Não
se nasce com uma identidade estática e definida. Parte-se de uma identidade
biológica mas não é, contudo, isso que nos limita, na medida em que o nosso
programa genético é plástico e permite-nos seguir inúmeras direcções. A
construção da identidade é um processo dinâmico e pessoal, cuja base assenta
nas primeiras relações afectivas que nos rodeiam mas também no meio
sociocultural em que nos inserimos. Como tudo começa?
Durante
os primeiros 18 meses de vida, dá-se aquilo a que se chama a identificação
imagóico-imagética. O bebé identifica-se com a imagem que os outros
significativos lhe reconhecem e lhe transmitem. É uma identificação em espelho:
“eu sou aquilo que acham/dizem que eu sou e serei”. Pode originar um
desenvolvimento saudável ou, inversamente, patológico, pois o bebé sente e
assimila sentimentos, expectativas, crenças, medos e desejos (mesmo os mais
inconscientes ou mesmo os mais indesejáveis) que encontra junto daqueles que o
cuidam (ou descuidam). Pensa-se que seja a fase mais fundamental para a
construção de uma identidade própria.
Entre
os 18 e os 30 meses, a construção da identidade passa por um processo de
identificação idiomórfica, ou seja, identificamo-nos à nossa própria forma. Por
auto-observação. Olhamo-nos e olhamos também para o outro que será mais
parecido ou mais diferente de nós, estabelecendo comparações. Começamos a reconhecer-nos
como alguém e a percebermo-nos. Nasce também uma identidade sexuada onde percebemos
que somos menina ou menino e as diferenças de género subjacentes.
Posto
isto, entre os 3 e os 6 anos, numa terceira fase chamada identificação
alotriomórfica, a criança passa a identificar-se a um modelo, um objecto de
eleição ao qual procura assemelhar-se, alguém que admira e ama. Copia o que vê
o seu modelo fazer, pensar, agir, sentir e comunicar. Para o bem e para o mal.
Há modelos piores e modelos melhores. Mas importa dizer que mesmo os melhores modelos
não serão bons se não nos ajudarem a encontrar o nosso próprio estar e o nosso
próprio sentir. Pobre daquele que é apenas uma cópia do outro.
Assim,
pensar que a identidade só está estabelecida na idade adulta é um engano, pois
as bases começam muito antes. Contudo, certamente que este processo é uma
construção contínua, do início ao fim, e as nossas experiências de vida
continuarão sempre a moldar-nos. Por isso, aceitar tacitamente que somos
produto do que vivemos não será também caminho pois não nos podemos subtrair à
responsabilidade que temos nas escolhas que fazemos. A construção de uma
identidade será, sobretudo, uma criação própria. Temos capacidade de reflectir
e transformar e, como disse um dia Ray Charles, somos os nossos próprios
engenheiros.
Nota: Baseado no modelo de
construção de identidade de António Coimbra de Matos
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