quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Compras de Natal


O misterioso e maravilhoso mundo inconsciente





Este ano, no Dia da Mãe, comemorou-se também o dia de um Pai. Celebrou-se o 156º aniversário do nascimento de Sigmund Freud. Ele, que "deu à luz" a teoria mais completa para a compreensão do funcionamento mental no Homo Sapiens Sapiens (o Homem que sabe que sabe), a Psicanálise. Tanto sabe, que usa (inconscientemente) as melhores manobras de ilusão na arte de se enganar a si mesmo, quando não quer ou não suporta saber.
Cá dentro, possuímos processos conscientes, que percebemos relativamente bem e dos quais damos conta, mas ao mesmo tempo, muito daquilo que somos remete para dados vivenciais aos quais não temos acesso. A descoberta da existência do Inconsciente foi um legado imprescindível que Sigmund Freud nos deixou, permitindo-nos hoje perceber que há mecanismos psicológicos complexos por detrás dos nossos pensamentos, afectos e comportamentos.
Porque não acedemos a esse inconsciente? Porque não podemos (senão não seria inconsciente!). O que fica inconsciente é precisamente aquilo que não somos capazes de pensar. Para nos ajudar com estas histórias escondidas, construímos mecanismos de defesa, todos eles inconscientes, para ajudar (ou não) a lidar com as dificuldades que se vão sentindo ao longo do desenvolvimento. Temos defesas para evitar, recalcar, deslocar ou projectar afectos e pensamentos para outro sítio qualquer bem longe da consciência. Sobre estes mecanismos de defesa, pode dizer-se que uns são mais saudáveis que outros. Pode dizer-se também, que a capacidade de suportar e pensar o sofrimento é fundamental para um crescimento mental e afectivo estruturado, mas frequentemente essas defesas instalam-se maciçamente, desorganizando e prejudicando o nosso funcionamento e personalidade. Freud mostrou-nos as "trevas" que carregamos dentro de nós mas ofereceu-nos as técnicas que nos conduzem à "luz", trazendo à consciência aquilo que precisa de ser pensado e compreendido. Hoje, a Psicanálise continua a ser uma viagem fabulosa que nos oferece o conhecimento, a verdade e a liberdade.
Actualmente, tem como “filhas” as psicoterapias de orientação psicanalítica, que invés de usarem o clássico divã para deitar os seus pacientes, trabalham face-a-face. Contudo, em ambas, o acesso aos fenómenos inconscientes permite descobrir a chave de mistérios fantásticos do ser humano. Para descobrir isto, temos que ter a força e a coragem de olhar a nossa história, pela mão de uma relação sanígena (relação que cura). Para os que têm coragem de dobrar o Cabo das Tormentas e enfrentar os seus Adamastores, grandes Glórias no Horizonte!

(29/05/2012)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Fugindo dos Pensamentos

Arthur Hughes


Ser a moça mais linda do povoado. 
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, 
Ver descer sobre o ninho aconchegado 
A bênção do Senhor em cada filho. 

Um vestido de chita bem lavado, 
Cheirando a alfazema e a tomilho... 
- Com o luar matar a sede ao gado, 
Dar às pombas o sol num grão de milho... 

Ser pura como a água da cisterna, 
Ter confiança numa vida eterna 
Quando descer à "terra da verdade"... 

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! 
Dou por elas meu trono de Princesa, 
E todos os meus Reinos de Ansiedade.

Florbela Espanca (Rústica)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O poder do amor

"When the power of love overcomes the love of power the world will know peace"

Happy Birthday Jimi Hendrix!

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Umbigos




          O narcísico, como o autista e o psicótico – não fossem todos eles egocêntricos –, julgando ver o mundo, não vê senão a sua barriga. Para ele, o centro do mundo é o próprio umbigo; pelos outros não se interessa minimamente, não o preocupam nem o ocupam, é como se não existissem – a não ser na medida em que lhe possam ser úteis  (o seu investimento objectal é apenas funcional ou instrumental – o outro é usado como um instrumento, para realizar uma função de que não dispõe ou é débil). Centra-se em si mesmo, gravita à volta da sua nulidade, pensando – talvez – que com isso pode acender o pavio da sua humanidade extinta. Sim, porque a humanidade gera-se no interesse pelos outros humanos; de contrário, não existe: apaga-se ou não chega a nascer. 
        Mas quem disse “nascer”   “existir”? Responde-se: nasce-se no “útero mental” do objecto, no pensamento e no afecto de quem nos deseja, ama e sonha, de quem gosta e aposta em nós; vive-se, existe-se, se esse investimento em nós persiste.
        A tragédia da desordem mental, seja ela a doença com sintomas ou a perturbação da personalidade com traços patológicos, é esta: a falta ou a perda desse “ninho da alma”, dessa “Terra Prometida”.

