sexta-feira, 22 de julho de 2016

O Estranho e o Medo


Eis o estranho e o medo, tão mal amados. Porém, sem o estranho e sem o medo, permanecemos na repetição do familiar — do que já conhecemos, do que já sabemos, do que nos mantêm confortáveis. Conforto é seguro, é gostoso e é preciso; mas é o desconforto que nos ensina tudo o resto. Tudo o que não conhecemos, tudo o que não sabemos, tudo o que pode, um dia, deixar-nos igualmente confortáveis, mas de outra maneira: nova. E é o novo que nos acrescenta. Vamos abrir os braços ao estranho, vamos olhar de frente o medo, e descobrir o que acontece depois.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Co-Dependência


A uma, conheci-a após o falecimento do marido. Tinha passado vinte anos a cuidar dele, um alcoólico em espiral destrutiva despindo-o quando não era capaz, deitando-o, ou até levantando-o do chão, com a força que não tinha. A outra, conheci-lhe a história de outra maneira; conta ela que sempre viveu para a mãe mulher deprimida, cocainómana, fazendo vigílias à sua cabeceira nos dias em que esta não saía da cama ou indo buscar o “produto” quando era necessário.
Há milhares de histórias assim. São histórias de pessoas cuja vida gira não em torno de si e dos seus sonhos mas em torno da disfuncionalidade de um outro. Pode parecer preocupação ou altruísmo, mas quando nos destrói a possibilidade de viver a nossa vida, é preciso parar: o que muitas vezes não acontece. Há ligações em que não há limites, nem dum lado, nem do outro. Então, há quem chame, a este funcionamento, a co-dependência, isto é, estar emocionalmente dependente (no sentido de excessivamente ligado) desse outro.
É frequente acontecer em famílias em que um dos elementos tem consumos de substâncias (drogas ou álcool); aí, o indivíduo co-dependente emerge como o responsável pela “salvação” do seu outro significativo, o que tantas vezes se revela uma expectativa pouco realista ao longo do tempo. Mas a co-dependência não aparece apenas em torno do abuso de substâncias químicas. Por exemplo, se um dos meus pais é infantil, irresponsável, gasta todo o dinheiro que ganha, e eu sinto que tenho que tomar conta dele, controlar os seus passos, salvá-lo de si mesmo isso é ser co-dependente. Se o meu companheiro está permanentemente insatisfeito e infeliz e eu vivo para tentar animá-lo ou gratificá-lo, isso é co-dependência. No fundo, é deixar que a vida do outro se torne a minha vida, que o problema do outro se torne o meu problema e, muitas vezes, sem que a pessoa em questão faça alguma coisa para o resolver.
De uma forma geral, podemos enumerar assim os pontos-chave da problemática da co-dependência (ou dependência afectiva): a) Sentir-se responsável por outras pessoas – pelos sentimentos, pensamentos, acções, escolhas, desejos, necessidades, bem-estar, e até pelo seu destino; b) Sentir ansiedade, pena e culpa quando a outra pessoa tem um problema; c) Sentir-se compelido – quase forçado – a ajudar a resolver o problema; d) Ter raiva quando a nossa ajuda não é eficiente; e) Comprometer-se demais; f) Culpar o outro pela situação em que estamos; g) Achar que a outra pessoa está a levar-nos à loucura; h) Sentir raiva, sentir-se vítima, como se não tivesse liberdade de escolha.
Claro está que nem todas as forma de apoio e compreensão ­­­são problemáticas, porém, é preciso perceber se nos tornámos os principais responsáveis por quem não quer tomar conta de si mesmo. Esse é um lugar de grande sofrimento e que também não ajuda a resolver o comportamento patológico da pessoa-problema.