Era uma vez. E depois foram felizes para sempre. É o princípio e
fim de quase todos os contos de fadas que povoam o imaginário das crianças. É
inquestionável a importância dos contos de fadas: ajudam-nos a imaginar, a
sonhar e a desejar. Ensinam-nos sobre o amor e sobre a amizade. Sobre os
afectos. Sobre os valores. Ensinam-nos sobre a coragem e sobre a derrota e a
vitória. Com eles aprendemos também a gerir emoções semelhantes às sentidas nos
enredos da vida real. São fundamentais, os contos de fadas.
O que é de pensar é que embora em todas estas histórias haja
sempre lugar para as desventuras e percalços, o final, no entanto, é sempre inquestionavelmente
feliz e nunca nenhum deles nos conta o que acontece depois. O “felizes para
sempre” é um momento estático, fechado, é a frase que não deixa espaço para
imaginar o que podia acontecer durante os 20 anos que se seguem, encerrando com
o fim do conto todas as angústias. E se quando somos pequenos, acreditar nos
desfechos felizes é o que nos permite andar para a frente com esperança,
crescer é deixar cair a ilusão de que o fim das histórias é incondicionalmente
feliz. Sem mais sobressaltos. Sem mais tropeções. As histórias são felizes
enquanto puderem ser. Ora são mais felizes, ora são menos felizes, ora tornam a
ser mais felizes. Crescer é poder tolerar a dúvida e aceitar que as certezas
pertencem a um mundo que não é humano nem real, mas sim tranquilizadoramente encantado,
pois cá fora a realidade é dinâmica e está sempre em movimento, envolvendo as
pessoas e as suas relações nessas oscilações.
Para lá dos contos de fadas, há no mundo adulto muita literatura
e cinema que assenta igualmente neste ideal de que no fim tudo está bem quando acaba
bem. Aliás, muitas pessoas não toleram uma história cujo final não inclua esse momento
“cor-de-rosa”. Porque aí há uma angústia que fica em aberto. Assim, percebemos
que a problemática dos contos de fadas não se limita às crianças nem aos
adolescentes. Quando falamos nessa fantasia infantil de não querer aceitar a
montanha-russa da nossa existência falamos também duma parte de todos nós,
adultos, que fica mais ou menos presa a um ideal de felicidade que nos
acompanha desde pequenos.
Viver é encarar com optimismo essa realidade que não é
eternamente nem estaticamente cor-de-rosa, aceitando que há muitos outros tons
que pintam as histórias das nossas vidas. São tons vermelhos, laranjas, azuis,
verdes, amarelos. Também há os cinzentos e mesmo os pretos. É, a realidade não
é um conto de fadas. Mas é uma pintura colorida ainda mais interessante, viva e
saborosa do que um conto de fadas. São contos de gente.
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