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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Em Fuga


Quando pressentimos que dentro de nós existe um buraco temos medo de cair nele. Chamemos-lhe “o lado depressivo da personalidade”, um lugar escuro e triste, que nem sempre conseguimos justificar logicamente mas que nos suga a energia e nos deixa num estado de espírito terrível, por vezes até incapazes de reagir, de viver. O medo da depressão existe em todos nós, desde que em algum momento conhecemos de perto estados de desânimo profundo e conseguimos fantasiar o que será viver nesse lugar.
O medo da depressão (ou dos estados mais depressivos) leva-nos tantas vezes a uma fuga para a frente: viajando, trabalhando ou exercitando o corpo de forma compulsiva, ou de forma mais perigosa, pelo abuso de substâncias (drogas, álcool), sexualidade exacerbada, compulsão alimentar, etc. Esses caminhos por onde o medo nos conduz não representam necessariamente escolhas conscientes, ou seja, é quase automático este gesto de evitamento da dor interna e consequente busca do prazer, ainda que efémero ou ilusório. O medo da depressão é o medo de um buraco sem fundo. Mas fugir, evitar, ou negar esse buraco é mais prejudicial do que cair nele, e mesmo batendo de rabo no chão (pois ele tem, sim, fundo) explorá-lo e encontrar maneira de sair ou de viver com ele.
Fugimos da depressão, dor da perda, quando, por exemplo, depois de um divórcio nos negamos a chorar ou a encontrar-nos a sós com a nossa solidão e entramos imediatamente numa nova relação. Fugimos tantas vezes quando nos morre alguém chegado; a dor é funda e temos medo, não queremos senti-la. Fugimos quando não conseguimos estar parados ou sozinhos, evitando ficar a sós com a nossa cabeça. Os casos serão infinitos mas não é preciso um evento externo ou uma causa lógica para sentirmos a presença silenciosa de um qualquer sofrimento. Talvez o maior medo surja mesmo das dores cujas origens não identificamos; daquele sofrimento ou insatisfação permanente que nem entendemos bem de onde vem mas que está lá, à espera que olhemos para ele. Fugimos dessa dor desconhecida, cujas raízes são, frequentemente, antigas e profundas, vivendo refugiados em estratégias que nos permitem andar para a frente, mas sem a coragem de querer perceber o que é isso que nos come por dentro.
Porém, as emoções mais difíceis estão à espreita, e querendo nós olhar ou não para elas, elas olharão para nós. Fitam-nos, particularmente nas horas mais escuras, e talvez seja necessário olhar para elas de frente, e perguntar-lhes “quem és tu e o que queres de mim?”. O conhecimento pode ser assustador, mas o desconhecido é mais. O conhecimento é um processo muito poderoso, porque o medo da dor é sempre pior que a dor em si. O medo vive da imaginação e não tem fim; a dor vive do real e quanto mais intimamente a conhecermos, melhor viveremos com ela, ou apesar dela.  