António Coimbra de Matos (in reflexão “Princípio e Continuação”)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Feliz à Chuva


Dentro e Fora


Fui muito feliz em alguns dias de chuva. É que quando faz sol cá dentro até podem cair pedras. O tempo de fora não conta quando é Verão dentro de nós. Quando o cinzento de fora espelha o cinzento de dentro é que se torna mais difícil não ir na onda. É um bocadinho como a crise. Quando a crise lá fora espelha as crises cá de dentro tudo parece ainda mais negro. Há muita gente aí aos berros e às pedradas. Cá para mim há muita gente aos berros e às pedradas mas nem sabem bem que crise é que as oprime. Se a de fora se a de dentro. Sem querer negar a realidade do tempo ou da economia quero poder ser feliz em dias de chuva e quero poder ser feliz em dias de crise. Era bom que para além de olhar pela janela olhássemos um pouco mais para dentro da nossa ‘casa’. Pode precisar de alguma arrumação, limpeza ou transformação. Ou aquecimento. Há muitas ‘casas’ demasiado geladas!


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Tecnologicamente Acompanhados



Ao mesmo tempo que todos reconhecemos as maravilhas da evolução tecnológica, sabemos também que nem sempre estes recursos são utilizados da melhor forma. Assim, surgiu há pouco tempo o termo “nomofobia”, uma palavra que resulta da contracção da expressão inglesa “no mobile phobia”. Refere-se ao medo de ficar impossibilitado de aceder ao telemóvel. Também se aplica ao medo de ficar desconectado das redes sociais (pelo menos até alguém inventar um qualquer nome específico também para isso). Com a proliferação dos smartphones, podemos dizer que uma coisa e a outra (telemóvel e redes sociais) estão cada vez mais relacionadas. Dizem os dados de um estudo efectuado em Fevereiro, no Reino Unido, que 66% dos inquiridos diz-se "muito angustiado" com a ideia de perder o seu telemóvel. A proporção chega a 76% nos jovens entre os 18-24 anos, segundo um outro estudo. Cerca de 40% dos indivíduos consultados afirmaram possuir mais de um aparelho.
Posto isto, que ninguém se assuste ou despreze a tecnologia com receio de “apanhar” uma fobia, visto que elas não se pegam nem se reproduzem. Esta “nova fobia” é apenas um nome para mais uma manifestação de ansiedade, manifestações, estas, que se transformam em função dos tempos e das realidades. Sempre houve medo, ansiedade e pânico, o que muda é o meio que nos envolve a forma como, consequentemente, manifestamos essas emoções.
Este receio de ficar desligado da tecnologia permite uma análise mais adequada e profunda, já que ele representa, sobretudo, a incapacidade de estar só. Como se, ao “desligar” o telemóvel ou o computador, corressemos o risco de, também nós, nos desligarmos dos outros e, os outros, de nós. Certo é que só dependemos de estar insistentemente ligados aos outros se precisarmos deles para não nos sentirmos sós e/ou quando não confiamos o suficiente nas relações e nos afectos que nos rodeiam, exigindo um contacto sistemático que afaste os nossos medos.
Quando sozinhos consigo próprios, muitos se sentem invadidos por um vazio insuportável. Ou, ainda, invadidos por pensamentos que, pelo menos ao falar com alguém, se vão dissipando com mais facilidade. Uma companhia é, sem dúvida, um forte distractor. E, aqui, entra a tecnologia: o telemóvel e as redes sociais vieram facilitar, indubitavelmente, a comunicação entre as pessoas. Deixou de ser preciso esperar muito para falar com alguém, as pessoas vivem à distância de uma chamada ou de um click. Permanece a questão mais importante de todas: Estamos a usar estas facilidades de comunicação e ligação de forma saudável, ou antes como um remédio fácil que mascara a incapacidade de estar só por um segundo que seja? 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sometimes


Pedrinha (Das Crianças-Heróis)



Quanto heroísmo não é necessário para vencer e ultrapassar os monstros que povoam a imaginação infantil desde a mais precoce idade da razão! Quanto heroísmo para vencer as injustiças do meio familiar e social! Quanta coragem para que uma criança tenha de se insensibilizar a situações que ultrapassam o seu poder real! Quanta força interior é necessária para a criança se construir a si própria como pessoa, perante a indiferença e o abandono dos maiores!

