O
medo constante de ficar doente e a interpretação de sensações naturais do
organismo como sinais de uma doença grave são os principais indícios que
caracterizam a hipocondria. Mas, para lá do medo de ter uma doença
física, existe sobretudo uma certeza profunda de estar doente, baseada na
interpretação exagerada dessas percepções corporais banais. De médico em
médico, nem uma ou mesmo várias opiniões clínicas favoráveis serão suficientes
para eliminar esta ansiedade, que assume uma dinâmica que se
aproxima da paranóia.
Sendo uma
perturbação ligada à ansiedade, reflecte uma angústia que, não conseguindo ser
pensada e entendida, se reverte no próprio corpo. O sujeito sente uma espécie
de pânico perante sensações corporais exageradas, mas naturalmente não é capaz
de entender que esse pânico tem raízes inconscientes, que não se relacionam com
o seu corpo. Há muito se sabe que o corpo não se reduz ao orgânico e que é a
dimensão relacional do sujeito que sustenta afinal todas as funções da vida.
Lembramo-nos dos bebés. Antes da aquisição da linguagem e domínio
da palavra, ou seja, antes da aquisição do pensamento propriamente dito, os
bebés expressam-se através do corpo. Contudo, usar o corpo como veículo de
comunicação, mesmo sendo um recurso primitivo, também acontece em pessoas
adultas. Como entender então a génese da capacidade de pensar com a
mente e não com o corpo?
É
a mãe o nosso primeiro “aparelho pensante”. A mãe pensa por nós aquilo que inicialmente
não conseguimos pensar (porque o nosso desenvolvimento ainda não nos permite).
Aqui, se não há uma resposta adequada (empática, contentora e tradutora da ansiedade, afectiva), os elementos
sensoriais, emocionais e tónico-posturais podem ficar desligados entre si e
constituir-se como elementos estranhos e não integrados no pensamento. Estes
elementos passam assim a manifestar-se ilogicamente, sob a forma de uma
inquietação sem nome. No entanto, uma justificação deste género não sossegaria
também o hipocondríaco. A sua convicção é inabalável. Centrado nas suas
queixas, procura a confirmação das suas certezas, até porque não suporta a
incógnita, a angústia do desconhecido e a ambivalência da dúvida.
Sabendo
que é através das incógnitas que nos desenvolvemos e evoluímos (ao procurar
saber mais), diríamos que o
hipocondríaco fica fechado no seu espaço saturado, repetitivo, numa espécie de
ruminação. Pode adiantar-se, assim, que se revela um défice na capacidade de
pensar, não só desde o início da história do seu pensamento mas que se perpetua
pela incapacidade de desbloquear a angústia invasiva, impeditiva da expansão
mental. É, felizmente, possível atenuar o funcionamento hipocondríaco, fundamentalmente através do desenvolvimento de uma relação de confiança e posteriormente da criação da "função pensante" que ficou em suspenso algures lá atrás. Em psicoterapia, através de uma passagem progressiva do “Eu corporal”
para o "Eu pensante”, procurar-se-á dar um novo sentido a estas angústias, que
impedem o bem-estar e a possibilidade de viver uma vida mental, relacional e
social satisfatória.
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