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Ontem, no jornal i — ao lado de um anúncio de viagem para as Filipinas onde o elefante talvez estivesse bem melhor do que no circo (a não ser que fosse parar ao Zoológico de Manila) |
Transformação é a palavra-chave. Na vida ou há desenvolvimento ou instala-se a decadência. O estacionamento é uma ilusão. Nas palavras de Cervantes, “A estrada é sempre melhor que a estalagem” (António Coimbra de Matos)
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terça-feira, 10 de janeiro de 2017
Jornal i (9.1.2017)
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
O Egocentrismo Necessário (E O Desnecessário)
O
egocentrismo é a característica de uma personalidade que pensa e sente que tudo
gira ao seu redor. O indivíduo egocêntrico é aquele que prioriza os seus
pensamentos, desejos e necessidades sobre os de todos os outros, incluindo,
tantas vezes, os dos próprios filhos. Ele, primeiro que todos os outros, deve
estar bem.
Assim,
o egocentrismo exacerbado dificulta a capacidade fundamental de colocarmo-nos
no lugar do outro, entrando em rota de colisão com a empatia (que é precisamente
a capacidade de perceber o que o outro está a sentir). Na presença predominante
do egocentrismo, só me percebo a mim: por exemplo, sinto que fui magoado, fui
ignorado, fui contrariado ou negligenciado, mas não me importa o que o outro
está a sentir nem reflito sobre a minha responsabilidade na situação. O
indivíduo maioritariamente egocêntrico tem muita dificuldade em descentrar-se
de si mesmo e de abdicar da sua vontade ou necessidade. Quando o faz,
normalmente, cobra. Tudo o que dá de si fica “registado” pois é com sacrifício
que o faz, considerando-se por isso em défice e colocando o outro em dívida
para com ele.
Os
peritos em egocentrismo são, por excelência, as crianças. No geral, pensam-se o
centro do mundo — têm uma dificuldade natural em entender que as coisas nem
sempre são como pensam nem funcionam à sua maneira. Depois, são as experiências
da vida que, principalmente a partir dos 3 anos, permitirão gradualmente o reconhecimento
e validação dos outros: os que são diferentes, os que brincam diferente, os que
querem coisas diferentes. Porém, é importante que as crianças tenham passado
pela fase egocêntrica; é importante serem e sentirem-se, por uns momentos, o
centro. É o que acontece quando o bebé sente o encantamento amoroso da mãe e
quando as famílias se organizam em função dos seus bebés e das suas
necessidades. Só aos poucos, à medida que estes se vão autonomizando devagarinho,
é possível ir introduzindo pequenas separações ou compassos de espera,
frustrações naturais do quotidiano que facilitam essa passagem.
Casos
há em que, por nunca terem sido o centro de nada, se tornam adultos ciosos de
ser o centro de tudo, focando-se em si porque nunca antes puderam ser verdadeiramente
importantes. Outros, inversamente, cresceram em ambientes em que esse
egocentrismo nunca foi desmontado, tendo as famílias continuado a girar sempre
em torno da criança, ou mesmo do jovem Assim, consoante as circunstâncias do
nosso crescimento, permanecem no adulto doses diferentes deste egocentrismo primordial.
Uns crescem com cada vez maior capacidade de se descentrar de si próprios,
convivendo com facilidade com a existência dos outros e dançando flexivelmente
entre todos. Outros ficarão tão focados em si mesmos que não têm espaço para as
necessidades e desejos de mais ninguém. E cheios de si, permanecem,
tristemente, sós.
sexta-feira, 22 de julho de 2016
O Estranho e o Medo
Eis o estranho e o medo, tão mal amados. Porém, sem o
estranho e sem o medo, permanecemos na repetição do familiar — do que já
conhecemos, do que já sabemos, do que nos mantêm confortáveis. Conforto é
seguro, é gostoso e é preciso; mas é o desconforto que nos ensina tudo o resto.
Tudo o que não conhecemos, tudo o que não sabemos, tudo o que pode, um dia,
deixar-nos igualmente confortáveis, mas de outra maneira: nova. E é o novo que
nos acrescenta. Vamos abrir os braços ao estranho, vamos olhar de frente o medo,
e descobrir o que acontece depois.
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segunda-feira, 13 de junho de 2016
Contas à Vida
A
vida vai em crescendo. Primeiro é-se nada. Depois é-se um. Depois é-se dois.
Depois é-se três.
Primeiro
é-se nada e o mundo gira sem nós. Pessoas, terras e animais existem sem sequer
imaginar que um dia chegaremos. Quando cá chegamos, já milhões de eventos se
passaram, milhões de vidas se viveram, milhões de histórias se contaram.
Guerras, catástrofes, amores, descobertas; o mundo é imenso sem nós. Porém, cá estamos.
Fazemos parte. É-se um em muitos.
É-se
um e para ser-se um, é preciso saber estar só (mesmo na presença do outro).
