Mostrar mensagens com a etiqueta Relação Amorosa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Relação Amorosa. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Contas à Vida


A vida vai em crescendo. Primeiro é-se nada. Depois é-se um. Depois é-se dois. Depois é-se três.
Primeiro é-se nada e o mundo gira sem nós. Pessoas, terras e animais existem sem sequer imaginar que um dia chegaremos. Quando cá chegamos, já milhões de eventos se passaram, milhões de vidas se viveram, milhões de histórias se contaram. Guerras, catástrofes, amores, descobertas; o mundo é imenso sem nós. Porém, cá estamos. Fazemos parte. É-se um em muitos.
É-se um e para ser-se um, é preciso saber estar só (mesmo na presença do outro). Saber estar só é saber ser ímpar: sentir-se uno, sentir unidade e coesão interna. A construção da individualidade é condição primária para o resto da nossa vida. Vai-se fazendo aos poucos, desde o nascimento, num processo cheio de avanços e retrocessos: quem somos, de onde vimos, para onde vamos, o que nos move, o que nos atormenta? Apesar de ser um caminho nosso, neste processo é fundamental ser-se apoiado: pelas relações mais próximas, pelos nossos cuidadores, pelo meio envolvente. Com demasiadas falhas em nosso redor, o caminho passará mais pela busca da sobrevivência do que pela busca de nós mesmos há prioridades. Mas se as coisas correm bem, se temos o que precisamos, podemos dedicar-nos com relativa tranquilidade à descoberta do nosso mundo interno, através da relação com os outros e com o mundo, através da brincadeira, através das aprendizagens e das experiências.
Então, quando se sabe ser ímpar, pode então ser-se par. É-se dois. O encontro com o outro é difícil mas será tanto mais fácil quanto mais soubermos quem somos. Ser-se dois implica saber respeitar a liberdade de cada um. Ser-se dois implica não nos perdermos de nós próprios ou fundirmo-nos com o outro. Ser-se dois é ser-se um mais um e nunca ser-se um só. O que liga o par é outra coisa, é a comunhão dos afectos e dos projectos, são os sonhos.
Quando o par já não chega e se transborda, é-se três. Ser-se três é uma circunstância que nasce desses sonhos partilhados numa relação que está viva e que, portanto, se expande. Ser-se três é ainda mais desafiante. Ser-se três é saber alternar entre todas estas posições: há momentos para ser-se um, há momentos para ser-se dois e outros em que se é três. E daqui em diante pode ser-se quatro, cinco, seis, sendo que entendido o processo as questões serão sempre semelhantes a partir daqui.
Depois, se acrescentarmos às contas as nossas restantes relações, podemos mesmo dizer que somos muitos. E se um dia nos encontrarmos pensando que no fim voltaremos a ser nada, lembremo-nos antes que depois de tanta construção e ligação seremos sempre dois, três, quatro, tantos quantos aqueles a quem tivermos deixado neste mundo um pouco de nós.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Da necessidade ao desejo


