“Desculpa-me estar hoje tão negativa”,
ouvi. O que há para desculpar? O problema é que as pessoas foram gradualmente convencidas
de que a sua negatividade é uma “falha no sistema”, através de uma cultura de busca
de diversão e prazer constante. Movimentos como a psicologia positiva e/ou as
palestras de gurus motivacionais abençoaram esta ideia de que o pensamento deve
ser sempre positivo. Não há muito lugar para choro ou lamentações, exige-se às
pessoas confiança, entusiasmo e gratidão permanentes. Que espaço sobra para as
emoções mais difíceis?
É um facto: hoje em dia foge-se das
emoções negativas como o diabo da cruz. Mas talvez por isso mesmo as pessoas
andem mais doentes. Não choram, não conversam, não partilham, não querem ser um
incómodo ou uma nuvem cinzenta sobre a cabeça de ninguém. De alguma maneira,
circula a ideia de que a boa companhia é aquela que está sempre bem-disposta,
de sorriso pregado no rosto e uma piada na ponta da língua. Uma pessoa fácil e
leve. A verdade é que esta tendência é prejudicial ao desenvolvimento emocional
saudável de cada um de nós. Normalizar o contato com as emoções difíceis —
raiva, tristeza, medo, angústia — sem as reprimir, seria um projeto bem mais
adequado ao bem-estar psicológico.
É que a vida nem sempre é para
celebrar. Por vezes, é mesmo para chorar. E não só durante um momento, mas
talvez durante os momentos necessários até resolver esse problema, seja externo
ou interno. O recente filme de animação Divertida Mente (no original, Inside
Out) tentou, e bem, mostrar isso às crianças (e não só). Uma das personagens
que habita o universo emocional de Riley é a Tristeza, que vive com uma grande
culpa de não conseguir ser mais alegre. Partilhando da mesma opinião, a
Alegria quer predominar, tentando manter a Tristeza o mais longe possível de
forma a que Riley seja uma menina mais feliz. Contudo, é ao excluir
sistematicamente a Tristeza que se faz ruir todo o mundo interno de Riley,
porque em certas situações da vida, reprimir a Tristeza é impeditivo de uma
melhor elaboração e resolução do problema. Até porque, mesmo quando nos
impedimos de pensar ou sentir algo, o nosso inconsciente fica a trabalhar sobre
isso na mesma, e nem sempre da melhor maneira. Toda a verdade que não
enfrentamos, assombra-nos.
E a verdade é que uma vida com sentido
inclui episódios de toda a espécie. Ela até pode não ser sempre implacável, mas
será pelo menos imprevisível e inconstante — como dizem os Stones, “you can’t always get what you want”. É
fundamental aceitar e assumir a complexidade da vida, e vivê-la em pleno. É,
aliás, o que lhe dá profundidade e sentido. O mal-estar dá sentido ao
bem-estar, assim como o frio dá sentido ao calor e a noite dá sentido ao dia. É
a experiência negativa de uma coisa que nos permite distingui-la do seu
contrário, valorizá-lo e saboreá-lo.
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