The Kiss, 1891, Mary Cassat |
Chegou
ao pé de mim e baixei-me para lhe dar um beijinho, ao que ele não correspondeu.
Aliás, encolheu-se, parecia incomodado. Mais tarde, a sós, perguntei-lhe se
gostava de beijinhos. Disse-me que não. Desde então, cumprimento-o com um olá e
um sorriso. Beijos só se dão a quem os quer.
Embora
muitos miúdos gostem de beijinhos e abraços, uma outra parte das crianças não
gosta de ser tocada como forma de cumprimento. Entre adultos, e particularmente
em Portugal, generalizou-se este cumprimento, mais informal. Mas não é por
acaso que em muitas culturas o beijinho só é bem recebido a partir de um
determinado grau de intimidade. “Dá um beijinho à tia Maria”, ordenam-lhe os
pais, quando chega aquela mulher estranha, que nunca viu na sua vida. Que raio,
mas porquê? “É uma questão de boa educação”, respondem-lhe. Mas onde está
escrito que a boa educação implica distribuir beijos quando não nos apetece? O
beijo forçado é um gesto extremamente intrusivo. O corpo é da criança, não é de
mais ninguém.
Quando
uma criança demonstra claramente não gostar de dar ou receber beijos ou abraços
é suposto haver respeito. Para que ela saiba que tem o direito de escolher quem
a abraça, quem a beija e quem a toca. Para que aprenda que o seu corpo não tem
de servir as convenções ou o interesse alheio. Quando
expomos uma criança a estes abusos estamos a passar a perigosa e errada mensagem
que a criança “boazinha” e “bonita” é aquela que se permite ser tocada, aquela
que expressa educação e simpatia através do contacto corporal; que a criança
“boazinha” e “bonita” e, consequentemente, aceite e aprovada pelos outros, é
aquela que não coloca limites sobre seu próprio corpo. O desrespeito
surge também sob a forma de chantagem emocional: “Não gostas de mim?”,
perguntam. Estão a confundir tudo, o afecto não se mede aos beijos. E se a
pessoa está carente de beijos, pode sempre arranjar um namorado.
Ainda
que seja com a melhor das intenções, obrigar uma criança a dar um beijo é
violento. Que responda, que cumprimente, sim. Beijar ou abraçar, no interesse
de quem? Se a criança quiser dar beijinho, dará. Se a criança diz que não quer,
que não lhe apetece, ou simplesmente vira a cara, não o levemos a peito. A
criança tem direito ao seu espaço, à sua intimidade e ao controlo do seu corpo.
O corpo de uma criança tem de ser tratado com muito respeito. Embora ela
precise de nós na relação com ele (tomar banho, vestir-se) se ela começa a
colocar limites (querer tomar banho sozinha, querer vestir sozinha, não querer
ser abraçada) há que começar a pensar sobre isso. No que respeita à nossa
intimidade, “não” significa “não”, em qualquer idade. E só se nos respeitarem
poderemos também aprender a respeitar o outro.
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