João dos Santos

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Todas as Palavras



As que procurei em vão, 

principalmente as que estiveram muito perto,

como uma respiração,

e não reconheci,

ou desistiram e

partiram para sempre,

deixando no poema uma espécie de mágoa

como uma marca de água impresente;

as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te

nem foram capazes de dizer-me;

as que calei por serem muito cedo,

as que calei por serem muito tarde,

e agora, sem tempo, me ardem;

as que troquei por outras (como poderei

esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);

as que perdi, verbos e

substantivos de que

por um momento foi feito o mundo.

E também aquelas que ficaram,

por cansaço, por inércia, por acaso,

e com quem agora, como velhos amantes sem

desejo, desfio memórias,

as minhas últimas palavras.

Manuel António Pina

Personalidade Borderline


 
Embora ainda se use frequentemente a expressão “não é defeito, é feitio”, a verdade é que hoje sabemos que a personalidade não justifica tudo e, muitas vezes, estrutura-se mesmo com “defeito”. A personalidade também “adoece”. De facto, muitas das pessoas que conhecemos com comportamentos pouco adequados, são como são porque o seu processo de crescimento pessoal e social foi, de certa forma, boicotado (mesmo quando o indivíduo não dá por isso, conscientemente).
Dizemos que um indivíduo sofre de uma perturbação da personalidade quando se encontra um padrão estável (global e inflexível) de afectos e comportamentos que se afastam marcadamente do que seria esperado, originando sofrimento ou incapacidade para o próprio. São normalmente diagnosticadas na adolescência ou na idade adulta, pois só aí se considera que já existe uma identidade formada.
A patologia borderline (ou patologia limite da personalidade) é uma dessas perturbações de personalidade. O termo ainda não está suficientemente divulgado mas é um tipo de organização mental que tem vindo a aumentar, com maior incidência no sexo feminino. O número de pessoas com este tipo de perturbação que procuram ajuda em psicoterapia é cada vez maior, variando na gravidade dos sintomas mas apresentando como queixa principal a incapacidade de funcionar adequadamente no dia-a-dia e um sentimento de vazio interno.
Um indivíduo com uma organização de personalidade borderline apresenta transtornos em quase todas as áreas da sua vida, principalmente nas relações interpessoais (relações com outras pessoas). Descrevendo estas personalidades em traços largos, encontramos pouca profundidade nos sentimentos (dificuldade em ligar-se ao outro e em manter relações íntimas), bem como uma tendência à desconfiança e uma atitude social pouco agradável. Verificam-se, com elevada frequência, comportamentos de risco, consumos de drogas e álcool e, também, alterações no comportamento sexual. Há dificuldades no controle da vontade, no planeamento dos objectivos de vida e incapacidade para o trabalho (ou dificuldade em encontrar a profissão certa).
Assim, e resumidamente, os sintomas mais comuns são a incapacidade de sentir, a angústia e desamparo, falta de limites, desrespeito pelos outros, comportamento anti-social, depressão com sentimentos de solidão e vazio, intolerância à frustração, comportamentos automutilantes e pensamentos suicidas, incapacidade de sentir prazer, fobias, obsessões e compulsões, dissociações e surtos psicóticos breves.
Estas personalidades assentam em falhas muito precoces do desenvolvimento emocional. Implicam (e ao mesmo tempo expressam) um grande sofrimento e um grande vazio interior. Nem sempre as pessoas querem ser como são, simplesmente, não conseguem ser de outra maneira. Felizes os que reconhecem que algo está errado e pedem ajuda.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Pai = Lei


“É no nome do pai que devemos reconhecer o suporte da função simbólica que, desde a aurora dos tempos históricos, identifica sua pessoa à figura da lei.”