Saber estar só é saber ser ímpar: sentir-se uno, sentir unidade e coesão
interna. A construção da individualidade é condição primária para o resto da
nossa vida. Vai-se fazendo aos poucos, desde o nascimento, num processo cheio
de avanços e retrocessos: quem somos, de onde vimos, para onde vamos, o que nos
move, o que nos atormenta? Apesar de ser um caminho nosso, neste processo é
fundamental ser-se apoiado: pelas relações mais próximas, pelos nossos
cuidadores, pelo meio envolvente. Com demasiadas falhas em nosso redor, o
caminho passará mais pela busca da sobrevivência do que pela busca de nós mesmos
— há
prioridades. Mas se as coisas correm bem, se temos o que precisamos, podemos
dedicar-nos com relativa tranquilidade à descoberta do nosso mundo interno,
através da relação com os outros e com o mundo, através da brincadeira, através
das aprendizagens e das experiências.
Então,
quando se sabe ser ímpar, pode então ser-se par. É-se dois. O encontro com o
outro é difícil mas será tanto mais fácil quanto mais soubermos quem somos.
Ser-se dois implica saber respeitar a liberdade de cada um. Ser-se dois implica
não nos perdermos de nós próprios ou fundirmo-nos com o outro. Ser-se dois é
ser-se um mais um e nunca ser-se um só. O que liga o par é outra coisa, é a
comunhão dos afectos e dos projectos, são os sonhos.
Quando
o par já não chega e se transborda, é-se três. Ser-se três é uma circunstância
que nasce desses sonhos partilhados numa relação que está viva e que, portanto,
se expande. Ser-se três é ainda mais desafiante. Ser-se três é saber alternar
entre todas estas posições: há momentos para ser-se um, há momentos para ser-se
dois e outros em que se é três. E daqui em diante pode ser-se quatro, cinco,
seis, sendo que entendido o processo as questões serão sempre semelhantes a
partir daqui.
Depois,
se acrescentarmos às contas as nossas restantes relações, podemos mesmo dizer
que somos muitos. E se um dia nos encontrarmos pensando que no fim voltaremos a
ser nada, lembremo-nos antes que depois de tanta construção e ligação seremos
sempre dois, três, quatro, tantos quantos aqueles a quem tivermos deixado neste
mundo um pouco de nós.
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quarta-feira, 18 de maio de 2016
Esta Coisa da Verdade
Verdades esperam-nos, serenamente, ao longo do
caminho. Não têm a nossa urgência e por isso deixam-se estar, sabendo que tudo
tem um tempo mesmo que esse tempo nos pareça fora de tempo. O nosso tempo é
diferente do tempo do Universo. Não se sabe muito bem porquê mas é, quase
sempre, assim. Pois então que tarde, mas que chegue, por fim, essa coisa da
verdade. Outras vezes ela já se tinha mostrado, em sinais de fumo à beira da estrada, mas nós, distraidamente
ou propositadamente, não vemos. Aí o problema da verdade já não é o tempo que
ela demora mas sim a nossa dificuldade de olhar de frente para ela. Pois então
que se olhe tarde, mas que se olhe, por fim, para essa coisa da verdade.
É que como dizia Thoreau, pensador do séc. XIX: “Mais do que amor, do que dinheiro, do que fama, dêem-me a
verdade”. E à semelhança de Thoreau, também a psicoterapia e a
psicanálise (assim como outras disciplinas que abordam o desenvolvimento
pessoal) colocam a verdade acima de todas as outras coisas. Se algo não assenta em
verdade, não tem validade. De pouco nos serve um amor se este não é sincero: amor
de aparências, amor conformado, exigido ou manipulado, não nos preenche, não
nos satisfaz. De pouco nos serve dinheiro se não nos permite viver honestamente:
se nos faz viver no medo ou na ilusão da nossa competência. De pouco nos serve
a fama que não derive da autenticidade: se o reconhecimento nos chega através
de uma falsidade, de uma artimanha ou “personagem”, sentiremos sempre o vazio
dessa ficção, de uma história que não é nossa, e sentir-nos-emos sempre pouco
amados na nossa essência.
Porém, a
espécie humana prefere muitas vezes a superficialidade, preferindo mentiras
confortáveis à profundeza da verdade. Mentiras confortáveis sobre a vida, sobre
os outros e sobre nós mesmos. As verdades nem sempre nos confortam, pelo
contrário, obrigam-nos a mexer: obrigam-nos a olhar as falhas, a trabalhar
mais, a continuar à procura, a perder coisas e a seguir em frente. As verdades
doem porque fazem crescer, mas se crescer dói, não crescer mata. Viver na
mentira, principalmente a interna, mata a vida psíquica porque viver de forma
não genuína é o mesmo que não viver, é simular uma vida. É no encontro connosco
próprios, na nossa verdade, que se constrói o único caminho que nos realiza, e
que assegura que um dia mais tarde, sintamos a paz de ter existido de forma
real neste mundo.
