Não
levemos as palavras demasiado a sério. O mais verdadeiro mora no silêncio que
fica quando elas se calam: a essência de todas as coisas. É nesse tempo e
espaço que tudo acontece: ou elas são confirmadas, ou caem no vazio. A
capacidade de falar confere ao Homem um poder que mais nenhuma outra espécie
animal domina: a capacidade de iludir, de enganar, de confundir, de prometer,
de manipular, não só aos outros como a si mesmo.
As
palavras são uma construção. Com elas eu posso criar tudo o que eu quiser,
incluindo uma realidade à minha medida. As palavras seduzem e conduzem: levam-nos
para onde nos querem levar. As palavras vendem: fazem-nos comprar o que pode ou
não corresponder ao seu conteúdo. As palavras são feitiços: prendem-nos a
situações e circunstâncias que, lúcidos, não desejaríamos. As palavras são
mentirosas: escondem verdades não assumidas. As palavras são envolventes:
deixam-nos a rodopiar na confusão dos enredos. As palavras são roupas:
despem-se.
É
sobretudo por causa delas que na política se chega à vitória. Com palavras que,
infelizmente, ficam tantas vezes aquém das concretizações. É assim que, em
clínica, encontramos pessoas tão perdidas, tão longe da verdade das suas vidas,
tão confundidas por tramas mentirosas nas várias relações e circunstâncias à
sua volta. Sentem que alguma coisa não está bem nas histórias que contam a si
próprios sobre o seu passado, o seu presente ou o seu futuro, mas nem sempre
sabem identificar o quê. De que nos valem as palavras quando não batem certo
com as vivências? Damos demasiado peso à linguagem e legitimamos pouco o nosso
sentir; e talvez aconteça que, quanto mais a espécie evolui em conhecimentos,
mais isso aconteça.
É
preciso, sobretudo, viver com e na verdade; uma existência livre de ilusões. É
preciso escutar o nosso sentir, e assumi-lo. Tapar os ouvidos, ir para longe do
“ruído” e pensar. É preciso olharmos de frente o que não é dito, ou seja, o que
é (ou não é) feito. É preciso que as palavras das nossas histórias sejam
consistentes com as ações que as preenchem. É preciso que sejam sólidas, como
uma árvore bem enraizada no seu chão —
não como um castelo de
areia.
Não,
não podemos confiar cegamente nas palavras. Não se trata de estar de má fé,
trata-se antes de estar acordado e bem desperto. A vida é nossa e temos o dever
de olhar por ela, digam lá os outros o que disserem. Não podemos confiar
cegamente, não, mas podemos confiar. Basta estarmos atentos. Podemos, inclusivamente,
acreditar na sua inocência até prova em contrário. Olhos abertos e pés assentes
no chão. Porque a palavra pode, sim, ter valor, consoante a ética, a coragem, a
maturidade e o grau de consciência de si e do mundo de quem as usa. E ao
encontrarmos pessoas assim, respiraremos fundo ao constatar a diferença e saberemos
que podemos fechar os olhos por alguns momentos ao sentir que tudo está certo.
Sem comentários:
Enviar um comentário