Jacques Lacan in Discurso de Roma – Escritos

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Educar a Escola


O Homo Sapiens Sapiens é, precisamente, não só aquele que sabe, mas, aquele que sabe que sabe, e tendo consciência do seu saber, quer saber cada vez mais e melhor. Por isso, a educação e a transmissão dos conhecimentos preocupam a nossa espécie há milhares de anos.

Desde a época de Sócrates, o filósofo, que a educação tem vindo a ser objecto de interesse de estudiosos e curiosos. A primeira pedagogia, aplicada pelos jesuítas, foi designada “método tradicional”. Era um método estruturado e rigoroso, centrado no saber. Neste modelo educativo, quem detinha o conhecimento era o mestre (o professor) e o aluno era encarado como aquele cuja função era (exclusivamente) receber todo o conhecimento que o professor lhe transmitia. Assentava no formalismo, na memorização e na autoridade, e os métodos de ensino restringiam-se à exposição (da matéria) e à interrogação (questões sobre a matéria, a “chamada”). Na sala de aula, o estrado acentuava a distância física e afectiva entre professor e aluno, e as janelas eram colocadas acima do nível dos olhos dos alunos, para não haver contacto com o exterior. E, durante muito tempo, vigorou este acto educativo, fechado em si próprio.

Perante o avanço do conhecimento acerca do desenvolvimento infantil (e do ser humano, em geral), a pedagogia tradicional tornou-se desajustada e foram sendo gradualmente introduzidas alterações no ensino, tanto estruturais como pedagógicas. Fundamentalmente, o professor e o seu saber deixaram de ser o centro do processo educativo. Simbolicamente, o estrado deixou de existir e as janelas foram abertas para o mundo exterior, permitindo um grande enriquecimento humano pelas novas formas de interacção que então se estabeleceram: mais diálogo entre aluno e professor, mais familiaridade entre alunos, mais partilha entre todos. Cá fora, ao ar livre, os alunos passaram a realizar actividades, visitas de estudo ou ginástica. Através da pesquisa, e de uma forma autónoma, o aluno é agente e constrói também o seu conhecimento, privilegiando sempre a actividade lúdica e o uso dos materiais didácticos. Acrescenta-se a dimensão da liberdade e da disciplina desenvolvidas em conjunto, como controlo e resultado uma da outra.

Já percebemos que “educar não é domesticar”, como diz Eduardo Sá. Mas precisamos ainda de um ensino que ouça todas as vozes, que fomente a criatividade e o pensamento divergente, que legitime o direito à diferença e estimule a individualidade de cada um, sem esquecer, evidentemente, a importância do todo em que nos inserimos. E falta-nos, em grande parte, interiorizar que a escola não pode resolver questões, outras, que ultrapassam o ensino. Quando as coisas não estão bem na vida da criança, ela não consegue beneficiar do que a escola tem para oferecer. A cabeça não pode funcionar na sala de aula quando o coração ficou em casa. E os professores, sozinhos, não sabem nem podem resolver problemáticas que os ultrapassam.

O Brincar (Terapêutico e Desenvolutivo)


A criança, portanto, ao criar uma distância através das personificações, representa e maneja fantasmas que de outro modo seriam intoleráveis, domina angústias e antecipa projectos, dá sentido e organiza o próprio mundo interior, metaboliza e ordena os estímulos que lhe chegam do mundo exterior (e interior), aprende a dominar fantasias e impulsos.

Antonino Ferro

Pedrinha (Das infâncias sólidas)


“A saúde mental constrói-se na infância. Os factores posteriores são menos importantes. Uma criança teve perdas de afectos na infância, fez uma depressão infantil que pode ter passado despercebida, estará mais fragilizada na idade adulta e poderá deprimir facilmente. Se teve uma infância sólida aguentará bem as perdas afectivas.”

António Coimbra de Matos

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Marylin, O Mais Belo Fantasma do Mundo


 
"Ninguém podia adivinhar que se tratava de um fantasma. Ela era demasiado bonita para isso, demasiado doce, resplandecente. Uma aparição não tem calor, é um lençol frio, um tecido, uma sombra inquietante. Ela, ela encantava-nos. Devíamos ter desconfiado. Que poder tinha ela para nos fascinar tanto, para nos impressionar e nos levar à nossa maior felicidade? Deixamo-nos cair na armadilha a ponto de não compreendermos que já estava morta havia muito tempo.