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terça-feira, 19 de abril de 2016
O Medo do Sucesso (Ou a Paz dos Perdedores)
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Robert Montgomery |
No outro dia contavam-me que Fernando Mamede, atleta do Sporting Clube de Portugal, possuía enorme e reconhecido talento. Que apesar de todos os recordes internacionais por ele batidos no atletismo, não conseguiu vencer algumas barreiras psicológicas, medalhando apenas numa grande competição internacional. Contaram-me que um dos momentos mais dramáticos do seu percurso deu-se em 1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, nem um mês depois do seu recorde mundial nos 10.000 metros. A pressão nos ombros de Fernando Mamede era enorme pois era já o grande favorito ao ouro olímpico, porém, a meio da corrida, o atleta abandonou a prova, para espanto de todos os que assistiam.
Mas se muitos ficaram espantados, certamente Sigmund Freud
não ficaria. Uma das coisas que ele nos ensinou na sua vasta
obra, através do estudo de pacientes neuróticos, é que os erros catastróficos e
as explosões na vida particular normalmente não acontecem após um fracasso, mas
sim após uma vitória. De facto, encontramos situações semelhantes não só no
mundo da alta competição mas também no mundo empresarial, artístico e claro, na
esfera relacional de cada um de nós. Há pessoas que parecem não suportar muito
bem uma coisa fantástica: seja uma carreira fulgurante ou um casamento feliz. Porém,
ninguém estraga o que fez ou trabalha contra si
mesmo conscientemente. Com raízes inconscientes, o "medo do sucesso" associa-se
geralmente a duas questões: ansiedade e/ou culpa.
O sentimento de culpa perante o sucesso,
explicação que Freud mais explorou, pode ter raízes no fantasma do triunfo sobre
os próprios pais, seja uma superação académica, financeira, romântica ou
social. Pode até dar-se o caso de haver um
medo inconsciente de retaliação, sob a forma de perda do amor, zanga ou inveja,
preferindo o sujeito manter-se num nível “igual ou inferior” aos mesmos,
evitando essa “competição”. Outra explicação para a culpa, também com raízes
antigas, prender-se-á talvez com a baixa auto-estima, desvalorização pessoal e
sentimento de desmerecimento. Como se um “sabotador interno” (citando Fairbain)
nos impedisse de concretizar um feito por não nos acharmos dignos de tal.
Entre os
factores explicativos para estes actos “auto-destrutivos” encontramos também a
ansiedade: que nasce de uma sensação de insegurança, incapacidade ou medo do
crescimento (no sentido de tudo o que é expansão). É a angústia de não estar à
altura, é o querer ser sempre mais “pequenino”. É o
medo de conseguir e depois perder. Toda a felicidade
e/ou poder envolve tensão, riscos e responsabilidade. E muitos preferem a
chamada "paz dos perdedores".
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sábado, 6 de fevereiro de 2016
Quando dói
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Memory (The Heart) - Frida Kahlo |
Há muitos anos atrás
visitei uma exposição interactiva chamada “Bom dia medo!”. À entrada, todos os
meninos escolhiam e sinalizavam, de entre vários, qual o seu maior medo. Entre
as opções encontravam-se o medo do escuro, o medo dos animais ou o medo dos
desconhecidos mas recordo-me de constatar que quase todas as
crianças escolhiam o medo da dor.
Numa
fase precoce do entendimento, tememos mais a dor física (as quedas e
trambolhões, as feridas, as vacinas) mas mais tarde, percebemos com facilidade
que há outras dores mais terríveis: as dores da alma. Hoje sabemos que
toda a dor se processa no cérebro, seja lá de que origem for. Mas é noutro
lado que se sente: ninguém quer sofrer cá dentro, no coração.
O
fenómeno da dor (ou das várias formas de se sentir dor) é algo muito complexo:
onde uns a sentem, outros não sentem nada, e o que representa dor para uns é
diferente do que representa dor para outros. Coisas que antes doíam, deixam de
doer. Coisas que nunca doeram, passam a doer. A dor é uma percepção plástica e
móvel, que se altera e migra no espaço e no tempo. A dor é também um sintoma: a
dor fala sobre muitas coisas. Uma dor de cabeça pode falar de ansiedade, uma
dor de barriga pode falar-nos de medo, uma dor nas pernas pode falar-nos de
dificuldades no processo de autonomia, entre outras situações. Em boa verdade,
sentimos medo da dor física mas aquilo que nos marca é a correspondente dor
mental.
Como
se não bastasse, não só tememos a dor-em-si como tememos a hipótese de a
sentir. Essa mesma antecipação da dor, já causa, em certa medida, sofrimento.
Chamamos-lhe angústia, mas a angústia também “dói”. Corrói por dentro,
torce-nos as entranhas, tira-nos o sono, a fome, a paz. Ou seja, há o medo da
dor mas há também a dor do medo. O medo nasce cedo porque cedo se sabe que
muita coisa, no nosso existir, dói. As experiências da dor são inevitáveis.
Muitas surpreendem-nos logo dentro da barriga da mãe: desconfortos vários, de
maior ou menor intensidade, que a cada sensação rapidamente nos condicionam a
não experienciar aquilo mais nenhuma vez. Mas ela regressa sempre, de todas as
maneiras. Em desconfortos, outros. Em desencontros, muitos, entre o nosso
sentir e o sentir dos outros, pelas perdas sucessivas que vamos acumulando,
pelas doenças do corpo e pelos males da alma, há demasiada coisa que dói e é
disso que fugimos.
