quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Como dizia o poeta


Porque a vida só se dá pra quem se deu,
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu.

Vinicius de Moraes

Depressão vs. Personalidade Depressiva


Tem sido falado que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais. Sabe-se que dois milhões de pessoas, na sua maioria mulheres, sofrem de depressão. Os dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que, em 2020, será esta a patologia que mais despesas acarretará para o Estado. Preocupante? Sim, porque os reais contornos da depressão ainda são significativamente desconhecidos e/ou desvalorizados pela generalidade dos portugueses.
Operacionalizando, sabemos que um indivíduo sofre de depressão quando verificamos alguns destes sintomas: presença de humor depressivo (ou perda de interesse em quase todas as actividades); alterações no peso ou apetite, sono e actividade psicomotora; diminuição da energia; dificuldades em pensar, concentrar-se ou tomar decisões; sentimentos de desvalorização pessoal ou culpa; ansiedade elevada e/ou sensação de pânico; pensamentos frequentes a respeito da morte ou ideação suicida. O afecto principal da patologia depressiva é a tristeza (embora nas crianças o humor possa ser irritável em vez de triste). Não esquecer a face psicossomática da depressão, ou seja, a presença de “dores” do corpo que tantas vezes não são mais do que o espelho das “dores” da alma.
Consoante os autores, vários modelos defendem a origem da depressão como mais dependente ora das estruturas psíquicas internas, ora da experiência. Contudo, todos apontam, com maior ou menor relevo, as inadequações do processo afectivo-relacional com os progenitores como o aspecto central na origem da patologia. As estruturas depressivas são sempre condicionadas por acontecimentos exteriores sentidos por nós com um carácter de insuficiência, ausência, vazio e, quase sempre, mais do que a forma como as coisas realmente se processaram, o que interessa é a maneira como as sentimos.
Quando se fala de estrutura depressiva (ou personalidade depressiva), queremos clarificar que são inúmeros os casos em que, independentemente de não se verificar um quadro depressivo propriamente dito (e impeditivo de uma vida funcional), os indivíduos apresentam uma personalidade com traços declaradamente depressivos, encontrando-se à espreita uma potencial depressão (com tudo o que tem direito). Pintada em escala de cinzentos, numa personalidade depressiva encontramos normalmente uma acentuada dependência de um objecto protector e satisfatório (que se prolonga pela vida fora em relações familiares, de amizade, conjugais, etc), uma baixa auto-estima e self diminuído, e uma culpabilidade interna que espreita, implacável e punitiva, invadindo o sujeito com a responsabilidade de “todos os males do mundo”.
Importa realçar que, quer haja uma depressão propriamente dita, incapacitante, quer haja unicamente uma personalidade de tons depressivos, a necessidade de um acompanhamento psicológico surge sempre na medida em que o indivíduo sinta que o seu funcionamento traz prejuízo ao seu bem-estar.

domingo, 23 de outubro de 2011

Pedrinha (Da chuva)

Chuva, caindo tão mansa,
Em branda serenidade.
Hoje minh'alma descansa.
— Que perfeita intimidade!...


Francisco Bugalho, in "Paisagem"

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

P.S.

mas...
"o coração, se pudesse pensar, pararia"

Pedrinha (Dos "sentimentos pensados")


Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Com o pensamento na crise (e a crise no pensamento)

Estamos em crise. Em traços largos, sabemos que, se um organismo entra em crise, houve uma falha nos seus mecanismos de auto-regulação e de regulação externa. Por vezes, homeoestaticamente, o organismo consegue auto-reparar-se e retomar o seu percurso de desenvolvimento (que, entretanto, ficou suspenso). Outras vezes, atingido um certo limite de desvio e um dado nível de desregulação, o organismo já não tem capacidade de, per si,  se auto-reparar, tornando-se urgente recorrer a uma intervenção externa que ajude na reparação e minimização dos danos dessa mesma crise.
Sabemos que é este o ciclo evolutivo: é decadência, crise e mudança, como destaca o Prof. António Coimbra de Matos. Um sistema, qualquer sistema, num dado momento, entra em declínio (esgota-se, desadequa-se ou torna-se nocivo), instalando-se assim uma crise que exige uma mudança. Essa mudança permite a evolução desse mesmo sistema, reequilibrando-o. Assim foi, repetidamente, ao longo da história da humanidade: na ciência, na religião, na política, na economia. E assim será, naturalmente, no sistema mais complexo de todos, o ser humano, em momentos da vida de cada um de nós, a nível pessoal (interno) e relacional (externo).
E assim podemos dizer que, numa crise, surge a oportunidade de criação de algo novo e sempre mais eficaz (espera-se!). Desde que haja um olhar atento (e ético...!) que compreenda e transforme as causas da crise (não se tente resolver uma crise com os mesmos modelos que a ela conduziram!). Porque uma crise exige mudança e a mudança implica novas formas de pensar, agir e sentir.  A mudança é condição sine qua non do desenvolvimento. Para isso, cada um necessita de usar a sua capacidade de pensar e, fundamentalmente, de se questionar, sobre o papel que tem (porquê demitirmo-nos da responsabilidade do individual que influencia o colectivo?!) na resolução da crise (esta, aquela ou a outra).
Comecemos, como disse, pela mudança das mentalidades e pela resolução das nossas crises internas. Comece-se por interiorizar que a cooperação deve substituir a competição. Colocar a responsabilidade no lugar da culpa, a confiança no lugar da desconfiança, o empreendedorismo no lugar da apatia.  Exige-se uma mudança social. Exige-se uma mudança que toque nas bases, nas fundações. Podemos, talvez, começar por combater a crise dentro de cada um de nós: a crise ética: dos valores; a crise dos afectos: do indivíduo, das famílias. Que a crise lá fora nos leve a pensar sobre a crise cá dentro.

