Querer dar o melhor de si é uma virtude. É o que faz um indivíduo e uma sociedade desenvolver-se. Porém, o perfeccionismo é outra coisa. É sobretudo uma insatisfação permanente. É uma urgência em alcançar um ideal que raramente é real, pois o sujeito vê sempre mais a falha do que a concretização, isto é, o copo está sempre meio vazio e, muitas vezes, não se chega a gozar nem o processo em si nem o resultado.
Na verdade, o perfeccionismo não
assenta literalmente sobre o aperfeiçoamento das coisas em si: o trabalho, um
projeto específico, a nossa aparência ou as relações que estabelecemos. A um
nível mais profundo, o perfeccionismo é sobre aperfeiçoar-se a si mesmo, é
sobre uma sensação de insuficiência que transborda para todos os campos da
nossa vida. E esta necessidade (ou angústia) não vem de um lugar saudável.
Todos os componentes e dimensões do perfeccionismo envolvem, em última análise,
uma “obsessão” em aperfeiçoar um self imperfeito.
De onde vem
esta forma de funcionamento? O perfeccionismo está enraizado no mundo
relacional do indivíduo. Deriva das relações primárias, aquelas que
desenvolvemos nos estágios mais precoces da vida, quando nelas experienciamos
uma grande exigência, desamor ou vinculação frágil: vivências primitivas de
insegurança, vergonha, culpa. Ambientes de pouca aceitação/valorização, crítica
sistemática, busca permanente de uma validação que não chega, rejeição ou mesmo
abandono, maltrato, humilhação e desespero. Assim, o perfeccionismo entende-se
à luz das características mais fundamentais dos humanos: a necessidade de ligação/pertença
e necessidade de uma autoestima positiva (que enraíza nessa percepção de fazer
parte e ser importante). Desejo de ser aceite, reconhecido no seu valor, respeitado,
cuidado e de ser importante para os outros, i.e, ser amado.
O paradoxo é
que, embora enraizando em questões relacionais, o perfeccionismo veicula o
desligamento, o afastamento e uma certa falta de intimidade, em resultado da alienação
de um indivíduo que está tão focado nos seus processos que nem sempre olha para
o outro. A sensação de falha permanente contribui para uma insatisfação com a
vida em geral, que tantas vezes
posiciona as pessoas em lugares menos bons nas relações que estabelecem.
Talvez o
perfeccionismo seja também um resquício de uma omnipotência primordial, uma
manifestação das nossas partes mais infantis que ainda perseguem metas pouco
ajustadas e muito idealizadas. O crescimento permite-nos aceitar a nossa
falibilidade, as nossas limitações, com tolerância para connosco mesmos. O
momento em que aceitamos aquilo em que somos menos bons é um momento de
libertação e é um processo que elaboramos cada vez melhor à medida que
conseguimos constatar que para cada coisa em que somos menos bons há outra em
que somos melhores.
Apesar do
perfeccionismo poder trazer benefícios tangíveis, como, por exemplo, ser bem
sucedido, ele é, na verdade, uma vulnerabilidade da nossa personalidade. A
perseguição de metas pouco realistas é uma forma de viver o Inferno na Terra. Que possamos
dar o nosso melhor (assim a vida o permita),
reconhecendo sempre o nosso empenho mas também os nossos limites; com respeito
por nós mesmos, pelo nosso trabalho, pela nossa dedicação; sem depreciações ou
ruminações que não nos permitem avançar com maior simplicidade. Pede-se, àquele
que nunca está bem consigo, um olhar de lucidez e justiça para com quem é e
para com aquilo que já conquistou.
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