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Quando dói

Memory (The Heart) - Frida Kahlo
Há muitos anos atrás visitei uma exposição interactiva chamada “Bom dia medo!”. À entrada, todos os meninos escolhiam e sinalizavam, de entre vários, qual o seu maior medo. Entre as opções encontravam-se o medo do escuro, o medo dos animais ou o medo dos desconhecidos mas recordo-me de constatar que quase todas as crianças escolhiam o medo da dor.  
Numa fase precoce do entendimento, tememos mais a dor física (as quedas e trambolhões, as feridas, as vacinas) mas mais tarde, percebemos com facilidade que há outras dores mais terríveis: as dores da alma. Hoje sabemos que toda a dor se processa no cérebro, seja lá de que origem for. Mas é noutro lado que se sente: ninguém quer sofrer cá dentro, no coração. 
O fenómeno da dor (ou das várias formas de se sentir dor) é algo muito complexo: onde uns a sentem, outros não sentem nada, e o que representa dor para uns é diferente do que representa dor para outros. Coisas que antes doíam, deixam de doer. Coisas que nunca doeram, passam a doer. A dor é uma percepção plástica e móvel, que se altera e migra no espaço e no tempo. A dor é também um sintoma: a dor fala sobre muitas coisas. Uma dor de cabeça pode falar de ansiedade, uma dor de barriga pode falar-nos de medo, uma dor nas pernas pode falar-nos de dificuldades no processo de autonomia, entre outras situações. Em boa verdade, sentimos medo da dor física mas aquilo que nos marca é a correspondente dor mental.
Como se não bastasse, não só tememos a dor-em-si como tememos a hipótese de a sentir. Essa mesma antecipação da dor, já causa, em certa medida, sofrimento. Chamamos-lhe angústia, mas a angústia também “dói”. Corrói por dentro, torce-nos as entranhas, tira-nos o sono, a fome, a paz. Ou seja, há o medo da dor mas há também a dor do medo. O medo nasce cedo porque cedo se sabe que muita coisa, no nosso existir, dói. As experiências da dor são inevitáveis. Muitas surpreendem-nos logo dentro da barriga da mãe: desconfortos vários, de maior ou menor intensidade, que a cada sensação rapidamente nos condicionam a não experienciar aquilo mais nenhuma vez. Mas ela regressa sempre, de todas as maneiras. Em desconfortos, outros. Em desencontros, muitos, entre o nosso sentir e o sentir dos outros, pelas perdas sucessivas que vamos acumulando, pelas doenças do corpo e pelos males da alma, há demasiada coisa que dói e é disso que fugimos.
Talvez a melhor forma de lidar com a dor seja, em primeiro lugar, parar de fugir: aceitá-la. É preciso aceitar a dor. É preciso aceitar que ela faz parte da vida: da nossa e da dos outros. É na aceitação da dor que o caminho se torna mais fácil. A vida vai doer, não nos iludamos — coragem. Que isso não nos impeça, jamais, de viver. A vida vai doer mas há outra coisa que sabemos: à partida, nada dói para sempre. Tudo passa. E é nessa certeza que encontramos o conforto necessário para não morrermos de medo todos os dias. Venha o que vier, venha a pior tempestade, haverá sempre de seguida, uma bonança. É desse agridoce que surgem as melhores histórias, os melhores contos, os melhores poemas. 


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Terapia



O ano começa com uma estreia interessante: Terapia, na RTP1, uma adaptação portuguesa de uma série israelita (que chegou ao grande público principalmente após a versão da HBO, In Treatment). Todos os dias, uma sessão por dia. O dos EUA tinha muita qualidade técnica e artística e esperemos que o nosso não fique atrás. Bom ano!

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Os outros em nós e nós nos outros






I carry your heart (I carry it in 
my heart)

Assim começa um dos poemas mais bonitos de E.E. Cummings (1952). E a seguir diz:


i am never without it (anywhere
i go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)

No fundo é tão simples quanto isto, não é? 
Quando o amor do outro mora dentro de nós, nunca estamos sós. Em psicanálise chamamos-lhes objectos internos. Mas o E.E. Cumming tem mais jeitinho. E é assim que aguentamos todas as ausências e separações e perdas. 

E depois eu acho ainda que este poema fala de outra coisa. Fala também daquilo que é o meu trabalho, fala de trazer comigo (e dentro de mim) tantos corações que se cruzam comigo. 

I carry your heart (I carry it in 
my heart)

De me lembrar das pessoas tantas e tantas vezes fora do setting. 

(anywhere
i go you go, my dear;

E ainda do quanto elas nos ajudam a ajudá-las. 

whatever is done
by only me is your doing, my darling)

Tantos corações que carrego comigo.
Tão bom!