Na verdade, Marylin Monroe não estava completamente morta, estava apenas um pouco, às vezes um pouco mais. O seu charme, ao fazer nascer em nós um sentimento delicioso, impedia-nos de compreender que não é necessário estar morto para não viver. Começara a não estar viva desde que nascera. A sua mãe, desumanamente infeliz, expulsa da humanidade por ter trazido ao mundo uma filha ilegítima, estava estupidificada de infelicidade. Um bebé não se pode desenvolver de outra forma que não seja no meio das leis inventadas pelos homens, e a pequena Norma Jean Baker, mesmo antes de nascer, encontrava-se fora da lei. A melancolia que sentia preenchia de tal forma o seu mundo que a mãe não teve força para lhe oferecer uns braços tranquilizadores. Foi necessário colocar a futura Marylin em orfanatos gelados e confiá-la a uma série de famílias de acolhimento entre as quais era difícil aprender a amar.

As crianças sem família não têm tanto valor como as outras. O facto de serem exploradas sexual ou socialmente não pode ser considerado um crime grave, uma vez que estes pequenos seres abandonados não são totalmente crianças verdadeiras. Algumas pessoas pensam assim. Para sobreviver apesar das agressões, a pequena Marylin teve de começar a “imaginar”, a alimentar-se da própria dor, antes de se afundar na melancolia e na loucura da sua mãe. Então, declarou que Clark Gable era o seu verdadeiro pai, e que pertencia a uma família real. Não tinha outra alternativa! Desta forma construía uma identidade vaga, já que, sem sonhos loucos, teria sido forçada a viver num mundo de lama. Quando a realidade morre, o delírio dá origem a uma maré de felicidade. Assim, casou-se com um campeão de basebol para quem cozinhava todas as noites cenouras e ervilhas , cujas cores tanto lhe agradavam.

Em Manhattan, onde tirou cursos de teatro, passou a ser a aluna preferida de Lee Strasberg, que era fascinado pelo seu estranho encanto. Já tinha estado morta muitas vezes. Era necessário estimulá-la bastante para que não se deixasse levar para o mundo dos mortos. Ela hibernava, não saia da cama e já não se lavava. Quando acordava com um beijo, de Arthur Miller, por quem se tornou judia, de John Kennedy ou de Yves Montand, reanimava-se, deslumbrante e afectuosa, e nenhum deles se apercebia de que tinha sido encantado por um fantasma. No entanto, ela dizia-o quando cantava I’m Through With Love. Estando já afastada do mundo dos mortais, refulgente em plena glória, sabia que só lhe restavam três anos de vida antes de oferecer a si própria um último presente: a morte.

Marylin nunca esteve completamente viva, mas nós não o podíamos saber, pois o seu fantasma era tão maravilhoso que nos enfeitiçava."

Boris Cyrulnik in O Murmúrio dos Fantasmas

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Poesia



É fácil trocar as palavras,

Difícil é interpretar os silêncios!

É fácil caminhar lado a lado,
 
Difícil é saber como se encontrar!

É fácil beijar o rosto,

Difícil é chegar ao coração!

É fácil apertar as mãos,

Difícil é reter o calor!

É fácil sentir o amor,

Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?

Quem é que o saberá sonhar?

A alma de outrem é outro universo

Com que não há comunicação possível,

Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma

Senão da nossa;

As dos outros são olhares,

São gestos, são palavras,

Com a suposição

De qualquer semelhança no fundo.

 

Fernando Pessoa

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A função paterna


 
No princípio são três, mãe, pai e filho. O acto de conceber um filho é da responsabilidade de dois indivíduos e parece que há uma boa razão para que assim seja, fundamentalmente na espécie humana, a mais complexa de todas. Embora hoje muitas crianças cresçam na realidade da monoparentalidade, a investigação psicológica tem demonstrado, de há algumas décadas para cá, a necessidade absoluta e presença insubstituível da figura paterna.