Referência Útil: Coimbra de Matos, A. (2011). Relação de Qualidade: penso em ti. Climepsi.

Pedrinha (Do que é novo)


O prazer com o novo é o motor do desenvolvimento pessoal e colectivo. O medo do novo é sinal de insegurança e causa de paragem do desenvolvimento ou mesmo regressão.

António Coimbra de Matos

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Pedrinha (Das relações criativas)


Não procures alguém que te complete. Completa-te a ti mesmo e procura alguém que te transborde.

Clarice Lispector

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Intimamente


Freud dizia que possuímos um desejo profundo de nos unirmos com o mundo que nos rodeia, estabelecendo uma comunhão íntima com as outras pessoas. Meltzer, psicanalista inglês que sempre se interessou pelo tema da intimidade, falava da solidão e de como a nossa existência se torna mais agradável se for possível vivenciar estados de intimidade.
A intimidade é um estado de comunhão dos afectos, um sentimento de familiaridade, um encontro único e genuíno entre pessoas que partilham as vidas e, fundamentalmente, as almas. Porque é que encontramos pessoas que não são capazes da intimidade, parecendo não se entregar/revelar verdadeiramente a ninguém? Porque, naturalmente, a intimidade acarreta riscos. É, amar é um risco (não será toda a nossa vida uma aventura de risco?). Não deixarmos que ninguém nos toque ou nos veja no mais profundo e íntimo de nós mantém-nos a salvo de algumas desilusões. Pelo menos, aparentemente.
Na realidade, este funcionamento é um mecanismo de defesa. Por medo ou incapacidade, são erguidas barreiras defensivas contra a intimidade, como forma de evitar qualquer tipo de sofrimento emocional. Não acontece de forma consciente e, quem age assim, raramente compreende porque o faz. São defesas inconscientes, frequentemente camufladas por personalidades pretensamente indiferentes e desprendidas. Contudo, honestamente, não resulta. Há um vazio que permanece e que nos mostra que ao amputarmo-nos do que mais belo e singular existe nos seres humanos, a nossa maravilhosa capacidade afectiva, não se encontra nenhuma espécie de felicidade.
Não se faça confusão. O adolescente que se movimenta entre curtes, está em idade natural para isso. Ele experiencia vários objectos amorosos, em busca daquele com quem estabelecerá um dia mais tarde uma relação de intimidade. Estranho será o adulto que diz nunca ter amado ninguém ou o adulto que não consegue fixar-se numa só relação amorosa, entre outros casos. Tendencialmente, ao crescer deixamos de alinhar em relações fortuitas. Aliás, não há nada de gratuito quando duas pessoas se tocam, como afirma o Prof. Carlos Amaral Dias. Essa pretensa gratuitidade que por vezes nos ilude, atinge-se à custa da negação, da negação daquilo que realmente necessitamos, a intimidade.
Para a construção de uma relação, é fundamental que se consiga experimentar e viver as emoções, o amor e o ódio, a ambivalência, o medo ou a ansiedade. A confiança (em nós e nos outros) também é um elemento importante para que nos possamos entregar num encontro com o outro sempre desconhecido, com todos os mistérios e riscos que esse encontro envolve. São capacidades que adquirimos a partir da qualidade do vínculo materno, na experiência mais precoce, e se não as posssuirmos, teremos alguma dificuldade em desenvolver a disponibilidade suficiente necessária para o estabelecimento de uma relação de intimidade.