Talvez
a melhor forma de lidar com a dor seja, em primeiro lugar, parar de fugir:
aceitá-la. É preciso aceitar a dor. É preciso aceitar que ela faz parte da
vida: da nossa e da dos outros. É na aceitação da dor que o caminho se torna
mais fácil. A vida vai doer, não nos iludamos — coragem. Que isso não nos impeça, jamais, de viver. A vida vai doer mas há
outra coisa que sabemos: à partida, nada dói para sempre. Tudo passa. E é nessa
certeza que encontramos o conforto necessário para não morrermos de medo todos
os dias. Venha o que vier, venha a pior tempestade, haverá sempre de seguida,
uma bonança. É desse agridoce que surgem as melhores histórias, os melhores contos, os melhores poemas.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
domingo, 8 de novembro de 2015
Do que aprendi
Aprendi com tudo isso que aprende mais rápido quem sabe olhar
em diferentes direcções e adopta novos ângulos de visão; aprende mais rápido
quem escuta o outro, quem se dispõe a abandonar os seus desejos ou crenças para
criar espaço; aprende mais rápido quem é humilde e também quem aceita sem
oferecer excessiva resistência; aprende mais rápido quem não tem medo de dobrar
ou de cair e quem se ri de si mesmo quando tal acontece; aprende mais rápido
quem não se deixa apanhar pela vergonha de falhar, de fazer mal feito; aprende
mais rápido quem se expõe, porque se arrisca; aprende mais rápido quem se
desapega da prepotência de querer aquilo naquele momento e daquela maneira: às
vezes não dá. Aprende mais rápido quem tenta distinguir o possível do
impossível. Ou seja, aprende mais rápido quem respeita a realidade enquanto ser
gigante que não se verga e por isso aceita a impotência de viver nela e com
ela. Aprende mais rápido quem não perde mais que o tempo suficiente a
lamentar-se ou a enraivecer-se com isso. Aprende mais rápido que tem essa
capacidade de ajustamento e/ou adaptação. Porém, aprende mais rápido quem se
permite sair da harmonia da adaptação quando surgem perguntas e se impõe um
outro entendimento. De resto, e enquanto isto, aprende sempre mais rápido quem
intui que o tempo também tem o seu papel e escolhe avançar — à distância
entendem-se melhor as coisas.
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quinta-feira, 30 de abril de 2015
Pessoas
Toda a prática
de yoga remete para o equilíbrio, i.e., para a harmonização de forças opostas.
E assim sendo, oscila entre movimentos de avanço e retrocesso, actos de coragem
e rendição, momentos de segurar e largar, trabalho de transição e permanência, consciência
de força e ligeireza, sensações de prazer e dor. Nessa oscilação no tapete, perfeita
metáfora da vida, buscamos o centro de todas as coisas. Principalmente o nosso — corpo e mente.
Esse lugar de conforto onde nos encontramos connosco. Onde respiramos sem
dificuldade e onde nada dói. Onde sentimos paz. Só que não podemos ficar muito
tempo aí porque a oscilação é o estado natural do mundo e porque o crescimento
e expansão se faz pelo desconforto, pelo risco, pelo negativo. E saímos do
centro. Essa dinâmica é a condição mais básica do desenvolvimento: onde há
paragem, não há vida. Nesse processo, há momentos de força extraordinária. Saímos
do centro, atiramo-nos de cabeça e somos capazes de fazer qualquer coisa. Na
força descobrimo-nos, ultrapassamo-nos. Encontramos mundos e talentos
desconhecidos, potencialidades e possibilidades. E de cada vez que assim é, mudamos
o nosso rumo, transformamo-nos a cada novo encontro. Depois, há os desafios que
não superamos. Repetimos, ruminamos, ficamos ali. E aí, o contrabalanço dos momentos
de humildade e vulnerabilidade profunda que remetem para a nossa absoluta
impotência perante os caminhos de evolução das coisas. E aí, rendemo-nos. Rendemo-nos
perante os paradoxos. Perante a constatação de que somos tudo e ao mesmo tempo
não somos nada. Estendemos os braços e encostamos a testa ao chão e que seja o
que for quando tiver que ser. Quem somos nós afinal? E na rendição também nos
descobrimos e ultrapassamos. Quando nos rendemos, todo o peso desaparece e é
sublime porque somos, subitamente, leves, muito leves. Assim leves, um pequeno
sopro pode levar-nos para onde calhar e poderemos descobrir coisas que ainda
não conhecíamos nem esperávamos. Quando nos rendemos, entregamo-nos nos braços
de algo seguramente maior que nós, que somos tão pequenos para compreender toda
a dimensão da vida. E aqui vamos existindo, oscilando entre rendições e
actos de coragem, porque a leveza do ser é insustentável por muito tempo mas a
coragem sistemática é para guerreiros sobre-humanos. E nós somos e seremos,
sempre, simplesmente pessoas.