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A Droga da Obediência


Em todo o mundo, pelo menos cerca de dez milhões de crianças devem receber a prescrição para tomar comprimidos à base de metilfenidato, uma substância química que actua como estimulante leve do sistema nervoso central, elevando o seu nível de alerta, como uma espécie de anfetamina. O fármaco incrementa os mecanismos excitatórios do cérebro, o que resulta numa maior concentração, coordenação motora e controle dos impulsos. Tudo isto acontece por causa de um bicho-papão chamado Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA), vulgarmente designada pelo seu nome do meio, hiperactividade.
Reza a história que as crianças com PHDA apresentam um padrão comportamental caracterizado, essencialmente, por um persistente défice de atenção, excesso de agitação motora e, eventualmente, presença de impulsividade. A hiperactividade está nas bocas do mundo. É fácil perceber porquê, já que o “diagnóstico” de hiperactividade é um rótulo altamente maleável e sobretudo conveniente, encaixando como uma luva nas crianças de hoje. Em boa verdade, parece que dá jeito esquecer que, em primeiro lugar, as crianças são naturalmente agitadas e impulsivas, em segundo lugar, que são por vezes pouco regradas ou mesmo mal-educadas e, em terceiro lugar, que normalmente a agitação motora e incapacidade de concentração são um sintoma de algum mal-estar psicológico que exige uma leitura do que está por detrás.
Assim, para professores e famílias em pânico e sem tempo para auscultar os sintomas do corpo, existe o metilfenidato. Os médicos alinham e a indústria farmacêutica agradece. Mas o efeito do metilfenidato nas pessoas está longe de ser completamente pesquisado e nada se sabe sobre suas consequências a longo prazo. Contudo, é receitado precisamente a crianças pequenas e, frequentemente, ao longo de vários anos. O mais curioso é que poucos parecem importar-se com a constatação óbvia de que a dita “doença” não é curada através do uso de medicação, mas apenas mascarada. O que importa é as crianças não maçarem muito no momento presente e aprenderem tudo o mais rápido possível, independentemente de "gritarem" por todos os lados que não estão capazes para aprender. E assim que a aplicação do medicamento é suspensa, os sintomas reaparecem imediatamente, e muitas vezes até surgem novos sintomas, mais graves.

Hoje, muitos cientistas, psiquiatras e neurobiólogos já assumem que o uso do metilfenidato foi vantajoso para muita gente, pois existindo uma PHDA, não se responsabiliza quem quer que seja e retira-se um peso aos pais, educadores e professores. Como profundo reflexo dos tempos modernos, se algo não funciona bem, ingere-se um comprimido. Transformou-se em patologia aquilo que remete, no fundo, para questões familiares e culturais. Ao medicarmos os sintomas, excluímo-nos da responsabilidade diante dos novos desafios na educação das nossas crianças. Escutar e observar o que cada criança quer dizer, através de um comportamento tido como desajustado, será o único caminho para não silenciar os conflitos inerentes à construção da vida. 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Piscos e Catrapiscos


Os tiques consistem na execução súbita e involuntária de um movimento, de forma repetida. Vêem-se com muita frequência em crianças, mas são também vulgares em adultos. Desde os cabelos aos dedos dos pés, todo o corpo pode ser “usado” para a manifestação dos tiques. Os tiques do rosto são os mais frequentes: piscar os olhos, franzir o nariz ou as sobrancelhas, movimentos da língua ou do queixo. Há também tiques ao nível do pescoço, braços, mãos, dedos e inclusivamente tiques respiratórios (fungar, assoar-se, tossir, assobiar) ou fonatórios (estalar da língua, grunhidos). Na maioria das vezes surgem com a entrada na idade escolar (6/7 anos).

O tique vem aliviar uma tensão, embora o próprio tique seja, muitas vezes, causador de vergonha, culpa e mal-estar, por não ser muito bem tolerado por nós e pelos outros. Isto só acontece quando desconhecemos que o que importa verdadeiramente é perceber que o tique “fala”, ou seja, tem um significado que não pode ser ignorado. É sinal de mal-estar. No início, pode ser apenas uma reacção a uma ansiedade passageira e pode desaparecer tão espontaneamente como surgiu. O que significa que a pessoa foi capaz de ultrapassar algum conflito ou tensão interior. No entanto, no caso de duração prolongada ou substituição recorrente de um tique por outros tiques, é necessário uma abordagem mais aprofundada que permita entender o que corre mal ao nível das emoções. Há algo dentro de si que a criança (ou adulto) não está conseguir entender e/ou resolver.