Há coisas que precisamos e das quais dependemos (necessidades) e coisas que queremos porque assim escolhemos (desejos). A necessidade diz respeito a algo muito básico, mais primário na nossa condição humana. Fala-nos de algo que nem se sabe bem porque acontece: só se sabe que se precisa e que é assim, queira-se ou não se queira. Assim, quando a necessidade não é satisfeita, permanece, sob a forma de uma falha básica dentro de nós. Já o desejo é de outra ordem. O desejo é secundário, na medida em que chega depois. Pressupõe algo que não é absolutamente fundamental mas que representa um valor acrescentado à nossa vida. É algo que foi pensado, sonhado, de forma mais consciente, e que não nos é imposto de dentro.
De uma forma geral, o caminho do desenvolvimento humano faz-se evoluindo da necessidade para o desejo. Enquanto bebés, temos muitas necessidades, mas não desejos, no sentido referido de escolhas pensadas, conscientes. Chegamos a “seres desejantes” à medida que crescemos e se existiu possibilidade de atender suficientemente às necessidades. Caso contrário, ficamos bloqueados ou suspensos na carência primária, que tornará a busca dessa satisfação uma prioridade para nós. O caminho de amadurecimento do Eu não acontece se há privação nas necessidades mais fundamentais.
Então a necessidade coloca-nos no campo das dependências, enquanto o desejo nos fala de escolhas livres. Eu só desejo quando já não preciso, até lá, necessito e dependo disso, tantas vezes, para minha sobrevivência. Há uma fome daquilo que me falta que ainda me esmaga. E enquanto assim for, estou no campo da necessidade, aquém do desejo. Se nunca recebi afecto, estou imerso na sua carência e ele representa, naturalmente, uma busca incessante. Mas se recebi afecto suficiente, consigo aguentar melhor a sua eventual ausência, passando de uma questão de sobrevivência a um desejo que está por realizar.
Assim, no amor romântico, a diferença entre "preciso de ti" e "quero-te" é uma diferença que corresponde aos quilómetros de amadurecimento que vão da necessidade ao desejo. É poético dizer a alguém "preciso de ti". A mistura entre necessidade e desejo, característica na paixão, alimenta as artes desde sempre, apresentando o amor romântico como uma coisa quase visceral. Mas o amor homem-mulher, amor erótico de seu nome, corresponde, em maior escala, a um desejo e não a uma necessidade. Eu estou contigo não porque preciso de ti mas sim porque te quero. Porque te escolhi. Não morro se fores embora mas sou muito mais feliz contigo.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Coisas Bonitas


Deixa-me fazer-te cócegas. Deixa-me fazer-te rir. Deixa-me falar-te das coisas bonitas que passam despercebidas. Deixa-me fazer-te sorrir no dia mais triste. Vem dançar comigo. Deixa-me aquecer-te os recantos gelados onde o sol nunca entrou. Falo-te da alegria de estarmos aqui no mundo ao mesmo tempo. Podíamos nunca nos ter encontrado, já pensaste nisso? E agora, já sorris? Falo-te da graça escondida nas cabeçadas que damos todos os dias aqui neste lugar onde nos enfiaram. É tão tristemente engraçado. Falo-te da sublime arte de rir e chorar ao mesmo tempo. Falo-te também da curta gargalhada dos momentos simples e ligeiros. Vá, deixa-me fazer-te cócegas. Deixa-me fazer-te rir. Deixa-me fazer-te bem.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Matemática dos Beijos


— Um, dois, três, duzentos e cinquenta e sete, cinco mil setecentos e quarenta e nove: quantos beijos cabem na vida?
— Talvez quarenta milhões? (sorriso) Não sei. Curtos ou longos? Tudo depende da duração. Num dia cabem mil quatrocentos e quarenta beijos de um minuto ou um beijo de mil quatrocentos e quarenta minutos. Tu é que escolhes.
— Tens razão. Isso da duração importa. Fizeste-me lembrar também daqueles beijos que ficam connosco já depois de se irem, sabes? E às vezes até se cruzam com outros que hão-de vir: "Olá, ainda por aqui?".
— É, há beijos que se demoram e acho até que alguns nunca acabam. Mas a memória de um beijo vale por um beijo, não?
— Olha que não sei. Cada beijo lembrado pode contar como um novo beijo. Podemos escolher também aqui.
— Hum. E incluindo beijos de que tipo?
— De todos. Dos beijos dados, dos beijos roubados, dos beijos perdidos e dos achados. Dos beijos que procuram e dos beijos que encontram. Dos que fracturam e dos que reparam. Dos que rompem e dos que ligam. Dos beijos que acordam, dos que adormecem. Dos que se encontram à esquina e dos que chocam de frente. Dos de passarinho e dos de corpo inteiro. Dos enternecidos e dos apaixonados. Dos que nos esclarecem e dos que nos confundem. Dos que quase enlouquecem, no bom sentido. Beijo é sempre no bom sentido. Dos beijos que acalmam e dos que assustam. Dos que respiram e dos que sufocam. Dos beijos que nos dissolvem, sabes? Dos beijos-buracos-negros que acabam com a gravidade e nos sugam em espiral para lá do tempo e do espaço. Dos beijos que desaparecem. E dos que nos perseguem. Perseguem. Perseguem. Perseguem.
— Mas queres fazer contas ou escrever um poema?
— Pois se calhar a matemática não se aplica a isto. Teríamos ainda a questão dos beijos sonhados.
— Também querias ir por aí?!
— Claro. Quero ir por todos os lados.
— (sorriso)
— ah! E o beijo dos beijos. Teríamos que contar com o beijo dos beijos.
— Qual?
— Tu sabes. É aquele que não se pode lembrar...
— O que há-de vir?
— Pois. Também não custaria nada. É só somar um no fim.
— (sorriso) Qual fim? Contigo será impossível contabilizar beijos.
— Se calhar. Que se lixem as contas. O que importa é que é sempre a somar. E para que não haja desperdícios lembra-te disto que é importante: um beijo que não se dá é um beijo que não se deu.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Infinitudes