Como se sabe, o nosso equilíbrio emocional e bem-estar psicológico estão completamente relacionados com a qualidade da relação primária, nome atribuído à relação entre mãe e filho, que começa logo durante a gravidez. É esta ligação primordial que nos dá as ferramentas internas para descobrirmos quem somos e conduzirmos a nossa vida com entusiasmo, segurança e responsabilidade. É nessa relação que ganhamos (ou não) o embalo para acreditar, projectar e realizar, bem como para ultrapassar as dores e os dissabores que encontramos pelo caminho.

Contudo, o pai junta-se à díade mãe-filho com uma função igualmente importante para a estruturação psíquica da criança. De certa forma, inicialmente o pai representa a primeira “frustração” introduzida na vida de uma criança: o pai é aquele que “impede” que o filho tenha a mãe exclusivamente para si. Experiência dolorosa, esta, mas necessária para um desenvolvimento saudável. Embora sem essa intenção, um pai permite e prepara, assim, a separação e a autonomia da criança, evitando uma fusão (que não é suposta) entre mãe e filho. Tem uma função separadora mas, ao mesmo tempo, estruturante.

Não fica por aqui, a questão da função paterna. Tal como a mãe, o pai desempenha, também, um importante papel nas interacções com o filho, estimulando e atendendo às suas necessidades básicas (afecto, segurança, alimentação, higiene, brincar e aprender). Alternando com a mãe nestes cuidados, permite à criança conhecer, desde cedo, dois diferentes modelos de relação, um com o pai e outro com a mãe. E nós, espécie inteligente, rapidamente começamos a guardar connosco o melhor de cada um.

Depois, o pai enriquece a identidade de género dos seus filhos, apresentando-se como modelo de admiração ao seu filho-homem e narcisa a feminilidade da sua menina-mulher. Mais. Pai e mãe são o primeiro e mais importante modelo de uma relação amorosa. É através das discórdias entre pai e mãe (se acontecem com respeito e sem depreciação um do outro) que se enriquece a mente da criança, oferecendo-lhe múltiplas perspectivas da realidade. Se o casal lida bem com essas “discussões”, mostra à criança que com liberdade se pode amar alguém que pode ser e pensar de forma diferente de nós.

sábado, 28 de julho de 2012

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Contos de Gente

Era uma vez. E depois foram felizes para sempre. É o começo e o fim de quase todos os contos infantis que povoam o imaginário das crianças. É inquestionável a importância dos contos de fadas: ajudam-nos a imaginar, a sonhar e a desejar. Ensinam-nos sobre o amor e sobre a amizade. Sobre os afectos. Sobre os valores. Ensinam-nos sobre a coragem e sobre a derrota e a vitória. São fundamentais, os contos de fadas. Mas o final é sempre feliz e nunca nenhum conto nos conta o que acontece depois do “felizes para sempre”. E se quando somos pequenos, acreditar nos desfechos felizes é o que nos permite andar para a frente, crescer é deixar cair a ilusão de que o fim das histórias é incondicionalmente feliz. Sem mais sobressaltos. Sem mais tropeções. As histórias são felizes enquanto puderem ser. Ora são mais felizes, ora são menos felizes, ora tornam a ser mais felizes. Crescer é encarar uma realidade que não é eternamente nem estaticamente cor-de-rosa mas podendo aceitar que há muitos outros tons que pintam as histórias das nossas vidas. São tons vermelhos, azuis, verdes, amarelos. Também há os cinzentos e mesmo os pretos. É, a realidade não é um conto de fadas. Mas é uma pintura colorida ainda mais interessante e saborosa do que um conto de fadas. São contos de gente.




“Muitos adultos ficam chocados com a violência dos contos de fadas e se surpreendem com o facto de que não a percebiam quando eram crianças, comprazendo-se nela. É que a maioria das crianças, além de aceitar naturalmente o maravilhoso, espera com inabalável certeza aquilo que o conto promete e sempre cumpre: "e foram felizes para sempre". A gente se engana, portanto, quando tenta "açucarar" os contos ou omitir as passagens "violentas".”

Marilena Chauí

domingo, 22 de julho de 2012

Sunny Sunday



“Sunny,
Thank you for the sunshine bouquet.
Sunny,
Thank you for the love you brought my way.”