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segunda-feira, 23 de março de 2015
Certezas Absolutas
Dominados pelo egocentrismo, característica daquele que está centrado em si e no seu ponto de vista, e pela omnipotência, crença de que se pode tudo, na infância e ainda na adolescência temos muitas certezas. Quantos pais já tentaram falar com os filhos recebendo em troca um “Eu é que sei!”? Essas certezas são, nessa altura, protectoras: fonte de segurança e de estabilidade necessárias ao crescimento tranquilo, dada a ainda frágil estrutura emocional de uma criança. Pressupõe-se, no entanto, que uma das tarefas da adolescência é precisamente começar a pôr em causa muitas dessas certezas, o que explica parte da instabilidade emocional
vivida nesta fase. Tudo o que era certo e seguro, começa a ser questionado, se bem que, para que isso aconteça, é necessário haver uma estrutura interna minimamente sólida, capaz de aguentar o embate com a realidade cada vez mais óbvia, e que não descompense ao questionar o mundo (externo e interno). Chegando à idade
adulta, devemos então ser capazes de assumir que pouco ou nada sabemos que seja
absolutamente certo. Temos as nossas crenças, mas crer é diferente de saber.
Acreditar nas coisas e em nós é importante, mas a crença deve permitir que haja
espaço para que seja questionada ou revista. Assim, a ordem natural do
crescimento emocional e do desenvolvimento psíquico é que possamos ir
flexibilizando o nosso pensamento de forma a ponderar as nossas certezas e
estar disponíveis para aprender com os outros.
No
entanto, nem sempre as coisas acontecem assim. Por vezes, os adultos têm tantas
ou mais certezas absolutas do que as crianças. Acham-se frequentemente os donos
da verdade. E demonstram uma certa tendência tirânica para achar que a sua
verdade é a verdade universal. Seja em valores pessoais, políticos ou
religiosos, é fácil encontrar pessoas cuja posição perante a vida e os outros
não permite qualquer discussão. A
certeza é a base do fundamentalismo. Em nome das
certezas absolutas foram cometidos alguns dos crimes mais sangrentos da nossa
história: elas são o fundamento de todo fanatismo. A
certeza de que se está na posse da verdade absoluta revela um modo de pensar
rígido e pouco reflexivo, pois se já sabemos a verdade, não precisamos
reflectir mais sobre o assunto. Problema resolvido.
Então, ao contrário do que tantas vezes parece, a certeza é irmã da insegurança, ou seja, quanto mais
inseguros somos, maior a necessidade de estarmos certos. Seja a respeito de que assunto for. É a incapacidade de
tolerar as dúvidas que nos conduz aos dogmas. Claro que a existência parecerá muito mais segura
se estivermos convictos de saber as respostas a todas as perguntas, mas isso não corresponde à realidade, muito menos pertence à esfera do pensamento maduro. Sócrates disse-nos, com toda a sabedoria: “só sei que nada sei”. Reduzamo-nos à nossa humilde insignificância e aceitemos que a única forma de atingir
o conhecimento é manter a mente aberta e um espírito interrogativo.
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terça-feira, 3 de março de 2015
Elastic Heart
O coração é elástico, músculo que contrai e
expande, para nossa sorte. Foi feito assim para não se partir em mil bocados
com as lutas que se travam lá dentro. No ringue defrontam-se as partes de nós
que não se entendem. Varia a força do embate, do clássico braço de ferro ao
combate sujo e ensanguentado. Quanto ao resultado, há partes que ganham, há
partes que perdem, há empates técnicos, conforme os dias, as horas, os meses e
as estações do ano. Conforme a luz, a lua, os humores e os amores. Conforme
sabe-se-lá-o-quê porque isso afinal nem interessa e não há outro remédio senão
aguentar esses confrontos na arena do coração. Fazem parte. Onde não há
conflito, não há vida, nada se questiona, nada se transforma, nada se
acrescenta, nada se avança.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
Boyhood
― So what's the point?
― Of what?
― I don't know, any of this. Everything.
― Everything? What's the point? I mean, I sure as shit don't know. Neither does anybody else, okay? We're all just winging it, you know? The good news is you're feeling stuff. And you've got to hold on to that.
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015
O Engano da Perfeição
Querer ser e fazer melhor é um desejo que funciona como motor
do crescimento humano mas a busca da perfeição é uma atitude de natureza
totalmente diferente. O perfeccionismo é uma forma rígida e insatisfeita de
existir, que encara com severidade e intransigência as falhas ou as dificuldades (as próprias e,
consequentemente, as dos outros). Nem sempre é uma escolha pessoal. Os
"perfeccionistas" são, vulgarmente, aqueles que mais sofrem. Vivem
aprisionados num rigor prepotente, que não admite nada menos que a excelência,
mesmo quando sabemos que tudo tem o seu defeito, tudo tem o seu senão. É, bem
vistas as coisas, uma atitude resistente à condição humana, condição de
imperfeição, já que só o divino cumpre, eventualmente, o ideal de perfeição. Logo,
revela alguma omnipotência da nossa parte. Quem pensamos que somos para
ambicionar a perfeição? E mais, será que a perfeição nos faria mais felizes?