Não penses que te esqueço. Então ainda não sabes que trago comigo todos aqueles que amo? Não sabes que o coração é infinito e que há tantas formas de amor quantas pessoas há no mundo? É que eu acredito mesmo que o amor liga as almas mesmo quando os corpos não se encontram e os olhos não se cruzam. Não te queiras esquecer de mim. Esquecer é perder. Pelo contrário. Guarda. Guarda e lembra-te e será teu para sempre. Não sabes que quanto mais guardares mais pleno serás? Não sabes que corações cheios são corações vivos? Dizes-me que chegou ao fim e eu acho que começou. O amor não tem tempo e sem tempo não há princípio nem fim. Dizes-me que é difícil e dói. Sim. Mas não esqueças aquilo que dói. Dói porque é importante. Dói porque está vivo. Dói porque é amor. E pelo amor, tudo. Pelo amor, mais. Ele acrescenta-nos sempre.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A dor que me deixaste


Há dores que os outros depositam em nós por não terem capacidade para tomar conta delas. Podemos guardá-las durante algum tempo, podemos tentar transformá-las em algo bom, mas nem sempre é possível. E quando assim é, quando o outro apenas tem para nos dar a sua dor e nada mais, quando o nosso único lugar é não ter lugar, chega a hora de partir. 

― O poema (em prosa) encerra a caminhada de dolorosa consciencialização e libertação, in "a dor que me deixaste" da querida e única Maria João Saraiva.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Fala-me de amor


O amor confunde-se. Confunde-se com tantas outras “coisas” sorrateiras. Ou melhor, as pessoas confundem o amor. É que há amores que não são mais do que uma ilusão desse sentimento, quando o que realmente sustenta a ligação são emoções de uma outra natureza e qualidade. Chamamos-lhe amor porque não sabemos que nome lhe dar. Chamamos-lhe amor, mas o engano não é por mal, somos guiados por convicção profunda de que amor será.
Mas em boa verdade não lhe posso chamar amor só porque me sinto tão especial ali, nesse recanto da vida de alguém. Não lhe posso chamar amor apenas porque quero/preciso ser amado quando no fim de contas amar pressupõe que, em primeiro lugar, amor é o meu olhar sobre o outro (que não vive sempre necessariamente na simetria do olhar que recai sobre mim). Não lhe posso chamar amor quando estou ali apenas porque quero/preciso de não me sentir só e porque um colinho sabe bem. Quando assim é, na demanda para colmatar uma falha original e respectiva fome de afecto, percebemos que afinal qualquer tampa pode servir na nossa panela desde que lá dentro fique quentinho e ferva. O amor será antes aquela única tampinha para a minha panela.
Também não podemos chamar-lhe amor quando andamos desesperados a tentar transformar alguém que “amamos” para nosso gáudio. É: “se isto, isto e isto mudasse, então eu seria feliz”. Se não amo um ser humano com tudo aquilo que faz dele único e especial, como posso falar de amor? É precisamente naquilo que nos distingue de todo e qualquer outro ser deste mundo que reside o amor. Nos pequenos detalhes, naquilo que frequentemente nem sequer se define ou explica, naquilo que é bom e particularmente naquilo que é menos bom. É amar o “pacote” inteiro. É o amar, muitas vezes, “apesar de”.
Se esse meu olhar de encanto, que distingue uma pessoa de milhões de outras pessoas, será ou não correspondido na mesma direcção e medida, isso é uma outra história. Porque para além de toda esta triagem de afectos, é ainda preciso encontrar do outro lado alguém que não esteja igualmente confundido e que não nos enrede em mais uma ilusão, chamando também amor a outra coisa qualquer muito parecida (jurando-o com pensamentos, palavras, actos e omissões).

