segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Pedrinha (Da Liberdade de Ser)


“A análise é árdua e faz sofrer. Mas quando se está desmoronando sob o peso das palavras recalcadas, das condutas obrigatórias, das aparências a serem salvas, quando a imagem que se tem de si mesmo torna-se insuportável, o remédio é esse. Pelo menos, eu o experimentei (...) Não mais sentir vergonha de si mesmo é a realização da liberdade (…). Isso é o que uma psicanálise bem conduzida ensina aos que lhe pedem socorro”.


Françoise Giroud

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Elogio à Consciência dos Momentos Felizes


"Desde cedo que temo a possibilidade de passar pelas horas mais felizes da minha vida sem as reconhecer. Não sei com quem aprendi esse talento. Sinto pena silenciosa quando vejo alguém recordar um tempo em que foi feliz como se, só naquele instante, demasiado tarde, identificasse a felicidade que atravessou. Não quero esse desperdício para mim. A vontade de reconhecer os melhores momentos da minha vida no instante em que estou a vivê-los, dá-me a lucidez de estar sempre alerta para a felicidade. É essa a minha sorte."


José Luís Peixoto in Breve partilha da minha sorte infinita

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Impulsividade



Como uma espécie de relâmpago emocional, todos possuímos e sentimos impulsos. O que varia é a luminosidade do relâmpago, isto é, o grau em que nos invade o pensamento, e o barulho do trovão subsequente, ou seja, a capacidade de conter/controlar esses impulsos.
Ser impulsivo é um funcionamento psicológico mais associado à infância ou à adolescência mas tornou-se uma característica relativamente aceite na idade adulta, muito em parte porque se encontra erradamente associada a uma personalidade forte. Assim, confunde-se frequentemente impulsividade com autenticidade ou mesmo com energia/entusiasmo quando podemos ser genuínos e activos sem sermos impulsivos (ou seja, emocionalmente reactivos). O comportamento impulsivo denuncia uma dificuldade em tolerar os conflitos internos, nomeadamente, afectos mais incómodos e desagradáveis como a ansiedade (ou medo), a frustração ou a raiva. Perante estas emoções, sem uma necessária “digestão” das mesmas (por falta de estrutura psicológica) ou das situações que as despoletam, agimos impulsivamente. Outras vezes, pouco tolerantes à dúvida ou à espera (de novo, nada mais que a ansiedade), agimos, seja por palavras não pensadas, seja num comportamento irreflectido.
Quando há uma maior possibilidade de introspecção, isto é, de pensar analiticamente sobre as coisas (as nossas, as dos outros ou as do mundo) torna-se possível funcionar mais ponderadamente. Pensar implica primeiro conter dentro de nós algumas emoções mais difíceis (durante maior ou menor quantidade de tempo) e depois analisá-las e resolve-las internamente sem descarregar imediatamente os impulsos no exterior (muitas vezes em cima dos outros).
Seres impulsivos por natureza, os animais, esses sim, regem-se por instintos vários, mas o Homem é um ser fundamentalmente reflexivo, o que pressupõe essa dita capacidade de pensar sobre as coisas. No entanto, nem sempre acontece e tudo o que é então demasiado difícil de ser guardado e pensado dentro de nós (conflitos, dilemas, receios) é agido. Olhando em redor, nesta época de brandos costumes, dominada pelos impulsos imediatos ou compulsões, segundo uma apologia consumista “daquilo que não pode ficar para depois”, as pessoas agem muito e pensam pouco. Não se pretende ignorar que alguns impulsos humanos conferem cor e sabor à história de alguém e à história da Humanidade mas a dificuldade que aqui se realça diz respeito ao funcionamento sistematicamente (estruturalmente) impulsivo, que nos leva frequentemente pelo caminho errado e, não raras vezes, longe de mais. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Eu, o Tu e o Nós



Quando crescemos em ambientes de pouca afectividade ou fomos insuficientemente cuidados, tendemos a crescer “coxos”, ou seja, fica a faltar-nos uma estrutura de confiança e amor-próprio suficientes para sermos emocionalmente autónomos. Como consequência, facilmente procuraremos alguém que cuide de nós enquanto adultos, ainda que este movimento seja inconsciente. Por vezes, se o dano for ligeiro, pode encontrar-se um parceiro suficientemente saudável que nos permita sarar quase espontaneamente as falhas das nossas relações precoces. Porém, se o dano for profundo, não só ninguém poderá reparar o que está para trás (nem tem essa obrigação) como nós próprios seremos obstáculo ao bom funcionamento da relação, consoante a sofreguidão com que nos grudamos ao outro.
É vulgar encontrar relações em que um elemento funciona como pai/mãe/bengala/penso-rápido (e por aí fora) do outro. E há muito frequentemente confusão entre isso e algo muito belo (e bem diferente) que se chama “amor”. Podemos então falar de dependência emocional, definindo-a como um padrão persistente de necessidades emocionais insatisfeitas que se tentam suprir de uma forma desadaptada com outras pessoas. Quando precisamos do parceiro para nos sentirmos um ser humano completo, quando toda a nossa vida gira em função de uma relação amorosa, quando não há nada no mundo que mais importe do que isso, é preciso parar para pensar. É aquilo que se entende por um amor fusionado, em que não se percebe onde começa um nem onde acaba o outro. Comunhão, sim, fusão, não.

O que é ser emocionalmente autónomo? Não é não precisar de ninguém pois isso não existe. O ser humano é um ser relacional e a escolha de um parceiro faz parte da condição humana, o lugar onde se coloca o parceiro é que é digno de análise. A relação mais saudável é aquela em que duas pessoas adultas se sentem, per si, completas, mas que, quando se juntam, se transbordam mutuamente e criam algo novo. É poder existir no mundo independentemente da presença constante de alguém ao meu lado. É poder funcionar no dia-a-dia com entusiasmo e confiança mesmo quando estou sozinho. É amar-me. É possuir uma existência, personalidade, vontade, gostos e ideais próprios, e respeitá-los, assim como respeitar/aceitar genuinamente que o meu parceiro possa ser diferente de mim em todos estes aspectos. É permitir que a relação seja um sistema aberto e nunca um sistema fechado sobre si mesmo (senão a relação satura e, sem oxigénio, morre). É existir um Eu, reconhecer um Tu (diferente e separado do Eu), e sentir o Nós como o produto da soma de ambos.