Com certeza que não é por aí. O bem-estar é um estado de espírito independente
do grau de "perfeição" de cada um. É por isso que entre o
perfeccionismo e o desejo de querer ser melhor há todo um universo de moderação
e aceitação. Aceitação de nós próprios, em primeiro lugar. Pois a busca da
perfeição é, em primeiro lugar, espelho da falta de amor que temos por nós e
que nos leva em busca de um ideal a que queremos corresponder. Mais amor, por
favor. Só em amor podemos evoluir de forma bonita e natural.
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terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Um pouco mais
O melhor do tempo que passa é a transformação que deixa. O
melhor de chegar ao fim do ano é sentirmo-nos e sabermo-nos diferentes do seu
início. Diferente não é nem melhor, nem pior, nem mais certo, nem mais errado.
Não se trata de um juízo de valor nem de uma corrida para
chegar a lado nenhum. Diferente é o que é: diferente. É um caminho. Um caminho
que se faz, fazendo. Que bom quando cada ano é um pouco mais. Um pouco mais de
vida, um pouco mais de mundo. Um pouco mais de história. Um pouco mais de
gargalhadas, de encontros, de lágrimas, de despedidas. Um pouco mais de Verão,
um pouco mais de Inverno. Um pouco mais de mim, um pouco mais dos outros, um
pouco mais de mim nos outros e um pouco mais dos outros em mim. Por vezes um
pouco mais de alegria e serenidade, outras vezes um pouco mais de angústia e
sofrimento. Seja o que for, é sempre e precisamente o contrário de estagnação.
É a constatação do fluxo constante da vida e dos seus vai-e-vens. Obrigado
2014! Que venha 2015!
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
O melhor presente de Natal
Os presentes no Natal fazem
parte da nossa cultura. São símbolos de afecto e de pertença, possivelmente associados
ao gesto dos Reis Magos, acarretando uma tradição de celebração da família. Mas
ao longo dos tempos o ritual acabou confundido e contaminado por fortíssimos
apelos ao consumo.
Se isto é verdade entre
adultos, mais confuso é para as crianças, obrigando-nos a estar atentos ao que
se passa dentro delas e ao que lhes estamos a transmitir, enquanto modelo para
a vida. A criança, cada vez mais exposta ao meio consumista, vai expressando o
seu desejo de receber um certo presente, mas cabe-nos a nós ter a sensibilidade
de decifrar se o que é pedido é realmente uma escolha sua, algo que lhe trará
verdadeira satisfação, ou uma imposição/influência do ambiente envolvente
(media, grupo de pares, etc.). Ou seja, é importante perceber qual a real
motivação da criança quando pede determinado presente.
O que acontece frequentemente
é que a criança nem sempre pede um presente que seja verdadeiramente importante
para si. Repare-se que não é invulgar a criança ir mudando de ideia a cada anúncio
que passa na televisão, ou mesmo consoante aquilo que alguns amigos pediram
como presente. Mas esta dúvida é, na verdade, uma falsa dúvida. É fruto do
bombardeamento de informações que ela não tem maturidade emocional para gerir,
ou fruto da dificuldade em se conhecer a si mesma e aos seus desejos, imitando
os outros em alternativa. O que acontece depois é que, ao receber o presente, percebe
que afinal não o queria, e este acaba por ser posto de lado.
O melhor presente de Natal
(ou de outra coisa qualquer) é um presente que vai ao encontro do desejo autêntico
da criança e, em geral, esse desejo
está relacionado com os seus afectos mais íntimos e com a sua fase de
crescimento (e respectivos desafios). Assim, um menino que tem vários medos
pode pedir um conjunto de tanques e soldadinhos, uma menina que começou a montar
a cavalo pode pedir uma boneca cavaleira, ou uma criança que acha que ser
cientista pode pedir um microscópio. O exemplo não importa, mas ilustra que, em
todos os casos, o valor do presente em questão, para a criança, não é aleatório,
nem financeiro (pedir o presente mais caro), nem uma imitação, mas sim emocional.
Diz respeito às suas vivências: sejam medos, descobertas ou desejos. Isso é o
que deve conter num presente. O desejo deve ser o desejo da criança e não o
desejo do mercado ou de quem lhe dá um presente (ex: quero que o meu filho seja
médico portanto vou oferecer-lhe um estojo médico).
E se, no fim de tudo isto, o
presente não é possível por qualquer razão, basta dizer à criança sobre a
impossibilidade real de oferecer aquele presente. A vida é feita de limitações
e são esses limites que nos ensinam a esperar e que nos permitem sonhar e
desejar.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
As Fronteiras da Intimidade
Fala-se muito da importância de
colocar limites às crianças. Esta expressão ficou bastante associada à
imposição de regras, deixando na penumbra outro tipo de limites, tão ou mais
importantes: a intimidade e a privacidade de cada um. A intimidade e a
privacidade são dois conceitos importantíssimos à estruturação psíquica do
sujeito, duas fronteiras básicas da individualidade do ser humano.
Dentro da mesma casa, ou seja, partilhando
espaços físicos, há tendência a confundir o espaço de cada um. Por vezes, os
adultos não sabem como é importante ter alguns cuidados, invadindo o espaço das
crianças, outras vezes, permitindo em excesso que a criança invada o seu
espaço. Se as crianças pudessem defender-se, diriam então: “Pressinto que há
coisas minhas que não te dizem respeito e que há coisas tuas que não quero
saber; que há momentos e lugares meus onde não podes entrar e momentos e lugares
teus que não quero presenciar. Eu ainda não sei muito bem o quê mas tu, que és
crescido, ajudas-me com esta tarefa?”