Entretanto, em jeito de rodapé, se não der para desatar o nó da confusão, é melhor andar confundido do que não sentir absolutamente nada e não nos ligarmos a ninguém. Somos seres relacionais e, assim sendo, pior do que uma relação assente em confusão será deixar de acreditar/investir no amor e nas pessoas. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Eu, o Tu e o Nós



Quando crescemos em ambientes de pouca afectividade ou fomos insuficientemente cuidados, tendemos a crescer “coxos”, ou seja, fica a faltar-nos uma estrutura de confiança e amor-próprio suficientes para sermos emocionalmente autónomos. Como consequência, facilmente procuraremos alguém que cuide de nós enquanto adultos, ainda que este movimento seja inconsciente. Por vezes, se o dano for ligeiro, pode encontrar-se um parceiro suficientemente saudável que nos permita sarar quase espontaneamente as falhas das nossas relações precoces. Porém, se o dano for profundo, não só ninguém poderá reparar o que está para trás (nem tem essa obrigação) como nós próprios seremos obstáculo ao bom funcionamento da relação, consoante a sofreguidão com que nos grudamos ao outro.
É vulgar encontrar relações em que um elemento funciona como pai/mãe/bengala/penso-rápido (e por aí fora) do outro. E há muito frequentemente confusão entre isso e algo muito belo (e bem diferente) que se chama “amor”. Podemos então falar de dependência emocional, definindo-a como um padrão persistente de necessidades emocionais insatisfeitas que se tentam suprir de uma forma desadaptada com outras pessoas. Quando precisamos do parceiro para nos sentirmos um ser humano completo, quando toda a nossa vida gira em função de uma relação amorosa, quando não há nada no mundo que mais importe do que isso, é preciso parar para pensar. É aquilo que se entende por um amor fusionado, em que não se percebe onde começa um nem onde acaba o outro. Comunhão, sim, fusão, não.

O que é ser emocionalmente autónomo? Não é não precisar de ninguém pois isso não existe. O ser humano é um ser relacional e a escolha de um parceiro faz parte da condição humana, o lugar onde se coloca o parceiro é que é digno de análise. A relação mais saudável é aquela em que duas pessoas adultas se sentem, per si, completas, mas que, quando se juntam, se transbordam mutuamente e criam algo novo. É poder existir no mundo independentemente da presença constante de alguém ao meu lado. É poder funcionar no dia-a-dia com entusiasmo e confiança mesmo quando estou sozinho. É amar-me. É possuir uma existência, personalidade, vontade, gostos e ideais próprios, e respeitá-los, assim como respeitar/aceitar genuinamente que o meu parceiro possa ser diferente de mim em todos estes aspectos. É permitir que a relação seja um sistema aberto e nunca um sistema fechado sobre si mesmo (senão a relação satura e, sem oxigénio, morre). É existir um Eu, reconhecer um Tu (diferente e separado do Eu), e sentir o Nós como o produto da soma de ambos. 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Pedrinha (Dos amores das crianças)



"A capacidade ou incapacidade de amar tem a sua génese na infância, embora a vivência de uma autêntica relação amorosa só seja possível a partir da adolescência."

Teresa Ferreira (in Em defesa da criança)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O Estranho do Lado