Assim, a durabilidade do sintoma-tique permite perceber que estamos já na presença de uma estrutura psicológica de natureza ansiosa e não apenas de uma reacção pontual. Por vezes, os tiques representam uma tentativa muito forte de autocontrolo destas emoções difíceis, mas como a tarefa é árdua leva-nos a descarregar o peso de outra forma qualquer. Não é raro que crianças/adultos com tiques manifestem perfeccionismo e rigor na sua conduta. É que algo está aprisionado, mas precisa de sair. Algo está a ser contido a elevado custo dentro de nós e clama por uma forma de ser expressado. Não é tentando reprimir o tique que iremos resolvê-lo, muito pelo contrário. Já há muita coisa a ser reprimida e daí aparece o tique. Há que olhá-lo como uma expressão de ansiedade/conflito e tentar descobrir o seu significado simbólico que será, sempre, variável consoante a história de vida de cada um de nós.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Pedrinha (Das Separações e das Zangas)

Na última sessão, três meses depois, Celina (11 anos) repetia para o pai sem o olhar: “Não gosto de ti! Não te quero ver!”.
Eu intervenho com a tradução latente, para o pai: “ A Celina não quer ver, não porque não gosta, mas porque gosta mesmo muito do seu pai!...”
O tom afirmativo e seguro da minha voz ajudou Celina a aceitá-lo. Fica muito menos tensa e caem-lhe lágrimas em silêncio.
O pai, que era de facto um homem inteligente e seguro, colabora de modo excelente. Após um silêncio pergunta-lhe suavemente quando pode ir buscá-la a casa para lancharem juntos.
Esta responde: “Lá para Novembro!” (estamos em Agosto). Numa intuição notável, o pai insiste: “Então talvez logo às cinco da tarde…” – “Bem, não sei! Não sei se tenho compromissos. Tenho que perguntar à mãe se posso.”
Já que a mãe e a terapeuta consentem este amor, ele não é mais causa de sofrimento. Saio do gabinete e deixo-os a combinar pormenores.


Teresa Ferreira in A Defesa da Criança

quinta-feira, 7 de junho de 2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O "conforto" do familiar


Não se aprende sozinho nem de repente a ser aquilo que nunca fomos. Não se aprende por instinto a sentir essa espécie de paz/felicidade que nunca foi sentida. É algo que nos é estranho. Mesmo quando ao nosso redor se encontram circunstâncias felizes, podemos “preferir”, inconscientemente, a familiaridade da melancolia ou da depressividade. Podemos não conseguir sair desse lugar que tão bem conhecemos. Podemos não nos permitir sequer tentar. No fim de contas, querendo ou não, são sempre as nossas amarras internas que nos limitam.

“Os meus estados deprimidos ainda me seduzem e fazem falta para me sentir preenchida por dentro. Ainda confio nas minhas tristezas e ainda as chamo, admito. Aconteça o que acontecer, desde que as chame, aparecem sempre. São de confiança. E depois, o que se faz mesmo com a felicidade? É-se feliz, e depois? Depois deve ser preciso aprender a viver-se feliz, a acreditar que se merece, a aprender a não ter medo que algo de terrível aconteça, a fazer as pazes com o que se passou connosco, a aceitar, a perdoar, a aprender a continuar, a acreditar, a confiar, a transmitir, a não desistir, a lidar com o vazio e a preenchê-lo com coisas bonitas feitas por nós. A infelicidade não me exige nada disso, é só deixar-me estar.”

