Na era moderna iniciou
reinado “Sua Majestade, Os Mercados” e, consequentemente, aquilo a que podemos
chamar a mercantilização das coisas. A mercantilização deriva em grande parte
da difusão do capitalismo global e da sua tendência para a
quantificação/qualificação de tudo, o que acontece muitas vezes de forma
redutora. E assim chegamos a uma questão importante: a disseminada confusão
entre o preço e o valor das coisas.
Segundo a
teoria económica, o preço de determinado bem resulta do confronto, no mercado,
entre a sua procura por parte dos consumidores e a sua oferta por parte dos produtores. Tem também que ver com o processo de
concepção do produto mas é cada vez mais fundamentando no que o mercado “pensa”
e “diz” que algo vale. O preço é ainda ditado pela moda, pelo marketing e pela publicidade.
O preço é algo que é atribuído, a sua origem é externa, o que implica que nem
sempre o preço de algo é equivalente ao seu valor.
Valor é
um conceito diferente. Há coisas muitos valiosas que nem sequer têm preço e,
inversamente, há coisas muito caras sem grande valor. Valor é outra coisa. Se o
preço é ditado, o valor é intrínseco. O valor vem de dentro, é uma propriedade independente
do exterior. O valor não está dependente de nada, está dissociado (ou deveria estar)
dos mercados, das modas, da procura e da publicidade. É também uma característica
bastante subjectiva: difere consoante o olhar de cada um.
O olhar mercantilista da era moderna conduz, talvez, à confusão.
Observamos que as pessoas vão sendo sucessivamente influenciadas pelo valor que
o mercado atribui às coisas (preço) e não pelo valor intrínseco das mesmas. Ou
seja, as pessoas vão perdendo a sua capacidade crítica, o seu livre arbítrio e
mesmo a sua identidade, deixando de escolher (ou mesmo saber) o que querem e
passando a escolher o que os mercados aprovam ou recomendam.
Depois, e talvez mais
grave, deu-se uma aplicação do mesmo raciocínio às próprias pessoas, num
processo que Carlo Strenger chamou a “mercantilização do Eu”. É hoje possível
dizer que muita da nossa angústia narcísica (qual é o meu valor?) talvez derive
do facto de vermos pessoas procurar o seu “preço” ao invés do seu valor. Querem
saber o valor que o “mercado” lhes atribui — quantos amigos, que estatuto, quanto sucesso, que ordenado,
quantos “gostos” — quando na
verdade, aquilo que nos permite gostar de nós é sabermos o nosso valor, i.e.,
sabermos quem somos e o que nos torna diferentes: diga o mundo o que disser, recomende-nos
o que quiser, pague-nos o que pagar, goste de nós ou não.
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