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Pedrinha (Das fronteiras necessárias)


“Os bons pais seriam auxiliadores da separação clara entre fantasia e realidade. Nem sempre este equilíbrio é conseguido e a confusão inicia-se, cresce, invade o Eu e surge a ruptura e o sofrimento. Na geração de adultos-pais, falha a capacidade de se separarem dos próprios filhos. O primeiro sintoma deste caos confusional é a abolição de limites-fronteiras claras, entre a geração de pais e a geração de filhos. São os banhos comuns, camas comuns, partilha obrigatória de segredos em todas as direcções, etc. A criança entra em luta por uma sobrevivência e uma autonomia enquanto lhe resta alguma energia disponível, mas se os benefícios narcísicos persistem (“sou igual ao pai porque durmo com a mãe como ele”), a patologia instala-se e pode estabilizar no negativo.”

Teresa Ferreira (in Em defesa da criança)

Pedrinha (Dos amores das crianças)



"A capacidade ou incapacidade de amar tem a sua génese na infância, embora a vivência de uma autêntica relação amorosa só seja possível a partir da adolescência."

Teresa Ferreira (in Em defesa da criança)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Pedrinha (Do conhecer, compreender e transformar)


"A psicanálise serve para aprofundar o auto-conhecimento, e não só; também o conhecimento do outro (os outros) e, sobretudo, das relações não só interpessoais mas essencialmente intersubjectivas."

António Coimbra de Matos


Nota: Estes conhecimentos, por si só, não resumem a psicanálise nem a psicoterapia psicanalítica. Depois de conhecer, despontará o compreender. Estabelecer ligações entre o que é e o que foi. E, por fim, é preciso transformar. O que será. Passado, presente e futuro. Ligados. Descobrir, aceitar,  compreender, integrar e transformar. Em busca do melhor que temos dentro de nós.

O sentido da vida


Não gostamos de falar sobre a morte. Nem sequer de pensar sobre a morte. Também não parece muito confortável ler sobre a morte. Se calhar, depois de a palavra morte surgir tantas vezes, sem eufemismos, muitos interromperão, já aqui, a sua leitura. Quem ama a vida, sofre quando pensa na morte. E teme-a, dada a sua inevitabilidade.
Ganhamos, desde cedo, consciência do fim da vida. Essa consciência conduz-nos a um tipo de angústia muito particular, a angústia existencial, que embora surja logo na infância, se torna mais pensada (logo, mais sentida) a partir da adolescência. À volta desta angústia nascem questões que, com maior ou menor frequência, todos já colocámos: O que há depois da morte? Qual o sentido da vida? Existe Deus? Será, a alma, imortal?
Como lidamos nós com a certeza da nossa finitude?
Para quem, através da fé religiosa, encontra as suas respostas para estas perguntas, torna-se mais fácil viver sem grandes problemas existenciais. É uma forma de dar um sentido à nossa existência e que nos garante o reencontro das almas mesmo depois do adeus.
Para quem estas perguntas ficam sem resposta, para os que não encontram aqui a serenidade necessária, são adoptadas outras maneiras de seguir em frente (sabendo que seguir em frente significa seguir em direcção à morte). Perante a angústia existencial, encontramos um mecanismo de defesa psicológico chamado evitamento, que nos ajuda a “esconder” de nós próprios os nossos maiores receios (e outras emoções). É útil, caso contrário, estaríamos todos mais ocupados a questionar a fragilidade da vida do que a vivê-la. Na sua vertente mais patológica, o mecanismo do evitamento pode assumir a forma de delírio. Aí, quando a dificuldade de pensar a morte se mascara de indiferença ou até de omnipotência, tendemos a “desafiá-la” inconscientemente e, à custa disso, podemos encontrá-la mais cedo.
O mecanismo de evitamento mais saudável é de outra qualidade, é a resignação/aceitação. A maioria de nós apaga a consciência da morte enquanto se entretém com as tarefas da vida. Percebemos que a melhor forma de não temer a morte é dar sentido à vida. É aproveitá-la. É amar e ser amado, crescer, criar vínculos e/ou descendência, produzir obra e deixar um legado. Temos a liberdade de escolher que sentido dar à nossa vida, contudo, de tudo o que podemos escolher, que seja uma escolha de amor. É pelo amor que melhor se ultrapassa a angústia existencial. Pelo estabelecimento de relações significativas e criativas. O amor por nós e pelo outro é o espelho do amor pela vida (que é, no fim de contas, feita da soma de nós e dos outros).