“ (…) Assim como na Física há uma lei segundo a qual dois corpos não ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo, deve haver outra lei, no universo subjetivo, que impede duas individualidades de viverem a mesmíssima vida. Tenho a impressão que a insistência em contrariar esse princípio está por trás de muitos e graves desencontros por aí.
Desde a adolescência, e provavelmente ainda antes, somos alimentados com a ilusão de que um dia encontraremos alguém com quem iremos nos fundir. A tal pessoa, aquele, a mulher da nossa vida, o príncipe encantado – todos esses são agentes do destino que teriam a função, na nossa história pessoal, de rasgar a couraça da individualidade, penetrar nosso casulo e nos salvar, de forma permanente, da horrível solidão de ser um indivíduo. A partir desse momento redentor, a nossa dor fundamental seria superada e seríamos, então, felizes para sempre. No outro.
Algumas vezes, mesmo na vida real, chegamos perto desse estado idílico de aniquilação. É quando estamos apaixonados. Nesse momento mágico – e, segundo o Freud, patológico - nossos sentimentos em relação ao outro são tão violentos que parecem romper o isolamento essencial. Em tal estado de comoção de ser parte do outro. Se ele se afasta, sentimos dor. Se ele está perto, sentimos prazer. Parece ser impossível viver sem ele, porque se tornou parte de nós.
Em “O Monte dos Vendavais”, a jovem apaixonada diz ao rapaz “Eu te amo”, e ele responde “Eu sou você”. Não existe na literatura ou no cinema uma declaração de amor mais radical do que essa.
Há outro momento em que também nos sentimos perto desse sentimento. É no sexo. Em meio ao prazer, aquilo que nós somos desaparece temporariamente em direção ao outro. Mergulhamos numa torrente tão intensa que, por alguns minutos, não somos mais que o conjunto daquelas sensações. Há uma pequena morte aí, um breve suicídio prazeroso no qual mergulhamos felizes, levado pelo corpo e pela personalidade do outro.
Mas esses momentos são terrivelmente efêmeros, não? Mesmo a mais intensa paixão é passageira. Cedo ou tarde, ainda que contra a nossa vontade, somos arrastados de volta à normalidade de sermos apenas um. Logo chega o momento em que é preciso negociar com a personalidade do outro, com a percepção do outro, com o desejo do outro. Com isso se desfaz a ilusão de pertencer. Deparamos, de novo, com a nossa assustadora e iniludível solidão interior. Sabemos disso, vivemos isso desde crianças, mas uma parte de nós continua sonhando com uma paixão tão arrebatadora, tão dominante, que nos livre para sempre de nós mesmos. Crescer, eu acho, é deixar também essa fantasia para trás.
Alguns recusam isso terminantemente. Insistem em esperar pelo sonho ou – muito pior - tentam transformar a vida real a dois num exercício de destruição das personalidades. Fazemos tudo juntos, pensamos o mesmo, gostamos das mesmas coisas, compartilhamos as mesmas experiências, dizem. Na boa ou na marra, vão arrastando o outro a uma vivência que é uma réplica da sua. Até o ponto em que, de tão parecidos, não tenham mais nada a contar um ao outro. Então se separam.
Estou exagerando? Claro que sim. Mas, mesmo entre pessoas que não vivem na caricatura, o impulso comum de controlar o outro faz parte do movimento de negação da individualidade. Ele se recusa a reconhecer o outro com as suas necessidades próprias, sua existência fora de nós. O desejo de aprisionar é o impulso de se proteger do outro, que, insistindo em ter vontade própria, pode fazer algo que nos machuque.
Enfim, acho que é disso que os sonhos falam. Da nossa vontade de ser forte como indivíduos e do nosso medo oceânico de nos desligarmos dos outros. Da contradição entre a vontade de crescer e o impulso de permanecer um bebê chorão, ligado ao outro por um cordão umbilical. Os sonhos contam que o amor, lindo que é, essencial como possa ser, não nos salva de sermos nós mesmos. Mesmo quem respira suavemente ao nosso lado, adormecida, tem sonhos separados dos nossos. É uma pessoa estranha que amamos, mas sobre a qual nunca saberemos o suficiente. É preciso respeitar esse mistério.”
Ivan Martins

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Pedrinha (Dos jogos de amor)



Jogos de amor. Mas será o amor um jogo ou um trabalho? As duas coisas: um divertimento (o melhor de todos) e um trabalho produtivo – de reconhecimento mútuo, permuta afectiva recíproca, crescimento pessoal diadicamente expandido, desenvolvimento de valências individuais não saturadas, comunhão de sonhos possíveis e projectos realizáveis e, acima de tudo, de criação (…)

António Coimbra de Matos (in Relação de Qualidade: Penso em Ti)

sexta-feira, 18 de maio de 2012