará a existir.
Actualmente, existem em Portugal cerca de 22 mil crianças e adolescentes a viver em instituições, de forma temporária ou definitiva, sendo que grande parte desses locais luta contra dificuldades de recursos humanos e económicos inimagináveis. É triste saber de um número tão grande de “esquecidos” cujo projecto de vida será nulo ou inconsistente, por incapacidade de pais e familiares cuidarem dos seus filhos. (...)
Da escola sai anualmente um número enorme de alunos, antes do final do 9º ano ou dos 16 anos de idade, tempo de escolaridade obrigatória. Com taxas brutais no início do 2º ciclo, para onde vão aqueles que não progridem na escola? Simplesmente para a rua, ou para várias formas de trabalho infantil, para o qual não estão qualificados e, muito menos, protegidos. Os números apontam para 18 mil (segundo dizem os pais) ou 43 mil (conforma versão dos filhos) que continuam assim a ser explorados. Obviamente que aqui não se incluem os que passam ao lado da estatística, como por exemplo os que engrossam os números da prostituição feminina ou masculina.
Quanto aos que permanecem na escola, os resultados também não animam. Os números da iliteracia funcional são muito grandes. As dificuldades concretas da matemática ou da língua portuguesa, uma constante.
Mas é também no grupo dos mais novos que continua a ser crescente a taxa de consumo de substâncias tóxicas, como o álcool ou as drogas. Não se imagina o número daqueles que, independentemente do estatuto social, cedo começa a abusar destas substâncias.
Vem depois a questão da maternidade adolescente, onde ocupamos o segundo lugar, logo atrás do Reino Unido. Mas se forem apenas contabilizadas as raparigas até aos 16 anos, somos os primeiros. Não é difícil imaginar que mães adolescentes se constituem num maior risco para os bebés, dada a imaturidade emocional de muitas, a falta de amparo familiar e social de tantas, e até o próprio facto de estes bebés serem muitas vezes gerados debaixo de complicadas projecções negativas. Faltaria dizer que esta é a realidade da maternidade adolescente; mas quanto ao número de gravidezes que ocorre, nada sabemos, dada a impossibilidade de se contabilizarem os abortos clandestinos que são feitos como forma de contracepção.
Resta a questão da infecção pelo VIH/SIDA. Portugal é o único país da UE que mantém um aumento de número de infectados, à custa da população heterossexual e toxicodependente.
Cuidar dos novos não pode ser mais uma questão esquecida. É, hoje em dia, uma prioridade nacional, independentemente de qualquer orientação política. Caso contrário, estaremos a desperdiçar o potencial de gerações inteiras. O grau de desenvolvimento de um país também se mede pela forma como protege e estimula as suas crianças e adolescentes!
Para que a mudança seja possível, faz falta o que sempre faltou: conjugação de vontade política, disponibilidade económica e conhecimento científico. Sem isso, a nossa cultura de infância é um puro esquecimento. Ou pior, uma tremenda ignorância. E isso é tudo o que não podemos desejar."  

(Pedro Strecht, in Olha por Mim)

Pedrinha (Dos animais afectivos)


 O homem, dizem, é um animal racional. Não sei por que não se disse que é um animal afectivo ou sentimental. E que, talvez, o que o diferencia dos outros animais, seja mais o sentimento do que a razão. Vi mais vezes um gato raciocinar, do que rir ou chorar. Pode ser que chore ou ria por dentro mas, por dentro, talvez também o caranguejo resolva equações de segundo grau.

Miguel de Unamuno (in Do Sentimento Trágico da Vida)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mobbing (O Inferno na Terra)

Acontece no local de trabalho e chama-se mobbing, o fenómeno no qual uma pessoa (ou grupo de pessoas) exerce violência psicológica extrema, de forma sistemática, recorrente e durante um período de tempo prolongado, sobre outra pessoa, com a finalidade de destruir as redes de comunicação da vítima, destruir sua reputação, perturbar a execução do seu trabalho e conseguir muitas vezes que essa pessoa (ou pessoas) abandone o emprego em causa. O agressor (mobber) pode ser o próprio empregador, mas também pode ser um colega ou, inclusivamente, um subalterno. A vítima (mobizado) é frequentemente uma pessoa psicologicamente mais frágil. Contudo, as pessoas com qualidades pessoais e profissionais muito evidentes também podem ser vítimas de mobbing, estimulado pelo ciúme e pela inveja.
O mobbing assume diversas formas de expressão:
a) Manipulação da comunicação (Ex: negação de informação relativa ao trabalho, tal como funções, responsabilidades, métodos e prazos, comunicação hostil explícita, ou comunicação hostil implícita, como o não dirigir palavra ou negar cumprimento);
b) Manipulação da reputação (Ex: realização de comentários injuriosos e/ou difamatórios, ridicularizações públicas e comentários depreciativos relativos ao profissionalismo do indivíduo);
c) Manipulação do trabalho (Ex: aumento da carga de trabalho, atribuição de trabalhos desnecessários ou tarefas de qualificação propositadamente inferior, ordens contraditórias, atribuição de demandas contrárias aos padrões morais da vítima, não atribuição de tarefas e negação dos meios de trabalho);
d) Manipulação das contrapartidas laborais (Ex: discriminação no salário, nos turnos ou em outros direitos, discriminação quanto ao respeito, tratamento ou protocolo).
Os atritos pontuais e incidentes isolados não se incluem na categoria de mobbing. Não estamos a falar de conflitos (os conflitos são inevitáveis) mas sim de um processo de destruição gradual da situação laboral de um indivíduo. E não só. Além das consequências profissionais, existem consequências emocionais prejudiciais para a integridade e bem-estar psicológico do indivíduo, podendo, inclusivamente, originar descompensações e desorganizações ao nível da saúde mental.
Portugal é um país onde o mobbing (ou assédio moral, em bom português) tem despertado pouca curiosidade científica, sendo que, inclusivamente, na maioria dos Tribunais do Trabalho representa um conceito ainda muito incipiente e com pouco protagonismo, apesar de constar do Código do Trabalho (Art. 24º). Lutemos pelos nossos direitos enquanto seres humanos, fazendo uso dos estudos e do conhecimento, bem como das leis que existem para nos proteger.