Liekeland |
De
há muito tempo para cá que o Homem tem tentado, por todos os meios, ser cada
vez mais auto-suficiente. Precisar, cada vez menos, do que quer que seja. Estar
preparado para tudo e superar todos os desafios. De quanto menos recursos
precisar (materiais ou humanos), melhor. As palavras de ordem são, por exemplo,
“faça você mesmo”, “guia de auto-ajuda”, “self-service”. Cada vez mais
poderosos, cada vez mais competentes ou, bem vistas as coisas, cada vez mais
sós.
É. No
dia em que eu achar não precisar do outro para mais nada, morrerei: encerrado em mim mesmo,
tendo por companhia a solidão ou a omnipotência. No filme “Into The Wild”,
baseado numa história verídica, percebemos que, em última análise, é a fuga do
mundo e dos outros que fazem parte do mundo que acaba por destruir Christopher
McCandless: o isolamento, confundido com
autonomia, mata. Mais cedo ou mais tarde, precisamos sempre de alguém. Somos
seres gregários, isto é, que se agregam. E isso tem funcionado bem, ao longo de
toda a humanidade. Cooperamos, coligamos, colaboramos, ou seja,
relacionamo-nos. Somos, por todos estes motivos, seres que interdependem. Querer
negar isto é negar a condição humana. “Eu não preciso de ninguém” é querer tornar-se
bicho ou máquina, sendo que nem alguns bichos conseguem sobreviver sós e que
mesmo uma máquina precisa de alguém que a manobre, a dado momento.
Nascemos
a precisar do outro e provavelmente, morreremos precisando do outro. Durante o
caminho, percorremos alguns trilhos de autonomização, de crescimento e
diferenciação, mas vivemos sempre numa autonomia relativa. Perceber e aceitar
isto é poder também serenar. Perceber que isso está na
nossa natureza, desde os primórdios da espécie. Que não ser auto-suficiente não
é um crime, pelo contrário: é a condição humana no seu melhor.
Sem
dúvida que no outro extremo se pode encontrar o excesso de dependência, a
incapacidade de ser autónomo e de tomar conta da nossa vida. São histórias de
meninos pendurados no pescoço de suas mães ou sentados em qualquer colo que
lhes apareça pela frente. São histórias de crescimentos boicotados, suspensos
ou esburacados. Sem dúvida, portanto, que o caminho da saúde mental passa por
uma autonomização “suficientemente boa” e consequente crescimento pessoal. Sem
a capacidade de estar só, será difícil construir uma vida adulta de qualidade. Como
ouvi recentemente, sem sermos um bom ímpar, não seremos um bom par. O problema então
não será depender do outro, mas em que medida dependemos. Há algures, parece,
uma medida mais ou menos saudável para isto de precisarmos sempre de alguém.
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