Uma
flor pode ser apenas uma flor ou pode ser uma flor que eu decidi usar para um
fim qualquer. Por isso, essa flor destaca-se de todas as outras e eu crio uma
relação com ela diferente de todas as outras. Num certo sentido, eu “criei”
aquela flor (naquilo que ela representa para mim e que não representa para mais
ninguém). Ela torna-se símbolo de algo. Ficará embebida numa emoção, numa memória,
num pensamento ou sensação. Sobre a sua rosa, dizia o principezinho às outras
rosas: “Claro que para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente
igual a vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas porque foi a
ela que eu reguei.” Isto é a atribuição de subjectividade ao mundo objectivo e chamamos-lhe
o “viver criativo”. Ou, de uma forma mais simples, o brincar.
Há
esta ligação a preservar, entre a vida objectiva (a realidade compartilhada) e
a nossa vida subjectiva (a minha leitura da realidade). O grito de uma gaivota
pode ser (e é) apenas o grito de um gaivota, aquele grito ouvido no mesmo
preciso momento por uma centena de pessoas, mas é também, para mim e só para
mim, o trampolim para emoções, memórias, pensamentos e sensações; passadas,
presentes ou futuras. Talvez, então, aquilo que mais dá significado à nossa
vida seja essa arte do “viver criativo”, “brincando” com uma flor, o grito de
uma gaivota ou uma pedra no caminho. É o dom de transformar um mundo que já
existe. Transformá-lo, na perspectiva em que uma coisa passa a significar outra
coisa, simultaneamente objectiva e subjectiva: muito mais rica de simbolismo e
de substância.
Quando
a vida é demasiado concreta, falta significado às coisas. Falta viver criativamente.
Reinventar o mundo e, através disso, reinventarmo-nos. O viver criativo cresce
em nós, desde pequenos, se temos a possibilidade de brincar. Quando brincamos,
nada é o que é: um mata-moscas pode ser uma arma, uma formiga pode ser um
soldado, um caldo de folhas e flores pode ser uma sopa. Nesse espaço
transicional entre o que é e o que pode ser, vive-se criativamente. E essa arte
permanece por toda a vida.
O
viver criativo é a poesia do quotidiano. É abrir os olhos para o estético e para
o sensível e deixá-lo ligar-se ao concreto. É também e ainda, possibilidades
sem fim. É expansão pois, no limite, nada jamais se repetirá: chegamos ao mais
importante, todas as relações de amor podem ser diferentes todos os dias. Viver
criativamente é perceber essa potencialidade em todas as coisas. E na nossa
experiência, na nossa interioridade, nada será apenas aquilo que é, mas será sempre
uma espaço de transição entre o que é e o que pode ser. E que seja um lugar
onde fomos, ou poderemos ainda ser, mais felizes.
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