No
Natal passado especulou-se sobre o que estaria para chegar. Continuamos aqui,
ainda inteiros, e depois de um ano de dificuldades, penso que podemos pensar
sobre o outro lado da moeda, que mostra que estamos humanamente mais
“crescidos”. Arriscando dizer que somos hoje menos individualistas, já que nunca
como agora houve tanta consciência social. Repare-se no aumento exponencial de
movimentos solidários de recolha e distribuição de alimentos, brinquedos,
vestuário, livros, e tudo o mais que possa faltar numa casa de família. E não
só a nível institucional, mas atitudes solidárias em pequena escala, que nascem
do coração de alguns.
Sabemos
de famílias que este ano produziram, criativamente, os seus próprios enfeites
de Natal, recorrendo a materiais caseiros ou recolhidos na rua, trabalhando
afincadamente na exploração de tintas, papéis e tesouras. Tudo o que é feito
com as nossas mãos tem cheiro a afectos e com um carinho especial se orgulham
dos seus enfeites mais do que de qualquer outro adquirido anteriormente num balcão
alheio.
Parece
também que todos reduziram a sua lista de presentes, que não só incluía a “prima
da vizinha” (tantas vezes só para parecer bem) como também incluía presentes de
valor o mais elevado possível (como se o valor fosse espelho do afecto nutrido
pelo outro). Hoje procuram-se presentes mais adequados e em quantidade mais
adequada. Sobretudo, é o acto de compra impulsiva que perde força este Natal. Pensa-se
mais antes de agir. Mais, muitos fazem este ano os seus próprios presentes ao
invés de comprar e há ainda quem prefira aderir a iniciativas de pequenos
comerciantes ou artesãos. Porque prosperam negócios caseiros, de elevada
qualidade e preço acessível, nascidos da necessidade e da criatividade de gente
cheia de talento que nunca deu oportunidade a si mesma de pôr mãos ao trabalho
e deixar a imaginação voar. Trabalhos de bijuteria, de costura, de culinária, de
pintura e experiências a tantos níveis. Artesãos dos tempos de crise que talvez
encontrem aqui, este Natal, a semente de uma ideia que venha a germinar no
futuro.
Em
poucos meses, e embora quase por obrigatoriedade, caiu por terra a atitude
excessivamente consumista e passiva que coloriu o Natal dos últimos anos. E,
curiosamente, não deixamos de sentir um “espírito natalício” por aí, que agora
parece vir mais de dentro para fora e não tanto de fora para dentro. Nem tudo o
que nasce no seio de uma crise é necessariamente mau, e assim, começando com um
Natal mais humano, quem sabe depois esta postura possa ir entrando devagarinho
pelas nossas casas, ensinando-nos um equilíbrio social e económico que
poderíamos estar quase a perder de vista.
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