O filtro tem de ser, em primeiro
lugar, uma competência dos adultos. É importante respeitar a intimidade da
criança, ensinando-a, aos poucos, a reservar (e preservar) tudo aquilo que é
seu. Como se ensina isto? Pelo exemplo, como tudo o resto. Se uma criança está
na casa de banho, não há que irromper pelo espaço sem pedir licença. Criança ou
não criança, o respeito é o mesmo. E antes de entrar no quarto, não custa nada
bater à porta e perguntar: “Posso?” É que, por vezes, os adultos têm tanta
necessidade de controlar as crianças que as desrespeitam profundamente. Quantos
pais já terão lido o diário das suas meninas? Quantos pais já terão espiolhado
os telemóveis dos seus filhos? Quantos pais já terão desejado ser confidentes
absolutos dos filhos? Não havendo qualquer indício de problemas, para quê e
porquê fazê-lo?
Também os pais devem reservar para
si aquilo que é seu. Mas quando confrontados, muitos adultos respondem: “Eu
também não me importo que o meu filho entre no meu quarto sem bater, nem que queira
saber de tudo da minha vida. Não tenho nada a esconder.” Tudo bem. Mas não acham isso estranho? Não se trata de esconder, mas de valorizar o que é meu e poder
distingui-lo do que é do outro. De perceber que estas confusões em nada medem o
amor e os afectos, apenas revelam tentativas de controlar angústias que ora são
dos adultos, ora das crianças, e que é preciso contê-las de outra forma. Que
saibamos que amar o outro é respeitar a sua individualidade, permitir-lhe uma
existência diferenciada. Para isso, lutamos contra os nossos medos, se preciso.
Pelo direito a não se deixar invadir e respectivo dever de não invadir também.
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domingo, 23 de novembro de 2014
O conflito de gerações
Há
algum tempo a capa da revista Time apresentou-nos
a “Me Me Me Generation”,
categorizando a juventude actual como extremamente narcísica, individualista e
egocêntrica. Rapidamente se instalou a polémica perante essa capa que correu o
mundo. Em defesa dos jovens se diga que, por exemplo, é mais comum desenvolverem
comportamentos pró-ambientais do que um indivíduo de 50 ou 60 anos. Sendo o
planeta responsabilidade de todos, quem serão os mais individualistas? Há na
juventude, claramente, narcisismo e egocentrismo, o que é diferente de
individualismo. É que os dois primeiros estão intimamente ligados ao processo
de crescimento: narcisismo, porque a identidade própria está em construção e
necessita de ser reafirmada; egocentrismo, porque a imaturidade torna difícil
entender as coisas sob outros e diferentes pontos de vista que não o próprio. Mas
individualismo, atitude de não se preocupar com os outros, será uma acusação
injusta, pois se há coisa que caracteriza a adolescência é a sensibilidade social
e a busca de justiça. Vendo bem, quantos adultos não são igualmente narcísicos
e egocêntricos, tendo ficado suspensos no seu caminho de crescimento pessoal?
Acusações
mediáticas à parte há sempre tensão entre gerações. É com frequência que
opiniões públicas ou privadas a denegrir as gerações mais novas se fazem ouvir.
Porque se atacam tanto os jovens? Que os jovens possam criticar os “velhos” até
se entende, já que são eles os “miúdos”, inexperientes e justiceiros, para quem
é tão fácil apontar o dedo. Que os adultos respondam na mesma linguagem é que se
torna mais difícil de entender, pois deveriam ter algum entendimento sobre o
que ficou para trás. Será tão fácil esquecer o quanto as gerações sempre
chocaram entre si? Será tão difícil lembrar como os jovens de antigamente
também se diferenciaram dos seus pais? Tudo o que é diferente é estranho, mas
não necessariamente mau. O futuro o dirá.
