sábado, 31 de outubro de 2015

O Preço do Silêncio (in Expresso)

Reflectia eu, por determinada razão, sobre o drama destes miúdos, encolhidos nos seus cantos, repetidamente violentados de várias maneiras, gradualmente mais e mais fragilizados. Pensava eu numa opinião ouvida há uns dias, uma análise acerca da autonomização destes miúdos, 'vítimas de bullying', acerca de formarem a sua identidade com mais facilidade por se encontrarem fora do 'rebanho'. Entendo a lógica mas não podemos ir por aí. É violentíssimo, é terrorismo, é desamor. A autonomização pelo desamor não interessa a ninguém. Então, pensava eu em tudo isto e nem a propósito:"Há pais que ainda acham que o bullying faz parte de uma infância normal, mas o normal são os conflitos, não a violência continuada e intencional”

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Altruísmo, Egoísmo e Amor-Próprio


A nossa cultura, de forte tradição judaico-cristã, apela ao amor ao próximo. Mas se amar os outros é uma virtude, tantas vezes se insinuou que amar-se a si mesmo seria um “pecado”. Aliás, Calvino referia-se ao amor-próprio como se fosse uma “peste”. Fazia-se então, mais do que hoje, o elogio da capacidade de sacrifício. Partia-se do ponto de vista que o amor pelo outro e o amor por nós mesmos são dois tipos de amor que se excluem mutuamente. Hoje sabemos que o amor pelo outro não pode sequer existir sem que, primeiro e/ou simultaneamente, exista amor-próprio. 
 O amor pelo outro implica o respeito pelo ser humano em geral, e eu sou tão ser humano quanto todos os outros. Repare-se que mesmo a Bíblia não nos ensinou a colocar o outro como prioridade, mas sim em igualdade, pois diz-nos “ama o próximo como a ti mesmo”. O respeito pela nossa integridade e o amor pelo nosso “eu” não podem ser dissociados do respeito e amor pelos outros seres. Assim, as atitudes de amor (por nós e pelo outro) não são uma disjunção (ou uma ou outra) mas, sim, uma conjunção (uma e outra).
Apesar de todo este conhecimento teórico, é com facilidade que, no dia-a-dia, ainda se apregoa como grande virtude de carácter o facto de se "pensar mais nos outros do que em si mesmo". É uma tendência enraizada da dita cultura, que conduz a uma incondicional admiração do chamado “altruísmo” (dedicação ao outro) e da instituída confusão entre amor-próprio e egoísmo (dedicação a si mesmo). Quanto ao altruísmo, entenda-se que um sujeito cujo sentido da vida é viver para os outros, não pode viver em amor: a negligência de si mesmo, resulta, mais cedo ou mais tarde, numa hostilidade escondida e/ou inconsciente para com o mundo ― zanga, amargura, frustração e sensação de injustiça/défice ― dados os sucessivos desrespeitos a que a pessoa se sujeita. O esvaziar-se de si não pode ser considerado uma coisa boa. Da mesma forma, o encher-se de si e só de si, aquilo a que chamamos egoísmo, não se pode confundir com amor-próprio. Egoísta é aquele que apenas se interessa por si mesmo, que quer tudo para si e que não retira qualquer prazer do acto de dar, pois apenas pretende receber. E o segredo está no facto de que o sujeito egoísta, ao contrário do que possa parecer, não se ama a si mesmo: está profundamente necessitado, como tal, pouco tem a oferecer. Assim, egoísmo e amor-próprio, não só não são nada semelhantes, como são profundamente distintos e mesmo contraditórios. Torna-se então fácil distinguir aquele que se ama (pois também ama o outro mas sempre com equilíbrio e com balizas) daquele que, precisamente por não se amar, não pode nem consegue amar mais ninguém.
Queiramos ou não, nós somos e devemos ser o nosso centro. E só em paz com isso, capazes de nos amarmos, seremos capazes de amar o próximo. Mães mais felizes são melhores mães. Filhos mais felizes são melhores filhos. Homens e mulheres mais felizes são melhores amantes. Que cada um se respeite e se ame para, de barriga cheia, possamos amar o outro e dedicar-lhe o melhor de nós, sempre porque queremos e não porque devemos.