A
culpa é um sentimento ligado ao sentido de responsabilidade e à reflexão sobre
as consequências dos nossos actos. Para lá da sua definição mais básica, a
culpa é um sentimento complexo. É complexo porque existe a culpa dita normal,
lógica, mas também uma culpa que pode ser ilógica, logo, patológica. Este último
sentimento de culpa implica assumir uma culpa que não nos “pertence”, traduzindo-se
num estado constante de angústia e sistemática desvalorização de si mesmo. É deixar-se
culpar facilmente pelo outro em situações em que não é suposto, ou mesmo pedir desculpa ainda antes de sermos anunciados culpados. Deve
dizer-se que estes fenómenos se passam de forma mais ou menos inconsciente, ou
seja, sem alguém que nos ajude a pensar os nossos pensamentos não temos bem noção
do que fazemos com os nossos sentimentos de culpa.
Culturalmente,
durante muito tempo os indivíduos viveram em sociedades
limitadas pela culpa, onde muito era reprimido e pouco era permitido. A
culpabilidade é a uma belíssima forma de dominar o outro e o sentimento de
culpa é um severo carrasco. Uma pessoa dominada pela culpa fica amarrada ao outro
e presa dentro de si mesma. Neste contexto, há mais
de cem anos atrás, Freud descreveu o sentimento de culpa
como o mais importante problema no desenvolvimento da civilização desse tempo. Os
seus pacientes sofriam sobretudo de patologias associadas à grande culpabilidade
que sentiam. Reprimidos, não se permitiam ser autênticos, não se permitiam a
pensar pela sua cabeça nem a viver os seus afectos. O ser humano tinha muito
pouca liberdade de “ser”.
Aos
poucos, ao longo do séc. XX, as sociedades foram mudando e a culpa foi
abandonando o seu papel tão castrante no desenvolvimento do ser humano. Nesta
linha, Jacques Lacan, psicanalista francês do séc. XX, dizia que, em última
instância, a única coisa de que podemos realmente sentir-nos culpados é de abrir
mão dos nossos desejos. E assim foi. Sedentos de liberdade, fomos dando azo às
nossas vontades, cada vez com maior confiança e assertividade. Teremos caído no
outro extremo? Hoje, séc. XXI, fala-se muito da falta de limites nos indivíduos
(principalmente a propósito das crianças e dos adolescentes). Eventualmente mas
não generalizando, há casos de exageros, mas para não cairmos em tentação de
voltar aos “regimes” da culpa, queremos escolher um caminho mais adequado. Uma
consciência social, relacional, parental, e individual, com a responsabilidade inerente
ao bom desenvolvimento psicológico de cada um. Os
limites não são impostos só porque sim, é a realidade per si que nos continua a colocar os limites. Seremos sempre
movidos pela procura do prazer e da realização individual, mas embatemos todos
os dias nas interdições colocadas pela realidade. Esta é, inevitavelmente, a
condição humana.