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O Estranho do Lado


“ (…) Assim como na Física há uma lei segundo a qual dois corpos não ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo, deve haver outra lei, no universo subjetivo, que impede duas individualidades de viverem a mesmíssima vida. Tenho a impressão que a insistência em contrariar esse princípio está por trás de muitos e graves desencontros por aí.
Desde a adolescência, e provavelmente ainda antes, somos alimentados com a ilusão de que um dia encontraremos alguém com quem iremos nos fundir. A tal pessoa, aquele, a mulher da nossa vida, o príncipe encantado – todos esses são agentes do destino que teriam a função, na nossa história pessoal, de rasgar a couraça da individualidade, penetrar nosso casulo e nos salvar, de forma permanente, da horrível solidão de ser um indivíduo. A partir desse momento redentor, a nossa dor fundamental seria superada e seríamos, então, felizes para sempre. No outro.
Algumas vezes, mesmo na vida real, chegamos perto desse estado idílico de aniquilação. É quando estamos apaixonados. Nesse momento mágico – e, segundo o Freud, patológico - nossos sentimentos em relação ao outro são tão violentos que parecem romper o isolamento essencial. Em tal estado de comoção de ser parte do outro. Se ele se afasta, sentimos dor. Se ele está perto, sentimos prazer. Parece ser impossível viver sem ele, porque se tornou parte de nós.
Em “O Monte dos Vendavais”, a jovem apaixonada diz ao rapaz “Eu te amo”, e ele responde “Eu sou você”. Não existe na literatura ou no cinema uma declaração de amor mais radical do que essa.
Há outro momento em que também nos sentimos perto desse sentimento. É no sexo. Em meio ao prazer, aquilo que nós somos desaparece temporariamente em direção ao outro. Mergulhamos numa torrente tão intensa que, por alguns minutos, não somos mais que o conjunto daquelas sensações. Há uma pequena morte aí, um breve suicídio prazeroso no qual mergulhamos felizes, levado pelo corpo e pela personalidade do outro.
Mas esses momentos são terrivelmente efêmeros, não? Mesmo a mais intensa paixão é passageira. Cedo ou tarde, ainda que contra a nossa vontade, somos arrastados de volta à normalidade de sermos apenas um. Logo chega o momento em que é preciso negociar com a personalidade do outro, com a percepção do outro, com o desejo do outro. Com isso se desfaz a ilusão de pertencer. Deparamos, de novo, com a nossa assustadora e iniludível solidão interior. Sabemos disso, vivemos isso desde crianças, mas uma parte de nós continua sonhando com uma paixão tão arrebatadora, tão dominante, que nos livre para sempre de nós mesmos. Crescer, eu acho, é deixar também essa fantasia para trás.
Alguns recusam isso terminantemente. Insistem em esperar pelo sonho ou – muito pior - tentam transformar a vida real a dois num exercício de destruição das personalidades. Fazemos tudo juntos, pensamos o mesmo, gostamos das mesmas coisas, compartilhamos as mesmas experiências, dizem. Na boa ou na marra, vão arrastando o outro a uma vivência que é uma réplica da sua. Até o ponto em que, de tão parecidos, não tenham mais nada a contar um ao outro. Então se separam.
Estou exagerando? Claro que sim. Mas, mesmo entre pessoas que não vivem na caricatura, o impulso comum de controlar o outro faz parte do movimento de negação da individualidade. Ele se recusa a reconhecer o outro com as suas necessidades próprias, sua existência fora de nós. O desejo de aprisionar é o impulso de se proteger do outro, que, insistindo em ter vontade própria, pode fazer algo que nos machuque.
Enfim, acho que é disso que os sonhos falam. Da nossa vontade de ser forte como indivíduos e do nosso medo oceânico de nos desligarmos dos outros. Da contradição entre a vontade de crescer e o impulso de permanecer um bebê chorão, ligado ao outro por um cordão umbilical. Os sonhos contam que o amor, lindo que é, essencial como possa ser, não nos salva de sermos nós mesmos. Mesmo quem respira suavemente ao nosso lado, adormecida, tem sonhos separados dos nossos. É uma pessoa estranha que amamos, mas sobre a qual nunca saberemos o suficiente. É preciso respeitar esse mistério.”
Ivan Martins