Na prática clínica somos, cada vez mais,
confrontados com queixas que remetem para um sentimento de vazio interior. Como
se a pessoa não se sentisse completa, preenchida ou satisfeita. Como se
procurasse algo que não encontra, repetidamente. Em simultâneo, é mencionada a
solidão. Estas questões remetem fundamentalmente para uma fragilidade narcísica
(falta de amor pelo meu Eu) e para falhas nos processos de construção da identidade
e de autonomização (constituição de um Eu maduro e que não precise em absoluto
do outro). Como é do conhecimento geral, as questões da estruturação da nossa
identidade e autonomia estão intimamente relacionadas com as nossas relações
precoces e ambiente familiar do sujeito.
Contudo, não deixa de ser interessante perceber
que o seu maior aparecimento coincide com uma época em que a cultura vigente
deixa mais a nu a insatisfação das pessoas consigo próprias. O indivíduo, na
sociedade actual, tem sido convocado para a busca do perfeito: corpo/imagem, status, carreira profissional,
eficiência, estilo de vida. Vivendo sempre em comparação com o outro,
discutindo lugares nos mais diversos rankings (o mais bonito, o mais
bem-sucedido, o mais rico, o mais inteligente), como podemos escapar dessa
solicitação?
Percebemos que, tal como diz Carlo Strenger no
livro O Medo da Insignificância: “o mito do just do it conduziu a um incrível aumento do reino da fantasia.
Procurar menos do que tudo é procurar a mediocridade. Pouco ou nada se diz
sobre o processo doloroso de descobrir quem realmente somos e quais as nossas
reais capacidades e limitações. Pelo contrário, a ideia que vende é: não há
limites.”
A
verdade é que há limites (os da realidade interna e externa) e é bom que recuperemos essa consciência. Há limites
para o meu Eu (não posso ser perfeito em tudo), para as minhas capacidades (não
posso fazer tudo), para os meus talentos (não sei fazer tudo), para os meus
valores (não aceito tudo). Vivemos tempos em que se incentiva a diferença mas
na verdade, ao querermos todos ser especiais em tudo, tornamo-nos iguais. Já
não basta ter uma vida, é preciso ter uma “super-vida”.
Aqueles que, de nós, vão encontrando dentro de si
recursos para manterem o bem-estar perante a competitividade e agressividade do
marketing pessoal, estão sossegados. Mas muitos, com grandes dúvidas sobre o
seu valor enquanto pessoa, geralmente apresentam sintomas de enorme
insegurança. O caminho passa por olhar mais para dentro e menos para fora. E quando
encontrarmos os nossos vazios, procuremos preenchê-los com um pouco mais de Eu
e um pouco menos dos Outros.
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