Marta Gautier

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O relógio avariado


O relógio da cozinha continua parado e avariado há mais de um ano. Quantas vezes pensei que bastaria pôr-me em cima de um banco, pegar nele e atirá-lo para o lixo? Mas nunca o fiz. Nunca o fiz porque aquele relógio sou eu. Ele precisa de estar assim, porque algumas coisas precisam de denunciar o que se passa dentro de nós. Não é a preguiça que me impede de o deitar fora, é a verdade. E a verdade é que o tempo está parado dentro de mim. A minha casa sou eu. Está parada. Quando eu começar a funcionar, vai aparecer um relógio a funcionar.

Marta Gautier

domingo, 6 de maio de 2012

Sigmund Freud (156 anos)



Dia da Mãe, mas também dia de um Pai. Comemora-se hoje o 156º aniversário do nascimento de Sigmund Freud, o "Pai" da Psicanálise. Homenageamo-lo, também, por "dar à luz" a teoria mais completa para a compreensão do funcionamento mental no Homo Sapiens Sapiens (o Homem que sabe que sabe). Tanto sabe que usa (inconscientemente) as melhores manobras de ilusão na arte de se enganar a si mesmo.
Freud mostrou-nos as "trevas" que carregamos dentro de nós mas ofereceu-nos as técnicas que nos conduzem à "luz". Hoje, a Psicanálise continua a ser uma viagem fabulosa que nos oferece o conhecimento, a verdade e a liberdade. Para os que têm coragem de dobrar o Cabo das Tormentas e enfrentar os seus Adamastores, grandes Glórias no Horizonte!

sábado, 5 de maio de 2012

Sonho meu



Falar de sonhos não é simples. Sonhar faz parte de uma função psíquica fundamental do ser humano, a função simbólica. Assim sendo, para compreender o que representam os sonhos, é preciso perceber, primeiro, o conceito de símbolo.
Um símbolo, elemento essencial na comunicação e pensamento humanos, é um termo, um nome ou uma imagem que nos pode ser familiar, mas que possui uma conotação especial para além do seu significado evidente. Assim, uma palavra/imagem é simbólica quando implica algo mais do que o seu significado manifesto e imediato.
A nossa mente trabalha com símbolos no seu quotidiano. Mas este uso consciente que fazemos dos símbolos é apenas um detalhe óbvio que remete para um facto psicológico menos conhecido: o homem também produz, ele próprio, os seus símbolos, inconsciente e espontaneamente, sob a forma de sonhos.
Há acontecimentos (vivências com pensamentos, afectos e emoções associados) na nossa vida de que não tomamos consciência. Ficam “guardados” abaixo do limiar da consciência. E, apesar de os termos ignorado (mesmo sem saber que os ignoramos), mais tarde brotam do inconsciente, de forma camuflada: por exemplo, sob a forma de um sonho. Saiba-se que um sonho raramente representa aquilo que nos parece. Por isso são, tantas vezes, desprovidos de lógica ou nexo. Para além do sentido manifesto (evidente) do sonho, possui um poderoso sentido latente (simbólico, escondido, mascarado), dificilmente acessível sem um conhecimento muito profundo de nós próprios.
Do ponto de vista histórico, foi o estudo dos sonhos que permitiu, em grande parte, aos psicólogos, a investigação do lado inconsciente do funcionamento e comportamento humano. De facto, por serem produzidos de forma inconsciente, raramente o indivíduo percebe o que simbolizam, na verdade, os elementos do sonho. Os livros de interpretação de sonhos pouco ajudam, pois todo o sonho merece uma análise global e contextualizada, não podendo ser analisado “às fatias” ou de forma standardizada.
Os sonhos são um mundo intrigante para a maioria das pessoas. Sabemos que apenas conhecemos uma ínfima parte do que se passa dentro de nós. O “resto” fica bem lá no fundo e, muitas vezes, só um processo de psicanálise ou psicoterapia psicanalítica pode trazer à consciência aquilo que, sozinhos, não compreendemos (ou que “escondemos” de nós próprios). Relembrando o que disse Carl Jung em O Homem e os seus Símbolos (1987), “aquele que nega a existência do inconsciente está, de facto, a admitir que, hoje em dia, temos um conhecimento total da psique. É uma suposição evidentemente tão falsa quanto a pretensão de que sabemos tudo a respeito do universo físico. A nossa psique faz parte da natureza e o seu enigma é, igualmente, sem limites.”

