Le Penseur - Auguste Rodin |
“Penso, logo
existo”, disse Descartes. O pensamento será talvez a função mais distintiva da
espécie humana. O acto de pensar é o que nos confere existência, pois mesmo
quando impedidos de falar ou agir, a possibilidade do pensamento ainda nos
salvaguarda uma identidade e uma mente que funciona produtivamente. Assim, em
primeiro lugar, a capacidade de pensar implica que sabemos mais ou menos quem
somos, ou pelo menos, que estamos a caminho da nossa verdade. O que pode ser
assustador. Pensar sobre as coisas (as nossas, as dos outros, as boas, as más,
as que já foram e as que estão por vir) conduz-nos por vezes a caminhos de
dúvida, sofrimento e angústia. Pensar implica também suportar algumas questões
que ficam e ficarão sempre sem resposta.
Entre nós, seres
humanos, uns seremos possuidores de uma personalidade mais analítica,
utilizando a função do pensamento sem hesitar, enquanto outros não pensam muito
ou não pensam de todo, quer porque não conseguem ou porque simplesmente não
querem. São pessoas que preferem levar a sua vida sem questionar muito os
“porquês” e os “comos”. É que viver praticando a análise de nós mesmos, dos
outros e do que nos envolve, é um processo simultaneamente gratificante e
frustrante. E embora seja o único caminho que produz expansão e evolução, para
alguns a ansiedade que a reflexão despoleta é absolutamente insuportável.
Mas atenção: há
uma confusão frequente entre pensamento e ruminação. Pensamento não significa
perder dias a ruminar no mesmo assunto, em loop mental e sem sair do mesmo sítio.
Pensamento é tentar procurar outra compreensão, ver de outra forma. Pensar é
questionar, é algo criador e transformador, um processo que permite andar para
a frente em vez de ficar estagnado no mesmo lugar. Mas por vezes, o que dói é
precisamente sair desse local tão familiar e pôr em causa tudo aquilo que era
dado como adquirido. Recordamos Florbela Espanca que, no seu poema Rústica, dá voz a um desejo
quase infantil de poder ser uma mulher de pensamento mais simples e de alegrias
banais: “Ser
a moça mais linda do povoado./ Pisar, sempre contente, o mesmo trilho(…) Deus, dai-me esta calma, esta
pobreza!/ Dou por elas meu trono
de Princesa,/ E todos os meus
Reinos de Ansiedade.” Pisar todos os dias o mesmo trilho, sem
grandes preocupações, podendo encontrar nessa rotina mecânica a tranquilidade e
a satisfação, era o que desejava Florbela. Porém, pese embora os seus “reinos
de ansiedade”, Florbela teria, em simultâneo, noção da “pobreza” desta
existência.
Se para uns é
suficiente comer, trabalhar e dormir, para outros pensar é uma função
incontornável. Queiramos ou não, somos dotados de um “aparelho de pensar” e se
essa função foi estimulada durante o nosso desenvolvimento, dificilmente
podemos fugir da consciência que em nós cresceu e habita. Por outro lado, a verdade é que fugir do acto de pensar não é melhor solução. É como se,
cá dentro, soubéssemos intuitivamente certas coisas que não queremos
reconhecer. E assim, mesmo não pensando de forma consciente, deliberadamente, a
verdade encontra forma (por vezes mais violenta) de irromper pela nossa vida,
muitas vezes abrindo caminho pelo adoecer do corpo. Porque pensar é procurar a
verdade. E a verdade, por mais que doa, vem sempre ao de cima.
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