É transversal a todas as
culturas, a imagem da criança que brinca. Brincar é muito mais do que uma mera distracção
ou entretenimento. É a forma privilegiada de expressão emocional e, mais ainda,
uma tarefa de desenvolvimento que permite o treino de competências de todas as
ordens (fisicas, sociais, emocionais, cognitivas). Brincar é um trabalho
fundamental para que se tenha mais sucesso na adaptação posterior à realidade. Freud
foi pioneiro ao propor uma compreensão do brincar. Dizia então que o sonho era
o caminho real para o inconsciente do adulto e que o brinquedo era o caminho
real para o inconsciente da criança. Melanie Klein, a partir dos estudos de
Freud, aprofundou o significado da actividade lúdica para a criança, elaborando
um corpo de conhecimentos, teóricos e práticos, sobre o entendimento e o uso do
brinquedo como recurso terapêutico e de desenvolvimento da criança. Piaget, já
mais tarde, destacou três períodos na evolução do brincar, um primeiro período onde
se brinca com o corpo (num exercício sensório-motor), um segundo período em que
o brincar se torna simbólico (recorrendo a símbolos, uma criança desenvolve a
capacidade de fantasiar e fazer-de-conta, tão fundamental) e, um terceiro
período, dominado pelos jogos de regras, em que se brincam os limites e as
obrigações comuns, criadas e cumpridas em grupo. Haverá momentos em que
brincará a sós, num recolhimento essencial e em relação consigo, outros em que
brincará acompanhada, em relação com os outros.
Brincar é uma experiência
criativa. Brincando, a criança é soberana, colocando a realidade à disposição
das suas fantasias. O brincar é lúdico e, ao mesmo tempo, uma coisa séria. É
muito engraçado observar a concentração com que uma criança é capaz de brincar
e quão importantes são todos os contornos das suas brincadeiras. Uma criança
que não brinca está (ou foi), por algum motivo, impedida de um acto instintivo
e primordial.
O desenvolvimento infantil espelha-se
no brincar. A criança, quando brinca, coloca o seu mundo interno na
brincadeira, brincando as suas aquisições, as suas ansiedades, brincando também
as suas zangas e a sua agressividade. Repete e elabora experiências emocionais importantes
através da brincadeira. O desenho, uma forma particular de brincar, é mais um
espelho do mundo interno da criança. Enquanto pequenos, os pensamentos e as
emoções são mais facilmente comunicados pelo traço do que pela palavra (porque a
evolução corpo à mente leva o seu tempo).
Naturalmente, é, assim, o meio
privilegiado de contactar com a criança e entrar no seu mundo privado.
Observando o brincar, brincando com ela e dando um sentido à brincadeira. Como
disse Winnicott (1971), “ é preciso não esquecer que brincar é uma terapia em
si”.
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