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Mãos ao Trabalho!


“O desespero nunca serviu as sociedades democráticas e é preciso ter em conta os sonhos das pessoas, que se podem tornar em pesadelos. Os psicólogos têm um papel fundamental para lidar com as incertezas e ajudar os portugueses.”

Telmo Baptista

Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses - Sessão de Abertura do I Congresso Nacional da OPP (18,19,20 e 21 de Abril de 2012)

domingo, 15 de abril de 2012

Agridoce


Porque caminhamos em terreno agridoce e é nesse entrelaçado de doce e amargo que se inscreve a vida.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O perfil da perversão


O que define uma perversão (ou parafilia)? Clinicamente, o que é um indivíduo perverso? Uma perversão pode ser entendida como uma perturbação crónica do comportamento sexual, em que a expressão de uma “pulsão perversa”, de natureza agressiva, é condição necessária para que o sujeito atinja a excitação sexual e o orgasmo. De outra forma, não sente qualquer prazer, pois o prazer não está ligado aos afectos, às relações humanas ou à intimidade. Podemos talvez dizer que, no mundo interno do sujeito, a sexualidade e a agressividade estão “confundidas”, estando essas experiências sexuais muito aquém daquilo que é verdadeiramente uma sexualidade adulta.

Uma das características básicas do perverso é a ausência de consideração pelo outro, este só serve ao perverso para descarga (sexual e agressiva). Esta instrumentalização/desumanização do outro implica não tomar em conta a sua vontade e o seu desejo; aliás, quanto mais o perverso desvia o outro das suas práticas habituais, mais gratificante se torna o acto. Assim, a sexualidade é um acto solitário, maioritariamente masturbatório, já que, incapaz de vivenciar a intimidade, não existe a ligação ao outro.

Verifica-se com frequência que, na história do perverso, entre mãe e criança o vínculo foi agressivo, e não de amor. Diz-se que a perversão é a patologia do ódio, porque o vínculo com o objecto primário é um vínculo de ódio. Para Stoller, a perversão é uma forma erótica de ódio, em que o meio utilizado para descarregar esse ódio é a humilhação e agressão do outro (representando esses comportamentos o ódio inconsciente ao objecto materno). Para além disto, há no perverso uma ferida narcísica (ou seja, inconscientemente, o sujeito não se ama a si mesmo, sentindo-se inferior) fundamental para a compreensão desta patologia. Tendo por base um vínculo de ódio, a relação básica entre mãe e filho falhou e este foi maciçamente desnarcisado – foi rejeitado/mal-amado. Essa desvalorização primária a que foi exposto faz com que o perverso, enquanto adulto, humilhe o outro, vingando-se pelo ataque como forma de reconstruir o seu próprio narcisismo.

Há várias manifestações de perversões, sendo as mais faladas, o sado-masoquismo, o exibicionismo, o fetichismo, o voyerismo e os abusos sexuais (incluindo a pedofilia). Contudo, qualquer comportamento sentido como um desvio sexual, poderá (ou não) ser uma perversão, dependendo da situação. Importa dizer que, para se estabelecer o conceito do que é um desvio, é preciso uma fundamentação a respeito da normalidade. O que distingue, na prática, uma sexualidade “normal” de uma sexualidade perturbada? Pergunta difícil, pois as considerações de normalidade e convencionalidade são afectas ao tempo e aos costumes. Contudo, sabemos que há limites intemporais à nossa expressão sexual, nomeadamente, o dever de respeitar a vontade e a liberdade do próximo.