Perante
a força esmagadora desses desafios do mundo concreto, não podemos perder de
vista a importância de um espaço que nos ajude a pensar e a sonhar. Esse espaço
cria-se, nas sociedades, através das artes, da cultura e da educação — universo sensível. Esse universo sensível é também
algo que liga as pessoas, na medida em que está muito enraizado na tradição
europeia e é, de certa forma, uma identidade: pertencemos a um continente-berço
de pensadores e de fortes movimentos artísticos e culturais. É também uma
força: em tempos de fractura, tudo o que promova a coesão e a integração é de
preservar.
Embora
o nosso país seja hoje mais alfabetizado do que há muitos anos atrás e o acesso
às artes e à cultura seja hoje feito sem censuras ou grandes limitações, há uma
espécie de anestesia generalizada no que trata a políticas de apoio e
crescimento nestas áreas. E um país que não investe na arte e na cultura é um
país que embrutecerá rapidamente. Ali não frutificarão novas ideias, pois a
criatividade é abortada à nascença, com os habitantes adormecidos entre
extratos bancários e folhas de cálculo. O ser humano não vive só de números mas
também de sonho. É fácil cair na tentação de colocar as artes e a cultura num
plano secundário: o que importa é pagar as contas e ter comida na mesa. Porém, se
não se despertam os sentidos, a alma definha. As artes e a cultura são o
alimento do espírito de um povo: para além da possibilidade de se maravilhar, é
nesse espaço de sonho que podem surgir pensamentos críticos. É, como diria Raul
Brandão, um “intervalo de vinte minutos para sonhar”.
As
artes e a cultura, seja sob a forma de música, de pintura, de literatura, de
cinema, de teatro ou de qualquer outra manifestação de criatividade, são porta
de entrada do pensamento divergente, e assim o mundo “pulula e avança”. Ao
mesmo tempo, permite um certo encantamento que nos distrai da realidade, por
vezes tão dura. Sobre isso já Nietzsche dizia que “temos a arte para não morrer
da verdade”. De facto, lemos as notícias ou ouvimos os telejornais e somos
imediatamente sufocados com doses maciças de realidade. Não precisamos nem
devemos fugir da realidade, ou seja, não se trata de oferecer “circo e bolos
para enganar os tolos”, trata-se sim de reservar espaço na nossa mente para
aquilo que é belo: seja lá o que isso for para cada um de nós.
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