Há
coisas que precisamos e das quais dependemos (necessidades) e coisas que
queremos porque assim escolhemos (desejos). A necessidade diz respeito a algo muito
básico, mais primário na nossa condição humana. Fala-nos de algo que nem se
sabe bem porque acontece: só se sabe que se precisa e que é assim, queira-se ou
não se queira. Assim, quando a necessidade não é satisfeita, permanece, sob a
forma de uma falha básica dentro de nós. Já o desejo é de outra ordem. O desejo
é secundário, na medida em que chega depois. Pressupõe algo que não é absolutamente
fundamental mas que representa um valor acrescentado à nossa vida. É algo que
foi pensado, sonhado, de forma mais consciente, e que não nos é imposto de
dentro.
De
uma forma geral, o caminho do desenvolvimento humano faz-se evoluindo da
necessidade para o desejo. Enquanto bebés, temos muitas necessidades, mas não desejos,
no sentido referido de escolhas pensadas, conscientes. Chegamos a “seres desejantes”
à medida que crescemos e se existiu possibilidade de atender suficientemente às
necessidades. Caso contrário, ficamos bloqueados ou suspensos na carência
primária, que tornará a busca dessa satisfação uma prioridade para nós. O
caminho de amadurecimento do Eu não acontece se há privação nas necessidades
mais fundamentais.
Então a necessidade coloca-nos no campo das dependências, enquanto o desejo nos fala de
escolhas livres. Eu só desejo quando já não preciso, até lá, necessito e
dependo disso, tantas vezes, para minha sobrevivência. Há uma fome daquilo que
me falta que ainda me esmaga. E enquanto assim for, estou no campo da
necessidade, aquém do desejo. Se nunca recebi afecto, estou imerso na sua
carência e ele representa, naturalmente, uma busca incessante. Mas se recebi
afecto suficiente, consigo aguentar melhor a sua eventual ausência, passando de
uma questão de sobrevivência a um desejo que está por realizar.
Assim,
no amor romântico, a diferença entre "preciso de ti" e "quero-te"
é uma diferença que corresponde aos quilómetros de amadurecimento que vão da
necessidade ao desejo. É poético dizer a alguém "preciso de ti". A
mistura entre necessidade e desejo, característica na paixão, alimenta as artes
desde sempre, apresentando o amor romântico como uma coisa quase visceral. Mas o
amor homem-mulher, amor erótico de seu nome, corresponde, em maior escala, a um
desejo e não a uma necessidade. Eu estou contigo não porque preciso de ti mas
sim porque te quero. Porque te escolhi. Não morro se fores embora mas sou muito
mais feliz contigo.