Todas
as gerações são diferentes das gerações que as precederam. Se o mundo está em permanente
transformação como poderia ser de outra maneira? A verdade é que o ser humano
tem alguma dificuldade em responsabilizar-se pelo que acontece em seu redor mas
somos nós quem define a direcção em que se move o mundo. Para falar sobre
jovens, teremos de sempre de falar um pouco sobre quem foram os pais dos jovens
e de que cultura de valores foi criada para eles, seja em que época for. Se não
gostamos dos jovens que criámos teremos sempre de fazer um mea culpa sobre o mundo que construímos para eles.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Tudo aquilo que pedires
Tem estado na moda uma tendência ligeiramente omnipotente que
diz que temos tudo aquilo que pedimos. Diz que de cada vez que nos erguemos, o
Universo ergue-se connosco. Começou, talvez, com 'O Segredo' e proliferou como
cogumelos. É uma abordagem da vida
mais 'mágica', com forte ligação a correntes energéticas e espirituais. Se é
exactamente assim ou não, não posso saber ao certo. O que eu sei e concordo é
que somos, sim, imensamente maestros da nossa vida e que a sinfonia também vai,
sim, correndo segundo indicação da nossa batuta. E as teorias dizem: Pede
alegria, terás alegria. Pede sofrimento, terás sofrimento. Pois aqui entra a
psicanálise: o problema disto tudo é que nem sempre temos consciência daquilo
que andamos a pedir. Por exemplo, o conceito e fenómeno de 'compulsão à
repetição' diz-nos que apresentamos uma tendência inconsciente para o regresso
às situações traumáticas da nossa vida, como tentativa de as resolver
internamente/emocionalmente. Como se quiséssemos corrigir uma experiência
passada. Não damos por isso. São coisas que se passam aquém da nossa
consciência. Não é algo que esteja sujeito a racionalização. Só quando, a dada
altura, em vez de nos queixarmos do nosso eterno azar (também lhe chamamos
karma), nos sai da boca ou do pensamento algo do género:
— "Porque é que me rodeio sempre das pessoas erradas?"
— "Porque é que me rodeio sempre das pessoas erradas?"
Ou então pensamos,
— "Se eu quero tanto ser independente porque é que continuo a depender dos outros?"
Ou ainda,
— " Se eu quero tanto ter uma relação sólida porque é que não consigo manter um relacionamento?"
Este é o primeiro passo em direcção à tomada de posse na nossa vida. Ou seja, enquanto não nos apercebermos que estamos presos a um padrão de funcionamento, queremos conscientemente ser felizes mas estamos inconscientemente a retornar ao lugar da dor. Enquanto maestros das nossas vidas, o nosso trabalho é questionar porque é que a orquestra está desafinada. Porque é que certas coisas nos acontecem. Com responsabilidade. Com coragem. É um dos trabalhos em psicoterapia e em psicanálise. Trazer à luz o que está no escuro. Somos, de facto, muito responsáveis. Muito mais responsáveis que o azar ou a sorte. Se calhar temos realmente o que pedimos. Então a questão que fica é: saberemos realmente o que andamos a pedir?
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
A Droga da Obediência
Em todo o mundo, pelo menos cerca de dez
milhões de crianças devem receber a prescrição para tomar comprimidos à base de
metilfenidato, uma substância química que actua como estimulante leve do sistema nervoso central, elevando o seu nível de alerta, como
uma espécie de anfetamina. O fármaco incrementa os mecanismos excitatórios
do cérebro, o que resulta numa maior concentração, coordenação motora e
controle dos impulsos. Tudo isto acontece por causa de um bicho-papão chamado
Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA), vulgarmente
designada pelo seu nome do meio, hiperactividade.
Reza a história que as crianças com
PHDA apresentam um padrão comportamental caracterizado, essencialmente, por um
persistente défice de atenção, excesso de agitação motora e, eventualmente, presença
de impulsividade. A hiperactividade está nas bocas do mundo. É fácil
perceber porquê, já que o “diagnóstico” de hiperactividade é um rótulo altamente
maleável e sobretudo conveniente, encaixando como uma luva nas crianças de hoje.
Em boa verdade, parece que dá jeito esquecer que, em primeiro lugar, as
crianças são naturalmente agitadas e impulsivas, em segundo lugar, que são por
vezes pouco regradas ou mesmo mal-educadas e, em terceiro lugar, que
normalmente a agitação motora e incapacidade de concentração são um sintoma de algum
mal-estar psicológico que exige uma leitura do que está por detrás.
Assim,
para professores e famílias em pânico e sem tempo para auscultar os sintomas do
corpo, existe o metilfenidato. Os médicos alinham e a indústria farmacêutica
agradece. Mas o efeito do metilfenidato nas pessoas está longe de
ser completamente pesquisado e nada se sabe sobre suas consequências a longo
prazo. Contudo, é receitado precisamente a crianças pequenas e, frequentemente,
ao longo de vários anos. O mais curioso é que poucos parecem importar-se com a constatação óbvia de que a dita “doença” não é curada através do
uso de medicação, mas apenas mascarada. O que importa é as crianças não maçarem muito no momento
presente e aprenderem tudo o mais rápido possível, independentemente de "gritarem" por todos os lados que não estão capazes para aprender. E assim que a aplicação do medicamento é suspensa, os sintomas
reaparecem imediatamente, e muitas vezes até surgem novos sintomas, mais
graves.
Hoje, muitos cientistas, psiquiatras e neurobiólogos já assumem que
o uso do metilfenidato foi vantajoso para muita gente, pois existindo uma PHDA,
não se responsabiliza quem quer que seja e retira-se um peso aos pais,
educadores e professores. Como profundo reflexo dos tempos modernos, se algo não funciona
bem, ingere-se um comprimido. Transformou-se em patologia aquilo que
remete, no fundo, para questões familiares e culturais. Ao medicarmos os
sintomas, excluímo-nos da responsabilidade diante dos novos desafios na
educação das nossas crianças. Escutar e observar o que cada criança quer dizer,
através de um comportamento tido como desajustado, será o único caminho para não
silenciar os conflitos inerentes à construção da vida.
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